quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Conclusão do Gênesis e Bibliografia utilizada para elaboração do material apresentado! Assim terminamos o estudo dirigido desse belíssimo livro! Abraços catequistas e sempre que possível, aprofundem seus conhecimentos! :)

LIVRO DO GÊNESIS (VII)

CONCLUSÃO

O tema das relações humanas essenciais, uma metonímia para o laço que une a humanidade, é tratado com crescente complexidade desde o início do Gênesis até seu fim. Desse modo, é esse o ponto que gostaria de refletir melhor na conclusão desse belo livro das origens e das gerações.

O ser humano não se encerra em sua individualidade e somente consegue realizar e atualizar sua humanidade por meio das relações maduras com o outro, com a natureza, com Deus. Sem elas o homem é enfraquecido e não se encontra com a felicidade desejada pelo Criador.

No relato da criação, percebemos que a relação que estabelecemos com o mundo material, vegetal e animal é relação progressivamente baseada na experiência de dominar a natureza e favorecer ao homem o uso desses meios para manter-se vivo, relação do eu com o objeto visando manter o equilíbrio ou criar um equilíbrio novo por meio da humanização e racionalização desse objeto, ou do próprio mundo. Dessa relação, quando bem desenvolvida, pode surgir a arte; o homem encantando-se com o trabalho, com a natureza ornamentada, com a música, com a beleza. Mesmo sendo expulso do paraíso, uma metáfora da natureza pronta, o homem tem o compromisso de cuidar e zelar belo bem da criação. A luta pela terra prometida, que fez os patriarcas se desinstalarem, marca a busca da relação de sobrevivência com qualidade, da terra onde possa emanar leite e mel.

O caos da relação com o mundo vai dar-se na banalização ou supervalorização das coisas: banaliza-se quando as coisas perdem seu valor e são destruídas, a exemplo disso o meio ambiente, tão agredido no século XX, e supervaloriza-se quando o homem torna-se escravo das coisas e depende delas para ser feliz ou conviver, situação presente na excessiva valorização dos bens de consumo, propagados no marketing e nas frias relações digitais estabelecidas através das novas tecnologias. O progresso da ciência, que aos poucos vai se dogmatizando como verdade absoluta, causa uma grande confusão nas relações, fazendo o homem fechar-se na proposta de progresso, sem preocupação com as consequências e a saudável relação necessária com o outro e também com o divino, transformando tudo em instrumento do bem-estar pessoal, sem qualquer consideração ética.

O homem partilha sua existência com outros homens e estabelece com estes, portanto, uma relação de interação, de convivência e de solidariedade: “Não é bom que o homem esteja sozinho...” (Gn 2,18). É nesta relação com seus semelhantes que o indivíduo é verdadeiramente transformado em ser humano; sem a experiência social o homem não se completa já que o outro complementa a particular visão de mundo, sendo sempre o tu que ultrapassa as limitações individuais por meio da interatividade. Desta relação, quando madura e consciente, pode surgir a relação pontual da intersujetividade, o amor, a comunicação com o outro numa troca de profunda afetividade e o enriquecimento mútuo.

Tal relação, de fraternidade, está presente em todo o Gênesis, ora apontada de modo pleno, desejado por Deus, de respeito, às vezes desencontrada, porém, reconciliada, ora paradoxal, marcada por interesses egoístas, pela morte, pela manipulação e pela mentira.

Para que essa relação seja realmente humana, faz-se necessário o diálogo, a ação do viver junto e estabelecer uma relação com o outro sem submetê-lo, sem haver uso ou relacionamento de manipulação instrumental, transformando o outro em objeto e meio, situação que pode desenvolver uma tragédia existencial. O grande perigo nessa relação está em transformar o outro em objeto, ridicularizar o amor (como fez os irmãos a José), utilizar-se do outro para benefícios (como fez Jacó com Esaú), para a auto-sustentação, para uma relação de desumanização e massificação, visando sempre benefícios e retornos, principalmente econômicos (como fez Labão com Jacó). Roubar do outro o direito à consciência, à liberdade e à responsabilidade por suas ações (como na construção da Torre de Babel), submetendo-o a ser meio para conquistas quaisquer, pode gerar o desastre da “desumanização do homem”.

Diante das indagações acerca da contingência, da origem humana e de seu destino, surge a convicção de que deve haver um ser absoluto, criador, primeiro e último, ele sim necessário, razão suficiente e causa de tudo quanto existe – a este ser estamos vinculados através de uma relação essencial de dependência, de respeito. No Genesis, além disso, há uma relação de bênção, de necessidade de manutenção das experiências de fé, algumas vezes abaladas pela própria historia. A historia do homem e do universo, do povo e de uma terra, faz parte de uma experiência religiosa com o Deus que cria, que abençoa, que desinstala os patriarcas, que dá descendência e fertilidade, que aponta uma terra.  Assumir o Deus dos pais e considerar-se povo de Deus é o distintivo característico do livro das origens. Tudo procede de Deus e Deus é quem abençoa e dá a vida.

No entanto, o grande problema na relação com o Divino, que deveria ser uma relação que suprisse a pobreza ontológica essencial da contingência, encontra-se na manipulação e desmistificação desse Deus em contrapartida a uma exacerbação da autossuficiência humana (pecado original).  Portanto, o excesso de empirismo e o ateísmo somados aos interesses de religiões que apresentam um deus curandeiro de problemas diversos, colocam em risco a relação humana com o Criador.

O livro do Gênesis é um convite a lermos teologicamente o projeto de Deus para o homem: Deus quer-nos felizes e para isso, o homem precisa entender-se a partir de relações humanas maduras e ações conscientes.


 BIBLIOGRAFIA

ANDERSON, B.A. A narrativa de Babel, paradigma da unidade e diversidade humanas. In: Concilium, n. 121, p. 73-81 (1977).

BALANCIN, E.M. O homem em busca de sentido: uma leitura de Gn 1-11. In: Reflexão. PUC, n.10. p. 193-203.

________. Pentateuco. Apostila para estudo do Pentateuco. CES Sagrado Coraçao de Jesus. São José do Rio Preto, 2009.

_______. A história de Jacó e Labão. In: Vida Pastoral, n. 156, janeiro-fevereiro 1991, p.2-6.

BONORA, A. A fraternidade que salva. Gênesis 37-50. São Paulo: Paulinas, 1987.

CIMOSA, M. Gênesis de 1-11. A humanidade e sua origem. São Paulo: Paulinas, 1987.

DANIELOU, J. No princípio. Gênesis 1-11. Petrópolis: Vozes, 1964.

DATLER, F. Gênesis: texto e comentários. São Paulo: Paulinas, 1984.

GESHÉ. O mal. São Paulo: Paulinas, 2003.

KOCH, R. Teologia da Redenção em Gênesis.São Paulo: Paulinas, 1971.

LAWRENCE, T.E. Os sete pilares da sabedoria. Tradução de C. Machado. Rio de Janeiro: Record, 2000.

MESTERS, C. Paraíso e esperança. Saudade ou esperança? 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1977.

RENDTORFF, Rolf. A História bíblica das origens (Gn 1-11) no contexto da redação sacerdotal do Pentateuco. In O Pentateuco em Questão. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 2002. (p. 89-99)

STORNIOLO, I. EUCLIDES, E.M. Como ler o Livro do Gênesis. 11. ed. São Paulo: Paulus, 1990.

SCHWANTES, M. Projetos de Esperança. Meditações sobre Gênesis de 1 – 11. Vozes Sinodal, 1989.

VOGELS, W. Abraão e sua lenda. Gênesis 12, 1 – 25,11. São Paulo: Loyola, 2000.

VON RAD, G. Genesis. A Comentary. London, SCM Press, 1966.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Olá catequistas: os capítulos finais do livro do Gênesis é dedicado a saga de José! Bons estudos!

LIVRO DO GÊNESIS (VI)

3. A história de José: Deus age através dos acontecimentos (Gn 37,2 – 50,26)
A história de José tem uma coerência interna: Jacó aparece nela, mas é apresentado como um ancião fraco e preso às suas preferências afetivas. O núcleo do relato fala sobre o conflito e a venda de José (Gn 37), a subida de José ao poder (Gn 40 – 41) e as viagens dos irmãos ao Egito e a reconciliação (Gn 42 – 45).

Conforme Bonara, história de José é permeada por dois elementos essenciais: o homem responsável e livre na historicidade concreta e abertura ao pecado, que labuta pela própria auto-realização, mediante suas escolhas e decisões, e Deus que, com soberana e infinita liberdade, já escolheu o homem e fixou os rumos do relacionamento homem-Deus, desce do céu e mescla-se secretamente na história. A história de José se realiza e se desenrola entre a liberdade divina e a liberdade humana.

Nessa história, volta-se um olhar para a essência do homem, tratando de homens concretos, de uma família, exatamente da família de Jacó, que simboliza as realizações da comunidade humana.

3.1. Uma novela de um sábio
A história de José situa-se entre as narrativas dos patriarcas (aos quais é feita a promessa da terra) e a narrativa épica do Êxodo, desde a escravidão egípcia, que constitui o primeiro passo rumo ao ingresso à terra prometida.

No lugar onde se encontra na Bíblia, a história de José apresenta-se como ponte entre os patriarcas e o Êxodo, que é considerada a entrada dos hebreus no Egito.  

A saga de José pode ser considerada como um conto magistral: “Os irmãos de José chegaram a ele... José viu a seus irmãos e os reconheceu” (Gn 42,6-7). Mas “eles não o reconheceram” (Gn 42,8). A narrativa tem três momentos: uma condição inicial - a família está unida, os irmãos se reconhecem como irmãos; uma situação de crise – os irmãos se odeiam, não se falam, uns conspiram contra o outro até pensarem na matança; uma solução final - depois da reconciliação, o diálogo fraterno, a pacificação e a reunificação da família inteira. Essa estrutura é que se chama de princípio da transformação somada a descoberta de Deus que se faz presente às escondidas na história humana.

Para alguns estudiosos a história de José (inspirada no “Conto dos dois irmãos”, um interessante conto egípcio, escrito entre 1500 e 1000 a.C.) é um campo ideal, clássico, para “demonstrar” como e quando é importante e frutífero estudar a Bíblia com o método da distinção das “fontes”. Esse método de estudo é chamado de várias maneiras: mas comumente é chamado de “teoria documentária” ou “estudo da história das tradições”. A história de José não uma combinação de pedaços, de documentos, mas é a obra de um único autor que trabalha sobre as tradições anteriores.

A origem da narrativa sobre José pode ser assim definida: o rei Salomão, na sua corte em Jerusalém, promoveu um estudo literário, assim como o rei Mecenas, com intento de legitimar sua realeza. Um grupo de sábios ocuparam-se de coletar por escrito o patrimônio histórico-religioso do povo de Israel. O texto da história de José teve um profundo sentido religioso, mas também preocupação racional-filosófica. A história de José foi “retocada” e assimilou alguns acréscimos e fragmentos: Gn 41, 50-52 sobre os dois filhos de José, Manassés e Efraim, chefes da estirpe de duas tribos de Israel. (Gn 46,1-5, Gn 48, Gn, 23-25).  A história de José era vista pelo sacerdotes como “meio” para vincular os patriarcas com a Êxodo e para remarcar o tema da benção e da terra.
“Em atual configuração literária, a história de José tem grande importância teológica e tornou-se um esquema interpretativo concreto ou um modelo de compreensão da história e da existência humana à luz da fé javista”. (BONARA, 1987, p. 29). José não é, portanto, pura invenção poética da fantasia criadora do escritor Bíblico, mas encarna um dado histórico de grande realce para as origens das doze tribos de Israel.

3.2.  O homem como auto-realização
De acordo com G. Von Rad, a história de José distingue-se pelo seu mundanismo revolucionário, que descreve o inteiro âmbito da vida humana, todos os seus primores com profundo realismo. A história de José explica-se com o desenrolar das causas humanas: cada acontecimento tem uma exata e pontual justificativa nas circunstâncias, nas decisões, nas escolhas, nos pensamentos e nas paixões dos homens.

José no reino do faraó tem o cargo de ministro da agricultura e com poderes políticos, torna-se um personagem semelhante a vizir, de quem nos falam os antigos textos egípcios. Um sábio verdadeiro, um homem realizado: sábio, segundo a tradição da bíblia, não corresponde a “intelectual”, mas designa personalidade que tem dotes e recursos necessários para levar vida boa e feliz. Von Rad sublinha justamente que, mesmo tratando-se de formação humana, se reconhece que o temor de Deus é sempre a base. O ideal sapiencial é um humanismo religioso. Lembrando que a tradição sapiencial antiga, também bíblica, dá grande importância à arte de falar.

Na história de José tudo parece regulado segundo os interesses humanos das relações familiares, políticas etc. Temos uma história intensa e plenamente humana, profana, que não significa ,porém, uma história ateia e agnóstica.

3.3. Fraternidade e reconciliação: história da família de José
A história de José pode ser entendida a partir de dois grandes momentos:  Gn 37- 41: divisão da família e isolamento-exaltação do herói e Gn 42-50: submissão dos irmãos, reconciliação e restituição da unidade familiar.

Conforme Storniolo (1990, p. 52 – 61), o início da história de José é dramático e já aponta para o seu desenvolvimento posterior. José, filho de Jacó e Raquel, é o preferido do pai e se não bastasse isso, os sonhos que ele conta à família acabam suscitando ciúmes (Gn 37). José é repudiado por causa de seus sonhos proféticos.

A reação dos irmãos se faz logo a sentir e agora a narrativa se encaminha para o lugar onde tudo o mais acontecer: José é vendido para o Egito.
Além de estar longe do pai, José perde a liberdade, e de escravo torna-se prisioneiro. O autor do texto reforça por quatro vezes (Gn 39 – 41) que “Javé estava com José” e qualquer pessoa que possa ser instrumento de Deus recebe dele benção para todos que o cercam.

Para os antigos, o sonho era uma mensagem cifrada em que Deus se manifestava ao homem e a ele revelava o futuro. Mostrando que José é capaz de interpretar sonhos, o texto afirma que ele sabe discernir a ação de Deus na história.

Os sonhos do faraó tornam-se a ocasião concreta para a ascensão de José. Além de mostrar discernimento para interpretar os sonhos e perceber a ação de Deus, José demonstra também o tino administrativo que poderá salvar o país da fome (41, 33-36). Com isso, fica provado que José é sábio: é capaz de discernir a ação de Deus e agir de acordo. [...] Por seu discernimento e tino administrativo, José se torna vice-rei do Egito. (STORNIOLO, 1990, p. 54)
 
A família de Jacó passa por uma terrível crise e manda seus dois filhos mais velhos para o Egito. José reconheceu seus irmãos, mas eles não o reconheceram (Gn 42,8). José os coloca à prova , mantém Simeão de refém e pede para buscar seu irmão mais novo, Benjamim, filho de Raquel, também sua mãe (Gn 42,16): o que José quer de fato saber é se agora os irmãos são capazes de agir com fraternidade, quer saber como são capazes de tratar o irmão mais novo.

José age como juiz e como acusador para submeter os irmãos à prova para que eles reconheçam a culpa, se convertam e redescubram o amor fraterno. O segundo encontro é um encontro alegre (Gn 43): comem juntos, porém uma taça é colocada na saca de Benjamim, como marca do teste mais radical. O ponto alto da narrativa se dá com Judá, que confessa a venda de José ao Egito, contudo, não aceita que Benjamim fique como escravo, oferecendo-se em troca pelo irmão. Os irmãos estão dispostos a assumir a responsabilidade pelo irmão. O teste chega ao fim. O diálogo traz a reconciliação e o amor entre os irmãos. A verdadeira fraternidade é presente de Deus, que dirige os acontecimentos desta história invisivelmente.

Pode-se observar que a narrativa segue um esquema de transformação. A reconciliação fraterna é, portanto, o fruto e o símbolo do perdão e da misericórdia de Deus. Para Bonara:

Não existe em todo o Antigo Testamento uma tão plástica representação da reconciliação e uma tão sutil e profunda intuição do processo da reconciliação como há nesta novela maravilhosa que penetra tão profundamente dentro da realidade humana, com olhar claro e penetrante de fé. (1987, p. 64)

É nesta contraposição radical entre o plano ruim dos irmãos e o plano de salvação divina que a história de José alcança seu vértice teológico: Deus é essa presença de amor na humanidade. Deus e o homem são livres “criadores” da história.

“Deus age através dos homens: onde há o máximo desempenho do livre compromisso humano, aí há a presença de Deus, que projeta e dirige”. (BONARA, 1987, p. 71)

Na narrativa dos acontecimentos de José, Deus dá ao agir humano a sua direção e finalidade, que resulta no plano divino, liberdade do agir humano e liberdade de Deus operam em conjunto e ao mesmo tempo.

**Roberto Bocalete

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Ola catequistas, e todo povo de Deus! Hoje vamos aprofundar o ciclo de Jacó, um dos nossos patriarcas! Bíblia nas mãos: façamos uma leitura atenta! Bons estudos e abraços...

LIVRO DO GÊNESIS (V)

2. O Ciclo de Isaac e de Jacó (Gn 25,19  - 37-1)
A história dos patriarcas não é história somente de indivíduos, como já salientado, mas de grupos que estão na base da formação de Israel. Os grupos principais são de Abraão e Jacó. O grupo de Isaac serve de ligação genealógica entre os dois primeiros e faz parte do grupo de Abraão. (STORNIOLO, 1990, p. 43)

A história de Jacó ocupa maior parte do livro, porque é nela que as tribos encontram suas raízes. O ciclo de Jacó tem suas próprias características. Para Balancin (2009, p. 60-61), provavelmente formava uma história independente antes de fazer parte do livro do Gênesis. A historia de Jacó é mais unificada que a história de Abraão e pode-se focalizar facilmente a unidade narrativa que descreve os conflitos de Jacó com seu irmão Esaú e com seu tio Labão.

O ciclo de Jacó pode ser assim dividido:
a) Os episódios da rivalidade entre Esaú e Jacó – roubo da primogenitura e da bênção (Gn 25, 27 – 34; 27,1 – 45)
b) A visão de Betel (Gn 28)
c) Os conflitos entre Jacó e seu tio/sogro/patrão Labão (Gn 29,1 – 32, 1)
d) O retorno à terra de Canaã (Gn 32 – 33; 35, 1 – 8. 16 – 20) 

A história de Jacó surgiu no norte e está vinculada a lugares próprios do norte: Betel, Siquem ou Fanuel.

2.1. A rivalidade entre Esaú e Jacó (Gn 25, 27 – 34; 27, 1 – 45)
Conforme Storniolo (1990, p.44) a história de Esaú e Jacó é desde o início uma história de conflito. Esaú perde seu direito de filho mais velho quando Jacó, aliado a sua mãe Rebeca, usa um estratagema para conseguir a bênção do pai reservada ao filho mais velho. Jacó tem que pagar pela trapaça, por isso foge para longe, para agora ser enganado por seu tio Labão.  

De acordo com Balancin, essa historia requer, dentro do contexto, uma reconciliação (Gn 32,4 – 33,11) e uma nova separação (Gn 33,12 – 17). Além dos elementos étnicos e etiológicos que aí são encontrados, é interessante salientar uma outra perspectiva:  a retomada da fraternidade. É dentro dessa perspectiva que vamos encontrar o episódio da assustadora noite junto ao rio de Jaboc (Gn 32, 23 – 33). ‘e uma questão de vida ou morte que requer uma renovação interior para que não haja um total endurecimento do coração.

Voltando para casa, depois de vinte anos fora, segundo Dattler (1984, p.177) Jacó vai ter que enfrentar o seu irmão que enganou, vai ter que se haver com seu passado fraudulento em relação a Esaú, e para isso terá que passar por um processo de amadurecimento. A mensagem do episódio é clara: Jacó precisa ser encorajado em vésperas do encontro temido com Esaú.

A tentativa de agradar ou fugir do irmão não funciona, pois o sentimento de culpa apodera-se de Jacó, que ao tentar subornar Esaú com presentes, ainda não reconhece claramente sua culpa e não pede perdão. Para que haja esse reconhecimento, Jacó fica só e passa a noite a encarar sua sombra e o desconhecido (episodio no rio Jaboc): “e alguém lutou com ele até surgir a aurora. Vendo que ele não o dominava, tocou-lhe na articulação da coxa, e a coxa de Jacó se deslocou enquanto lutava com ele (vv. 25-26). A angústia de Jacó de não se separar do misterioso ser provém do fato de ele querer ser abençoado e para receber a bênção, terá antes o nome mudado: “ não te chamarás mais Jacó, mas Israel” (v.29), isto é, recebe uma nova missão dentro do projeto de Deus: ser bênção para o irmão. E isso ele entendeu, de fato, o presente que agora Jacó dará a Esaú é uma bênção. Ao enfrentar a si mesmo e suas sombras, Jacó é abençoado por Deus e agora pode se encontrar fraternalmente com seu irmão. O pecado do fratricídio, como animal acuado de tocaia, foi vencido e agora cada irmão poderá seguir seu caminho (Gn 33, 12 – 16).        

2.2. A história de Jacó e Labão (Gn 29, 1 – 32,1)
Aqui evidentemente está refletida a história dos encontros  e desencontros de dois povos, Aram e Israel, lutando por sua soberania, com demarcação de territórios e, portanto, procede no nível de relações internacionais.

2.2.1. Jacó amou Raquel (Gn 29, 1 – 30)
Jacó foge do irmão após roubar a bênção da primogenitura, chega a um poço e se encontra com a prima Raquel [amor a primeira vista]. O encontro familiar na casa de Labão é emocionante; um mês depois, inicia-se o encontro de negócios: a relação familiar começa a se desgastar – proposta de salário, de tio-sobrinho a relação transforma-se em patrão-empregado. Jacó, porém, mistura negócios com amor: “E Jacó amou Raquel” (Gn 29, 18). Apesar de ter servido o patrão por sete anos em troca da mão de Raquel, Labão dá Lia a Jacó no lugar de sua amada. Uma nova proposta é feita: mais sete anos de trabalho, o patrão lhe dá a mão de Raquel.

2.2.2. Jacó defende seus direitos (Gn 30, 25 – 31, 21)
Catorze anos depois, a família formada, com filhos para criar, Jacó começa a despertar, já não é mais um ingênuo apaixonado; cansou-se da exploração do  sogro-tio-patrão e quer partir, voltar para suas terras com as mulheres e filhos. Labão percebe que vai perder um empregado eficiente e barato, reconhece que foi graças q ele que acumulou o que tinha: há uma proposta nova de salário (30, 27 – 28). Jacó aceita, mas já tem planos para ganhar sua dependência econômica: agora Jacó fica rico em seis anos e o sogro cai na armadilha da ganância. Os filhos do tio-patrão não toleram esse progresso e acusam o empregado de roubo. Jacó faz uma reunião urgente de família, com suas esposas, e decide ir embora, com o apoio das mulheres que já se sentem vendidas pelo pai. Na casa do pai, Raquel se apossa do terafim, um ídolo doméstico, sinal da bênção protetora e preservação da herança, roubando do pai a proteção e a prosperidade que o pai lhe havia tirado e que ela tinha direito.  

2.2.3. Jacó assegura seus direitos (Gn 31, 22 – 32, 3)
Apesar da perseguição cuidadosa de Labão em busca do terafim, que Raquel o esconde com esperteza, Jacó discute com o sogro sobre a exploração sofrida e o momento é concluído com uma aliança de separação pacífica: o litígio familiar termina por meio de um acordo, em que Jacó e sua família são reconhecidos como independentes. Agora Jacó segue seu caminho para reencontrar seu irmão;  antes, luta com deus, recebe a bênção para devolve-la a Esaú. 

Uma brilhante conclusão é dada por Balancin (2009, p.73) dos conflitos que marcam o ciclo de Jacó: "A vida ensina: Jacó que havia tapeado o irmão Esaú, é tapeado pelo tio; havia roubado a bênção, agora seu salário é mudado três vezes; havia se apossado da bênção da primogenitura, agora é preciso lutar com Deus para que este lhe conceda a bênção (no vale de Jaboc) e essa bênção seja devolvida ao irmão do qual ele roubara a bênção. Jacó sofreu na pele o que fizera seu irmão sofrer, aprendeu. Então retorna, e a fraternidade se restabelece e cada um pode continuar seu caminho".

2.3. Os filhos de Jacó (Gn 29, 32 – 30, 24; 35, 16 – 19)
Segundo esses textos do Genesis, os filhos de Jacó são os seguintes:
* De Lia: Ruben, Simeão, Judá, Levi, Issacar, Dina.
* De Raquel: José e Benjamim.
* De Bala (escrava de Raquel): Dã e Neftali.
* De Zelfa (escrava de Lia): Gad e Aser.
 Esses nomes, somados aos filhos de José, Efraim e Manasses, são várias vezes citados como representantes das tribos de Israel.

domingo, 28 de outubro de 2012

Olá amigos e amigas catequistas! Bíblia nas mãos - entraremos agora na segunda parte do livro do Gênesis, refletindo a história dos patriarcas: Abraão será o primeiro deles! Como pai da fé, acreditou sem exigências! Importante para pensarmos nesse ponto neste Ano da fé! Abraços...

LIVRO DO GÊNESIS (IV)

B) HISTÓRIA DOS PATRIARCAS E HISTÓRIA DE JOSÉ (Gn 12-50)
 Storniolo (1990, p.36-37) afirma que por trás das personagens individuais dos patriarcas há, na verdade, grupos inteiros; mais do que laços de sangue, o que une esses grupos é um objetivo comum: são grupos que se inscrevem nos grandes movimentos arameus em busca de uma terra fértil para se instalar. Ao contrário de outros grupos já fixados, estes grupos de seminômades em busca de terra professavam a fé num único Deus diferente, chamado Deus dos pais; a característica principal dessa divindade é o fato de não ficar localizada num templo, mas acompanhar o movimento dos grupos, como uma espécie de Deus itinerante.

Ao ler a história dos patriarcas deve-se estar atento ao fato de que são historias de grupos diferentes, refletindo situações diferentes, em épocas concretas e diversas. A feição contínua foi dada pelos redatores finais a fim de elaborar uma história contínua para veicular uma teologia.

1. O Ciclo de Abraão: o dinamismo da fé (Gn 12, 1 – 25,18)
De acordo com Vogels (2000, p. 53-54), o texto de Abraão foi escrito, transmitido e preservado como texto religioso, apesar das diversas possibilidades de leitura do texto. No entanto, para leitura da fé, é preciso levar em consideração a presença de uma outra cultura.

Com Abraão começa a história do povo de Deus e desde o início, o patriarca aparece como homem cuja vida é determinada pela fé, que consiste em deixar as seguranças (terras, parentes) e ir para uma terra que ele não conhece. O que motiva esse movimento, conforme afirma Storniolo (1990, p.37), é a promessa de se tornar um grande povo e possuir uma terra “onde corre leite e mel” como propriedade; isso era o anseio do seminômade: terra para todos os rebanhos e descendência para perpetuar o nome e continuar a existência da família. “Todavia, no clima da fé, o horizonte é maior: tornar-se um povo numeroso, portador da bênção e, portanto, de uma vida para toda a humanidade (Gn 12, 1- 4,7)”.

A fé é dinamismo que provoca mudança: o processo de “sair e ir em busca” não marca um simples movimento geográfico, mas transformação da realidade; não qualquer mudança, mas aquela que satisfaz às aspirações legitimas, tanto de Deus como do homem.

1.1.  O Chamado (Gn 12, 1 – 4a)
De acordo com Balancin (2009, p. 48 – 59), este trecho é considerado tradicionalmente texto javista, porém estudos recentes revelam que é provavelmente pós-exílico, o que seria pertencente à tradição sacerdotal. A finalidade deste trecho, portanto, é converter Abraão no antepassado dos exilados que retornam da Babilônia para Israel e legitimar as suas prerrogativas diante daqueles que permanecerem no país. O povo de Israel, ao longo da sua história, sempre buscou em suas tradições novas razoes para viver e esperar.

O chamado de Abraão é marcado por expressões interessantes para serem analisadas: “saia da tua terra”, “vá para terra que eu lhe mostrarei”, “farei de você um grande povo, e o abençoarei”, “abençoarei todos os que abençoarem você”. A saída, a descendência, a terra ; no processo vocacional do povo de Deus é imprescindível a saída (verbo no imperativo), o desinstalar-se, e sem tal ação, não se constrói uma grande nação e nem se tem abertura para o mundo (famílias da terra). O que motiva a desinstalação é a promessa da benção, da descendência e da terra.

A saída/desinstalação não é irracional, ela se dá em busca de uma meta: “sê uma benção, que significa comunicação de vida, vigor, força, fecundidade e paz. E herdar a benção significa entrar numa vida livre e frutífera, sair da escravidão, do esforço vão e da peregrinação sem destino, do temor da morte e superar a incapacidade que os povos têm de agir solidariamente. Diante desse chamado de Abraão, que dá início à formação do povo de Deus, o “programa geral” dos descendentes de Abraão é ser povo de Deus.

1.2. As delimitações (Gn 13, 14 – 17; 15, 1 – 5; 15 - 17)
Algumas delimitações podem ser notadas no processo da promessa: e a descendência? E a terra com largueza? A primeira delimitação encontrada pode ser notada na separação de Abraão e Ló: seriam unidos e se separam, delimitação que provoca conflitos, já que posteriormente se tornarão inimigos.

A segunda delimitação se refere ao território: “eu te darei toda a terra que está vendo”, só que Abraão foi somente até Hebron, onde se estabeleceu, a posse da terra restrita a uma campo. A outra delimitação, esta bem grande, poda na raiz qualquer possibilidade da promessa se realizar – a descendência impossível: Gn 13,15 “tornarei a sua descendência como a poeira da terra: quem puder contar os grãos de poeira da terra poderá contar seus descendentes” e Gn 15,2 “Continuo sem filhos...”, nota-se aqui uma atitude pessimista sobre a concretude da promessa divina.

Conforme Storniolo (1990, p.38-39) , diante da impossibilidade da descendência, em Gn 15-17, observa-se uma crise de Abraão, que tenta criar um meio para que as aspirações profundas se realizem, viabilizando, segundo a visão humana, aquilo que Deus prometeu. Abraão tem um filho com Agar,a escrava de Sara, um subterfúgio legítimo naquele tempo para que a família não ficasse sem descendência.

Todavia, o caminho não é facilitar as coisas. O que parece impossível para a visão humana, não é impossível para Deus (18,14). A fé exige entrega e confiança total, pois o mais intimo das aspirações humanas só pode ser realizado pela graça de Deus. [...] Deus tem seus próprios caminhos.

As crises de fé mostram bem que a origem e a formação do povo de Deus acontecem por meio da impossibilidade humana,tudo para que o homem compreenda a solução divina que ocorre por pura graça do Deus da aliança.

1.3. A promessa se faz realidade (Gn 21, 1 – 7)
O nascimento de Isaac restabelece a concretude da promessa da descendência. Embora esta passagem seja complexa, pode ser de redação final sacerdotal e continuação de Gn 17,21, coloca assim o nascimento de Isaac dentro do contexto da Aliança.

1.4. O futuro em jogo (Gn 22, 1 – 19)
O relato do não-sacrifício de Isaac, que a tradição judaica chama de “O amarramento de Isaac”, talvez tenha sido uma narrativa independente que pretendia mostrar a superação dos sacrifícios humanos dentro da religião israelita, através do resgate de Isaac que é substituído por um cordeiro.
 Em Gn 12,1, Deus havia pedido a Abraão que fizesse uma saída-desintalação para a realização de uma bela promessa; era a ele pedido que deixasse o seu passado; agora o patriarca será colocado por Deus diante da escolha essencial: pede-lhe que entregue em suas mãos o futuro. Abrão se sentia obediente a voz de Deus ao deixar o seu passado, passara pelo paradoxo da esterilidade, e agora Abraão se depara com um novo absurdo que lhe é incompreensível: “Tome seu filho, o seu único filho Isaac, a quem você ama, vá a terra de Moriá e ofereça-o em holocausto, sobre uma montanha que eu vou lhe mostrar”(22,2). A frase vai acentuando a monstruosidade da ação e nos versículos seguintes, 3-8, a preparação para o sacrifício é narrada de forma lenta e angustiante, fazendo o leitor participar do mal-estar de Abraão, que estava tomando uma decisão que contrariava tudo aquilo que o fez “sair’: a desinstalação parecia inútil e seria a promessa irracional?

A narrativa (VV. 9-10) continua lenta: “chega ao lugar... constrói um altar... arruma a lenha... amarra o filho... coloca-o no altar... em cima da lenha... estende a mão... pega a faca...”. No versículo 11 entra em cena um novo personagem: o anjo de Javé (na verdade uma maneira de expressar a presença de Deus de forma indireta, com respeito a sua soberania). Abraão crê e obedece a Deus e ao mostrar sua disposição em renunciar seu único filho, o patriarca recebe-o de volta e uma união mais profunda começa, tanto entre pai e filho como entre o Senhor e seu obediente seguidor.

Ao depositar o seu futuro nas mãos de Deus, obedecendo-o, Abraão reentra no projeto divino, deixando de lado seu próprio projeto, e assim ele não somente não perde o filho, mas recupera a fonte básica para que a promessa se realize. Inicia-se novo ciclo: o de [Isaac e] Jacó. (BALANCIN, 2009, p.55)

Vogels (2000, p. 182) conclui este episódio destacando que o ciclo de Abraão tem como centro promessas divinas, que lhe conferem uma unidade. A promessa da descendência ocupa lugar especial, já que sem ela as outras promessas não teriam significado. Além disso, a promessa de Deus também está relacionada com a benção, de Deus para Abraão e deste para as nações.

**Roberto Bocalete

sábado, 27 de outubro de 2012

Ola catequistas! Continuando nosso estudo do livro das origens, o Gênesis, lembro a todos(as) a importância de estar com texto bíblico na mãos! Não sejam tentados(as) a ler somente o estudo dirigido! No texto, as referências que estão citadas, serão postadas no final do estudo para quem quiser aprofundar o Gênesis! Abraços

LIVRO DO GÊNESIS (III)


3. O pastor e o agricultor (Gn 4, 1 – 16) - Tradição Javista
Caim e Abel são filhos gerados da mulher e representam a relação social segundo o projeto de Deus: fraternidade. Todavia, a autossuficiência, a ambiguidade e o pecado introduz o veneno da rivalidade e da competição que leva até a morte. Neste texto, narra-se a rivalidade do agricultor (Caim) e do pastor (Abel), talvez um resquício da ideia antiga de que Deus preferiria vítimas de animais a frutos da terra. O autor vai ainda mais longe e especifica a diversidade de profissões, demonstrando o ser humano participando da criação, dominando os animais e cultivando a terra.

O “calcanhar do ser humano está ferido” e a relação com o outro continua rompida: a relação conflitiva das primeiras profissões desencadeia na morte de Abel: o que prevalece é a concorrência, a competição, a rivalidade, o progresso negativo. A violência do fratricídio chega a Deus, que ouve o grito do oprimido. Por mais que o agressor queira disfarçar, sente remorsos e anda sempre desconfiado; perdeu-se na arrogância. É a primeira menção na Bíblia de pecado num contexto social.

4.O dilúvio: caos, arca e arco-íris (Gn 6, 1 – 9-17) Tradição Javista e Sacerdotal
A narrativa do dilúvio é importante nestes primeiros onze capítulos do Gn, porque, conforme Schwants (1989, p. 38-44), porque está no centro da história da humanidade. Embora seja evidente que a narrativa do dilúvio tenha sido composta de várias tradições diferentes, é melhor ater-se a composição final realizada na época do Exílio pela tradição sacerdotal.

A narrativa, conforme Storniolo (1990, p. 28-29) inspira-se nas inundações provocadas pelos grandes rios do Oriente Médio antigo; na sua base existe certamente uma enchente catastrófica, que o autor a utiliza com um significado simbólico de volta ao caos primitivo, certamente gerado pela corrupção desenfreada e a autossuficiência, que o escritor vai explicar servindo-se de uma lenda de gigantes lendários tidos como heróis que ao quererem ser deuses, produz uma corrupção do projeto original de Deus.

O dilúvio é um julgamento que se processa dentro das grandes catástrofes históricas, que são revelação de Deus aos homens que não se converteram a seu projeto. Alguns justos sobrevivem: Noé é modelo desse homem que sabe discernir os acontecimentos (6,14-21); é a partir dele que se constrói um mundo novo (8, 8-14) e uma nova história aberta para Deus, para o homem e para o mundo.

Conforme Balancin (2009, p. 41) o assunto principal desse relato continua sendo a descendência, agora de Noé, que gera Sem, Cam e Jafé, os três personagens que são ancestrais míticos de toda a raça humana conhecida. A geração de Noé é toda a humanidade que pela complacência divina e pela justiça de um, terá continuidade. Há uma espécie de paradoxo: a humanidade que se corrompe é a mesma que será salva.
Outro elemento fundamental é a aliança (marcada pelo arco-íris), que mostra a fidelidade contínua de Deus em querer preservar a criação, mas ao mesmo tempo requerendo a fidelidade do seu parceiro, que é o ser humano.

5. A globalização e a torre (Gn 11, 1-9) Tradição Javista
De acordo com Anderson (1977, p. 73): A narrativa da construção de Babel/Babilônia (Gn 11, 1-9) é de importância para uma teologia que considera, por um lado, a nossa comum humanidade de criatura de Deus, por outro, o pluralismo diverso fixado pelo Criador. Ela descreve o conflito entre a vontade humana e a vontade divina, um conflito d forças centrípetas e centrifugas.

Esta narrativa foi reservada para o fim o conjunto bíblico que propõe a sua versão do progresso humano: o homem chega a um estágio de desenvolvimento bastante elevado, construindo cidades através de tecnologias, contudo, a construção da cidade e da torre tem finalidade de fama e fim da dispersão. Os homens constroem para se vangloriar e adquirir fama, ações que demonstram sinais de que a vaidade e o desejo de grandeza tenham sido as grandes motivadoras do progresso. Há também o medo de que a pluralidade e a diversidade produzam o caos, fazendo com que os homens queiram manter controle sobre os outros para se manterem protegido. Dominação? Sim e para isso é fundamental preservar o pensamento único.

Ao escrever tal narrativa, é provável que o escritor esteja se referindo a grande Babilônia e sua ziggurat, isto é, a pretensão do império ou das grandes cidades em querer manter todos sob o seu domínio e seu modo de pensar.

Nos versículos 5-9 há uma ironia: enquanto os homens se esforçam para construir uma torre que suba até o céu, Javé desce para ver a cidade, a torre, como se fosse um ridículo e microscópico formigueiro. O que Javé constata é que o pensamento único se fundamenta não na necessidade de uma comunicação global, mas de fazer dela um meio de domínio global. Deus desce e confunde, ou seja, afirma que a diversidade prevalece em seu projeto: a unidade só é benéfica se preservar a diversidade. A preservação da diversidade étnica vai ajudar o redator a chegar até o final da descendência de Sem: Abraão.

6. Genealogias (Gn 5, 1- 32 [Sacerdotal] / Gn 9, 18 – 27 [Javista]/ Gn 10, 1-32 [Sacerdotal]/ Gn 11, 10 – 32 [?])
Toda a pré-história de Israel, na primeira parte do Gênesis é estruturada dentro do sistema de gerações, ligando a criação ao primeiro homem, a Noé e a Abraão. Além de determinar as relações ente os povos, o sistema genealógico tem a finalidade de colocar no tempo, remontando para trás de geração em geração, toda historia humana. As gerações vão se esparramando para esclarecer a origem dos arameus (22, 20-24), dos ismaelitas (25, 12-17), dos edomitas (36).

No contexto do exílio, os exilados encontram disponíveis os elementos ideológicos e formais para enfrentar o difícil projeto de uma busca de nova escritura do seu passado nacional, que desse sentido e confiança na refundação do próprio Israel. Assim, o sistema genealógico se tornou tema fundamental e estruturante da base teológica do exílio e do pós-exílio: a promessa da descendência ligada à criação pelo Deus único javé, a reestruturação do povo judeu e a manutenção de sua identidade na historia da humanidade.

É da humanidade resgatada por Javé que surgirá, da descendência de Sem, o povo de Israel (11, 10-32). É dentro dessa história que acontece a historia do povo de Deus.

**Roberto Bocalete

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Ola catequistas! Postei mais uma parte do estudo do Gênesis para refletirmos juntos. Vale uma recomendação: é fundamental, juntamente com o texto, ler o texto da Sagrada Escritura! Qualquer estudo bíblico pressupõe contato com o texto! Boa reflexão! Abraços!

LIVRO DO GÊNESIS (II)

Para iniciar o estudo do “livro das gerações”, é fundamental dividi-lo, conforme os acontecimentos mais importantes, para uma compreensão mais clara da obra. A divisão abaixo, como também a direção da pesquisa está baseada no texto do professor Balancin (2009), considerando as demais obras referidas na bibliografia, porém respeitando a estrutura oferecida pelo autor.

A primeira grande divisão do Gênesis é a que faz distinção entre o universo antes e depois do dilúvio (Gn 1-11), denominada História da humanidade e do mundo, articulada em dois grandes momentos distintos: Da criação ao dilúvio (Gn1, 1 – 9,17) e Do dilúvio a Abraão (Gn 9, 18 – 11,32) com suas subdivisões. A segunda divisão, a História patriarcal e a história de José (Gn 12-50), destaca os antepassados de Israel, centralizando a reflexão não mais no universo, mas num povo e numa terra. A segunda parte será dividida em três grandes ciclos: o Ciclo de Abraão (Gn 12, 1 – 25,18), o Ciclo de Isaac e de Jacó (Gn 25,19 - 37-1), e a história de José (Gn 37,2 – 50,26); estes ciclos apresentam uma trama, uma atmosfera, o cenário geográfico diferente de um para o outro.

A) A ORIGEM DO MUNDO E DA HUMANIDADE (Gn 1-11)
 Os onze primeiros capítulos do Gênesis preocupam-se com a raiz dos mistérios da vida, um desdobrar-se sobre a situação da humanidade e do mundo, colocando perguntas, mais do que dando respostas de validez universal.

Para Rendtorff (2002, p. 89-99), Gênesis 1-11 é composto de duas tradições principais: a chamada Javista e a Sacerdotal. Aí aparecem tradições antigas populares, sapienciais e sacerdotais, que foram recolhidas, elaboradas e costuradas pelos redatores numa sequência mais ou menos lógica, conservando características de cada tradição. Há no texto, gêneros literários diferentes que precisam ser levados em conta para que os textos possam ser interpretados com exatidão.

1.A Criação (Gn 1, 1 – 2,25)
1.1. Primeira narrativa da Criação (Gn 1, 1 – 2, 4a ) – Tradição Sacerdotal
Para Schwantes (apud BALANCIN, 2009, p.17) este capítulo de Gênesis tem jeito de narração, mas é profundamente poético; é um texto litúrgico para animar a comunidade reunida. Não foi pensado para ser debatido em Academias de ciências.

A primeira narrativa da criação, de tradição sacerdotal, foi escrita durante o Exílio da Babilônia (597-538 a.C.) por um grupo de sacerdotes deportados que escreveram tal narrativa para preservar a identidade do povo, os costumes e os hábitos, destacando a grandiosidade de Deus e a necessidade de fidelidade ao seu projeto: é reação ao exílio e importante iniciativa para digerir a catástrofe em termos teológicos.

Algumas considerações sobre a estrutura do texto são importantes: “No princípio, criou Deus o céu e a terra” (1,1), marca uma conotação temporal relativa e não absoluta; o número 7 tem significado importante na narrativa (Deus que age seis dias e descansa no sétimo); há refrões no texto, que são repetições importantes (“Houve uma tarde e uma manhã”; “Deus viu que era bom”) e a conclusão deixa clara que esse é a história [genealogia, gerações] do céu e da terra.

O relato bíblico inicia-se assim: “no princípio Deus criou...”; mais do que criar, o texto destaca a ação de Deus que plasma, forma o universo, separa e põe ordem no caos. A estruturação em sete dias destaca o caráter divino do descanso no sábado.

Toda origem do universo é estruturada no esquema da semana: a criação procede gradativamente e em clima crescente, até chegar ao homem no sexto dia. O principal de tudo é o sétimo dia ou sábado, quando terminada toda a criação, Deus descansou de todo o seu trabalho. Dessa forma, a observância do sábado como lei divina se torna o aspecto que distingue os judeus dos outros povos: o sábado é o dia divino, porque ele marca o término da criação e o descanso de Deus, que é cultuado pelo homem. (STORNIOLO, 1990, p.13)

A afirmação central de que Deus criou todos os seres tem consequências interessantes: a concepção de Deus é ampliada e ele assume o senhorio do universo, acima dos outros deuses das demais nações; Deus como criador universal des-diviniza a natureza com seus seres e forças, dessa forma, toda a natureza é apresentada como criatura de Deus, libertando o homem de uma submissão religiosa diante das coisas.

Gn 1, 26-27: “Então Deus disse: ‘façamos o homem  a nossa imagem e semelhança. Que ele domine os peixes do mar...’”. O termo homem indica ser humano, é um coletivo; “imagem e semelhança” quer destacar que o ser humano é livre, com vontade própria, inteligência. A imagem e semelhança é especificada em dois trechos: “criou-os homem e mulher” e “que ele domine”, que demonstra o ser humano como obra prima de Deus, acima de todas as criaturas, para dominá-las, não fazendo aquilo que bem entende, mas como “cuidador” da obra divina, como continuador do processo.

“Criou-os homem e mulher”: este pequeno texto é a marca da capacidade humana de gerar, de fazer descendência, de manter-se na historia: “sejam fecundos, multipliquem-se, encham e submetam a terra, dominem...”.

A tradição Sacerdotal ainda destaca o caráter da benção, palavra ousada e poderosa, que afirma a ação contínua de Deus, mesmo na alienação do exílio. A benção assume uma característica de esperança para aquele momento e os verbos sejam fecundos, multipliquem-se, encham a terra, dominem, destacam a não esterilidade, a não mais falta de descendência, ao não mais despovoamento, a não mais escravidão. A benção esta ligada aos temas da descendência, da fertilidade, da libertação, da prosperidade e da promessa de uma terra: era tudo o que os exilados esperavam.

1.2. Segunda Narrativa da Criação (Gn 2, 4b – 25)  - Tradição Javista
Embora colocada depois, esta segunda narrativa da criação é anterior à primeira: foi redigida provavelmente no tempo de Salomão (971-931 a.C.), pela tradição javista, e reflete outra concepção de criação: o centro da criação é a humanidade (“Javé Deus não tinha feito chover sobre a terra e não havia homem que cultivasse o solo”) e o foco de interesse é a fertilidade do solo, uma preocupação do agricultor já instalado numa porção de terra ou do seminômade, aquele que procura terra fértil para cultivar e aí se instalar.

De acordo com Storniolo o homem tem a função de colaborador de Deus na “tarefa de fazer a terra produzir e alimentar a vida. Deus criou a terra e a água que fertiliza; mas o homem que deve criar as condições para que o solo se torne fértil e produza o que é necessário” (1990, p. 16).

A criação do homem está ligada a fecundidade da terra, pois ele surge da argila para cultivar o solo, estabelecendo relação com a terra. A relação com Deus se dá no sopro da vida insuflado nas narinas do homem, deixando claro que só a Deus compete o poder da vida, e não a governantes ditadores, como acontecia na época. Na relação com os animais, o homem é responsável por dar nomes, expressão de superioridade acompanhada de zelo e cuidado. Na relação com a mulher, sua auxiliar, conforme o Talmud, o homem estabelece relação de companheirismo, já que a mulher foi tirada de seu lado (costela), não de poder ou submissão.

Outro relato dentro do trecho da criação é o do Jardim do Édem (vers. 8-17). O paraíso é o jardim do rei, onde havia plantas, animais e abundância de água; um jardim fechado, símbolo de uma condição existencial marcada por sentimentos contrapostos de inclusão/exclusão, proteção/ exposição, repouso/fadiga. No jardim é tudo fácil e espontâneo, fora dele, tudo é difícil e cansativo, o espaço aberto se torna produtivo somente depois de muito trabalho.

2. A serpente, o homem e a mulher (Gn 3, 1-24) -  Tradição Javista
O capítulo 3 tem forte ligação com o anterior (homem e mulher nus, a serpente estava no jardim, Deus passeando no jardim – antropomorfismo) e procura mostrar que na base do ser humano, tanto individual como social, existe uma ambiguidade que escapa a uma plena compreensão.

A serpente tornou-se símbolo de muitas coisas boas e ruins: pode ser associada a divindades da fertilidade (deusa cananeia da fertilidade tem a serpente enrolada em si), ser símbolo de saúde (símbolo da medicina), pode ser sinal de proteção (guardiã da Babilônia), ainda pode ser identificada com o mostro do caos, ser  símbolo maléfico ou demoníaco conforme a mitologia da Mesopotâmia, Pérsia, Grécia, Egito e Roma.  As interpretações são diversas: para Schwants o simbolismo de Gn 3 vem do mundo cultural e religioso egípcio e aqui representaria idolatria, principalmente no tempo de Salomão, quando outras divindades eram promovidas a fim de favorecer as relações políticas internacionais. Para Mesters houve um deslizamento do simbolismo inicial da serpente de ser figura da religião cananeia para ser símbolo do mal. Van Rad dá a entender que a serpente indica algo de fora, a tentação. Geshé é explicito sobre a exterioridade do mal. Storniolo e Balancin afirmam ser a serpente o resumo da pretensão de um discernimento que leva o homem a autossuficiência, pretendendo ocupar o lugar de Deus.

Da árvore do meio do jardim, do conhecimento do bem e do mal, há uma proibição para que não se coma seu fruto. Comer desse fruto causaria o discernimento absoluto, plenitude prerrogativa de Deus: a autossuficiência ética seria o grande problema humano, decidir por si mesmo o que é bom ou ruim para a humanidade. A tentação é grande e o fruto é bom para o apetite: aqui não é a serpente que é venenosa, mas o fruto sedutor que está cheio de veneno e mata. Ao querer ser dono absoluto da vida, o ser humano acaba correndo em direção à morte.

A queda deu-se no momento em que comeram do fruto e a consequência de tal ato foi percebida no olhar exterior do estar nu, somado a rupturas diversas; o mal já está introjetado dentro deles e ao invés de tornarem-se deuses, percebem-se nus. O homem precisa agora assumir a responsabilidade de seus próprios atos. As rupturas marcam todas as relações humanas: a primeira é com Deus e o homem quer fugir de sua responsabilidade “tive medo, porque estou nu e me escondi”; a ruptura com Deus desemboca na ruptura com os outros “a mulher que me deste por companheira deu-me o fruto e eu comi”: a relação homem-mulher é desmantelada pelo patriarcalismo “a paixão vai arrastar você para o marido, e ele a dominará”. Outra ruptura é a ecológica e o homem é expulso do jardim: a natureza se revolta e não se torna somente causa de doenças e fadigas, mas até mesmo destruição total. A maior ruptura é a produção da morte, o humano transformado em ser-para- morte.

O pecado, portanto, é ruptura. [...] A humanidade terá que aprender a superar a auto-suficiência para sanar essa ruptura, a fim de chegar novamente a vida em plenitude. Isso é mostrado na ultima página da Bíblia, onde vemos a Jerusalém celeste com as árvores da vida em sua praça, ao alcance de todos (Ap 21, 1 – 22,5). Até lá, porém, há um longo caminho histórico a fazer, reaprendendo a relacionar-se novamente com Deus, consigo mesmo e com o outro. (STORNIOLO, 1990, p. 23)

* Roberto Bocalete

quinta-feira, 25 de outubro de 2012


Ola catequistas! Pensando numa forma de colaborar com o estudo e o aprofundamento da Bíblia, vou postar em partes um estudo dirigido do Livro do Gênesis. Valeria a pena acompanhar e estudar! Abraços

O LIVRO DO GÊNESIS (I)

INTRODUÇÃO
 Gênesis é uma palavra grega que significa nascimento, origem, baseada no bereshit hebraico, que quer dizer geração. O primeiro livro da Bíblia foi assim chamado porque nele encontram-se as narrativas sobre a origem do mundo, da humanidade e do Povo de Deus. O livro do Gênesis, um dos cinco “rolos” do Pentateuco, tem sua estrutura fundamentada, portanto, nas gerações, na descendência, no nascimento, na história de um povo. 

 O sentido de história do livro concentra-se nas reflexões do povo sobre suas origens e a origem das coisas: o povo que mantém um olho na realidade presente e outro no passado. Mesmo não sendo história propriamente dita, de acordo com Balancin e Storniolo (1990) devemos dizer que “seu conteúdo é muito mais profundo, pois busca analisar o que acontece no mais profundo da história e da vida”. O texto procura apontar os alicerces e estruturas fundamentais dos acontecimentos e realidades que se desenrolam em todo o tempo e lugar.

Estrutura do livro, conforme Balancin (2009) pode ser dividida em duas grandes partes: a primeira, formada pelos capítulos 1 a 11, relata a história da humanidade e do universo, da vida e do processo da ambiguidade humana; a segunda, formada pelos capítulos de 12-50, narra a história dos patriarcas, a saga de José, as raízes distantes e obscuras da história do povo de Deus.

Não se pode deixar de constatar que o livro do Gênesis tem o aspecto de uma verdadeira “colcha de retalhos”, formado por lendas, mitos, historinhas pouco desenvolvidas, genealogias – materiais diferentes que foram alinhavados, sofreram ainda influências das histórias de outros povos, adaptadas, algumas vezes duplicadas, com contestações e incoerências. Com acréscimos e recortes, o primeiro livro da Bíblia levou quase mil anos para chegar à forma que hoje é conhecida.

Em sua composição, pode-se apontar três momentos importantes: o tempo do rei Salomão (971-931 a.C.), o período entre 800-700 a.C., e o período do Exílio da Babilônia e do pós-exílio (586-400 a,C.). Nesses três períodos as tradições antigas foram recolhidas e costuradas segundo um determinado fio condutor que, em cada um desses momentos, visava salientar uma determinada compreensão religiosa e política vigentes nessas épocas.

“Conhecer as raízes da humanidade e as raízes do povo de Deus é tarefa importante, pois também nós somos seres humanos e também pertencemos ao povo de Deus. Isso nos possibilitará continuar construindo essa história” (STORNIOLO e BALANCIN, Como ler o livro do Gênises 1990, p. 9)

** Roberto Bocalete

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Ola amados e amadas catequistas! Padre Lima nos enviou um rascunho do que será a mensagem do Sínodo da Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã e achei por bem partilhar com todos. Boa leitura! Boa reflexão! Abraços

SÍNODO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO

DIÁLOGO DE JESUS COM A SAMARITANA: EXEMPLO DE EVANGELIZAÇÃO
Um primeiro rascunho da grande Mensagem do Sínodo
Texto enviado pelo pe Luiz Alves de Lima,sdb
 
Na sessão da manhã de hoje, foi apresentada à Assembleia, um primeiro rascunho da Mensagem do Sínodo. Dom José Betori, arcebispo de Florença e presidente da Comissão de Redação, começou dizendo que é um texto para transmitir imediatamente uma mensagem a todo o povo de Deus; é um olhar orgânico sobre os grandes do Sínodo temas com muita transparência. A mensagem não é dirigida tanto àqueles que devem ser evangelizados, mas às comunidades cristãs que, se supõe, devem ser evangelizadoras. Trata-se de uma parenese (exortação) muito cálida, um encorajamento e um elogio ao trabalho evangelizador já realizado.

 A Mensagem é bastante longa, pois precisa nomear muita gente, e o tema do Sínodo é vasto. O texto é bíblico, perpassado pelo ícone de Jesus junto ao poço de Jacó evangelizando a samaritana. A linguagem é fácil, incisiva e bem figurada.  Ao final da leitura de uns 45 minutos, um longuíssimo aplauso (mais do que o jovem Tommaso ontem...), indicou a aprovação maciça da Assembleia. Teve início uma rodada de observações; falaram 12 bispos, mas haveria ainda 36 inscritas e foram são exortadas a enviarem por escrito suas observações. Como sempre acontece, há contradições nas observações, pois todo muito diz que é longa de mais, mas não há quem não peça para inserir isso ou aquilo...

 Como o conteúdo é muito extenso, dividido em 14 pontos, irei apresentá-los em dois momentos. Hoje vai uma síntese dos 7 primeiros números e segunda feira mais 7. O conteúdo essencial está presente, embora de forma abreviada.

Introdução: antes de retornar às nossas dioceses, queremos nos dirigir aos fieis do mundo inteiro para apoiar e orientar o serviço ao Evangelho nos diversos contextos onde hoje se encontram.

1. Deixamo-nos iluminar pelo encontro de Jesus com a Samaritana; não há mulher ou homem que não se encontre ao lado de um poço com um jarro vazio esperando encontrar respostas a seus problemas. Hoje há muitos poços, mas a água nem sempre é boa... está poluída! Só Jesus é capaz de ler no fundo do nosso coração e revelar nossa verdade. Então como a samaritana, tornamo-nos anunciadores da salvação.

2. Por toda parte se sente a necessidade de reavivar a fé que corre o risco de obscurecer-se diante de tantas dificuldades. Essa é a nova evangelização (NE). Não se trata de começar tudo de novo, mas de colocar-se no caminho do anúncio do Evangelho que atravessou toda história e edificou a comunidade dos fiéis por todas as partes, fruto de tantos missionários e não poucos mártires. Os tempos atuais nos conclamam para algo de novo: viver de uma forma renovada nossa experiência comunitária de fé e de anúncio através de uma evangelização "nova no seu ardor, métodos e expressões". Bento XVI nos recordou que ela tem em vista principalmente as pessoas que, embora batizadas, afastaram-se da Igreja, para que redescubram a fé, fonte de graça e esperança. Estamos conscientes do enfraquecimento da fé de muitos batizados. Queremos enfrentar o problema que os tempos geram nas formas tradicionais de transmissão da fé.

3. Queremos, de saída, afirmar nossa convicção: a fé depende inteiramente da relação que estabelecemos com a pessoa de Jesus. A NE consiste em repropor ao coração e à mente, muitas vezes distraídos, a beleza e a novidade perene do encontro com Cristo. Convidamos todos a contemplar o rosto do Senhor Jesus, entrar no mistério de sua existência, doada por nós até à cruz e confirmada com o sua Ressurreição. Em sua Pessoa se revela todo o amor do Pai por nós. A Igreja é o espaço que Ele nos oferece para encontrá-Lo, já que lhe confiou sua Palavra, o Batismo, seu Corpo e Sangue, a graça do perdão, a experiência de uma comunhão que é reflexo do mistério da SS. Trindade e a força do Espírito que gera o amor para com todos. Compete a nós hoje possibilitar experiências de Igreja, multiplicar os poços para convidar homens e mulheres a saciar sua sede no encontro com Jesus. As comunidades cristãs são responsáveis por isso e, nelas, todo discípulo do Senhor: a cada um é confiado um testemunho insubstituível, para que o Evangelho possa chegar a todos. Essa é nossa tarefa na NE: ser para os outros a beirada de um poço acolhedor, no qual as pessoas possam encontrar Jesus.
  
4. Não se trata de inventar estratégias, como se o Evangelho fosse um produto a ser vendido no mercado das religiões. Devemos, sim, descobrir os modos pelos quais, na aventura de Jesus, as pessoas se aproximaram dEle e por Ele foram chamadas. Como poderemos fazer o mesmo? Sem dúvida a mídia é uma estrada na qual se entrecruzam tantas vidas, questionamentos, dúvidas e busca de respostas. Lembremo-nos: André, Pedro, Tiago e João foram questionados por Jesus no trabalho do dia a dia; Zaqueu passou da simples curiosidade ao entusiasmo de partilhar a mesa com Jesus; o Centurião pediu um milagre por ocasião da doença de uma pessoa querida; o cego de nascença o invocou como libertador de sua marginalidade; Marta e Maria o receberam em casa e no coração... Percorrendo as páginas do Evangelho encontraremos diferentes modos pelos quais a vida das pessoas se abriram para a presença de Jesus. Encontramos a mesma coisa nas experiências missionárias dos apóstolos nos inícios da Igreja. A leitura frequente da Bíblia à luz da Tradição ajuda a descobrir espaços de encontro com Ele, modalidades verdadeiramente evangélicas, enraizadas nas profundas necessidades humanas: a família, o trabalho, a amizade, a pobreza, as provações da vida, etc.

5. Ai de nós pensar que a NE não nos toca pessoalmente... a Igreja, antes de evangelizar o mundo, deve evangelizar-se a si mesma. Revigorar a fé é antes de tudo trabalho de vida interior de cada fiel e da vida interna da Igreja. O convite para evangelizar se traduz num apelo à conversão. Precisamos de conversão: reconhecemos, com humildade que a pobreza e fraquezas dos discípulos de Jesus, especialmente de seus ministros, pesam demais na credibilidade da missão. Sabemos que não estamos à altura da missão de levar o anúncio de Jesus a todos os povos; somos vulneráveis, cheios de feridas... Mas estamos convictos de que a força do Espírito do Senhor pode renovar sua Igreja e tornar resplandecente suas vestes, se deixarmo-nos plasmar por ele. O propósito da conversão nos envolve profundamente. Se tal propósito dependesse de nossas forças, pouco alcançaríamos. Mas a conversão, assim como a Evangelização, não depende de nós, mas do mesmo Espírito do Senhor. Aqui está nossa força e a certeza de que o mal não terá a última palavra, nem na Igreja, nem na história. Confiamos na inspiração e força do Espírito, que nos ensinará o que deveremos dizer e fazer, mesmo nas circunstâncias mais difíceis. É nosso dever, pois, vencer o medo com a fé, o aviltamento com a esperança e a indiferença com o amor.
  
6. Essa coragem serena ilumina também nosso olhar sobre o mundo contemporâneo. Não temos medo dos tempos que vivemos. Nosso mundo está cheio de incongruências e desafios, porém permanece como criação de Deus, ferida pelo mal, mas também terreno no qual a boa semente pode germinar. Não há lugar para o pessimismo no coração daqueles cujo Senhor venceu a morte e nos quais o Espírito Santo opera com potência. Assim, com coragem e decisão olhamos para o mundo, sentindo o chamado de Jesus para aí sermos suas testemunhas. A globalização é uma oportunidade para dilatar mais a presença do Evangelho no mundo; as migrações são ocasião de difusão da fé e de comunhão entre culturas diferentes. A mesma secularização, reduzindo o espaço da Igreja na sociedade, pode ser uma prova dolorosa, mas também proporciona nova liberdade para propor o Evangelho, sem recuar nossa presença na Sociedade. As novas formas de pobreza aumentam os espaços para o serviço da caridade. No próprio ateísmo agressivo e inquieto agnosticismo podemos entrever, não um vazio, mas a saudade, uma expectativa de que alguém possa dar uma resposta adequada. Diante disso e dos questionamentos que as culturas dominantes colocam à fé cristã, renovamos nossa confiança de que o Evangelho também para eles possa ser luz e força do homem. A NE não é obra nossa: a iniciativa e ação primeira vem de Deus; somente inserindo-nos nessa iniciativa divina e invocando-a, poderemos - com Ele e nEle - ser evangelizadores. Essa verdade gera, naturalmente, em nós a responsabilidade; mas não podemos nos deixar abater.

7. Desde a primeira evangelização e no suceder das gerações, a transmissão da fé sempre foi nas famílias. Nelas, sobretudo pela ação das mulheres, os sinais da fé, a comunicação das primeiras verdades, a educação à oração, o testemunho dos frutos do amor foram introduzidos na existência das crianças. O Sínodo, constatando em todas as culturas e latitudes a importância da família, reafirma seu papel essencial na transmissão da fé. Não se pode pensar em NE sem a responsabilidade indispensável da família no anúncio do Evangelho e sua missão educativa. Não ignoramos que a família, constituída no matrimônio por homem e mulher, atravessa crises assustadoras. Justamente por isso devemos cuidar da família e sua missão na sociedade e na Igreja. Ao mesmo tempo, expressamos nossa gratidão a tantos esposos e famílias cristãs que dão testemunho de comunhão e serviço, sementes de uma sociedade mais fraterna e pacificada. Não ignoramos situações em que a família não reflete aquela imagem de unidade e amor por toda vida, como o Senhor nos ensinou. Há casais que convivem sem a bênção divina e humana, multiplicam-se casais de segunda união, cujas consequências os filhos padecem. Queremos lhes dizer que o amor de Deus não os abandona, que a Igreja é Casa acolhedora para todos e que a comunhão eclesial não lhes é negada, mesmo se não podem partilhar a Eucaristia e que não faltam meios para continuarem membros vivos e atuantes da Igreja. Jesus não se apresenta à samaritana como aquele que somente dá a vida, mas a vida eterna. O dom da fé não é somente para esse mundo, porém uma promessa de que o sentido último de nossa vida vai para além desse mundo, na comunhão plena com Deus que esperamos após a morte. Desta vida futura são testemunhas particulares os chamados à vida consagrada, pois vivendo na pobreza, castidade e obediência, apontam para um mundo futuro que relativiza os bens daqui da terra. O Sínodo reconhece e agradece-lhes a grande contribuição que dão à missão da Igreja e convida-os para que sejam testemunhas e promotores da NE nos vários ambientes de vida nos quais vivem o próprio carisma.

08 - A evangelização não é tarefa de alguns; se a família é seu primeiro contexto e a vida consagrada é sinal de seu fim último, no meio se coloca a ação da comunidade eclesial onde se encontram a Palavra, os sacramentos, a comunhão fraterno, o serviço da caridade e a missão. Na paróquia, presença territorial da Igreja, as pessoas podem encontrar o Evangelho. Hoje se requer que sejam articuladas em pequenas comunidades e seu cuidado pastoral exige novas formas de presença missionária. Nela o sacerdote, pai e pastor, possui papel decisivo. O Sínodo expressa gratidão e proximidade fraterna a tantos presbíteros que se dedicam com zelo a esse ministério, e pedem que o exerçam em estreita ligação com o presbitério diocesano, com uma intensa vida espiritual e formação permanente que os qualifique sempre mais. Ao lado dos presbíteros estejam os diáconos, outros ministérios a serviço do anúncio, da catequese, da liturgia, da caridade e tantas outras formas de participação e corresponsabilidade por parte dos fieis, homens e mulheres. Todos devem se colocar na perspectiva da NE. Quanto aos leigos, apoiamos as formas tradicionais e novas de associação, movimentos e outras expressões da  riqueza de dons e carismas que o Espírito Santo enriquece sua Igreja. A todos exortamos à fidelidade, ao testemunho, à incansável dedicação ao Evangelho e à comunhão eclesial. Queremos nos unir também aos cristãos com os quais a unidade infelizmente ainda não é perfeita, mas que são marcados pelo Batismo do Senhor, do qual também são anunciadores. Alguns deles estiveram em nosso meio, testemunhando sua sede de Jesus Cristo e paixão pelo anúncio do Evangelho.

9. No nosso coração nos interrogamos, preocupados mas não pessimistas, sobre o presente e o futuro das novas gerações: nelas está o futuro da humanidade e da Igreja. Preocupados, porque são atingidos mais diretamente pelas agressões de nosso tempo; otimistas, porque quem move a história é Cristo e porque entrevemos na juventude as aspirações mais profundas de autenticidade, verdade, liberdade e generosidade, para as quais a resposta é o próprio Jesus. Queremos sustentá-los nessa procura; encorajamos nossas comunidades para que ouçam, dialoguem e façam propostas diante da difícil condição juvenil para estimularem e não reprimirem seu entusiasmo. É preciso combater as especulações interessadas em dissipar suas energias lançando-os num consumismo alienante. A NE tem nos jovens um campo de grande responsabilidade e promissoras esperanças, como mostram a Jornada Mundial da Juventude e várias formas de serviço e missionariedade.

10. A NE se concentra em Cristo e na pessoa humana para facilitar o encontro entre ambos. Mas ela não se reduz a isso: quer também dialogar com a cultura, para nelas encontrar "as sementes do Verbo". A NE busca uma renovada aliança entre fé e razão, na convicção de que a fé possui riquezas que podem fecundar a razão aberta à transcendência, sanando os limites e contradições nas quais pode cair a razão. É nisto que se fundamenta o esforço das comunidades cristãs que se ocupam da educação e cultura, sobretudo nas escolas e universidades. O Evangelho é um precioso manancial para as culturas. Daí o cuidado especial pelas escolas e universidades católicas: nelas, a abertura ao transcendente, própria de todo itinerário cultural e educativo, deve propor o encontro com o acontecimento Jesus Cristo e sua Igreja. Somos gratos a quantos, às vezes com enormes dificuldades, labutam nesse campo pedagógico. O encontro entre fé e razão se dá também no diálogo com o saber científico, que não pode estar longe da fé; ela é uma manifestação daquele princípio espiritual que Deus colocou em suas criaturas para desvendar as estruturas racionais, base da criação. Quando ciência e técnica não se fecham numa concepção materialista do homem e do mundo, tornam-se um precioso aliado para a humanização da vida. Nosso agradecimento também aos artistas em suas várias formas: se de um lado expressam a beleza, por outro manifestam a espiritualidade humana; a arte torna evidente a beleza de Deus retratada em suas criaturas. Aliás, todo o mundo do trabalho é um espaço de cooperação com a criação divina. À luz do Evangelho, lembramos ao mundo da economia e do trabalho, que a pessoa humana deve estar no centro de suas preocupações. Enfim, com relação às religiões, são destinatárias naturais de nosso diálogo: o Evangelho de Jesus é paz e alegria; seus discípulos reconhecem tudo o que há de verdadeiro e bom nas religiões. Evangelizamos porque estamos convictos da verdade de Cristo e não porque somos contra alguém. O diálogo religioso quer ser um contributo para a paz, rejeição a todo fundamentalismo e denúncia da violência que se abate sobre os crentes. Os cristãos vivem a perseguição como participação no mistério da cruz e sabem que do sangue dos mártires nascem novos cristãos. Ao mesmo tempo em que toda a Igreja reza e sofre com os perseguidos, por outro conclama aos que detêm o poder, que salvaguardem a liberdade religiosa e a livre profissão e testemunho da fé.

11. Diante dos desafios da NE às vezes nos sentimos perdidos e sem referências. Bento XVI fala em "desertificação espiritual" que grassa no mundo; mas nos estimula a descobrir a alegria de crer, a partir desse vazio e experiência de deserto: aí nos voltamos àquilo que é essencial para viver. No deserto, como a samaritana, se vai em busca de água e de um poço... bendito aquele que aí encontra Cristo! O Ano da Fé é uma preciosa entrada na NE. Ele está ligado aos 50 anos do Vaticano II, cujo magistério fundamental resplandece no Catecismo da Igreja Católica. São referências seguras da fé.

12. Na contemplação do mistério, junto aos pobres. Queremos agora indicar duas expressões da vida de fé relevantes para testemunhá-la na NE. São dois símbolos que mostram nossa vontade de trilharmos hoje um caminho de regeneração da vida cristã. 1) O primeiro é o dom da contemplação do Mistério de Deus Pai, Filho e Espírito Sano: é daí que surgirá um testemunho crível para o mundo; esse silêncio contemplativo impedirá que a palavra da salvação seja confundida por tantos outros rumores. Somos gratos a quantos, em mosteiros e eremitérios, dedicam sua vida à oração e contemplação. Precisamos também de momentos contemplativos em nossa vida do dia a dia e de lugares que evocam a presença de Deus (santuários interiores e templos de pedra) onde todos possam ser acolhidos. 2) O rosto do pobre: colocar-se ao lado deles não é somente ação social, mas sobretudo espiritual, pois neles resplandece o rosto do Salvador. A Igreja oferece o encontro com Cristo no ensino da verdade, na eucaristia, oração, comunhão fraterna e também no serviço da caridade. Devem ter um lugar especial em nossas comunidades: sua presença é misteriosamente poderosa para mostrar Cristo Jesus. A caridade deve ser acompanhada pela luta por justiça. Daí ser parte da NE a Doutrina Social da Igreja.

13. Nosso olhar quer envolver todas as comunidades religiosas dispersas pelo mundo, um olhar unitário, pois única é a chamada ao encontro com Cristo, sem esquecer as diversidades. Em primeiro lugar olhamos para as antigas Igrejas do Oriente, herdeiras da primeira difusão do Evangelho, cuja experiência guardam zelosamente: ela ensina que a NE é feita de vida litúrgica, catequese, oração familiar, jejum, solidariedade entre as famílias, participação dos leigos na vida da comunidade e diálogo com a sociedade. Muitas dessas Igrejas vivem no meio de tribulações testemunhando a Cruz de Cristo; alguns fiéis são forçados à emigração e levam a NE aos países que os acolhem. Que o Senhor abençoe essa fidelidade e lhes traga tempos de paz. Aos cristãos que vivem na África agradecemos o testemunho de vivência do Evangelho, muitas vezes em situações inumanas; exortamos a relançarem a evangelização recebida em tempos ainda recentes, a preservarem a identidade familiar, a sustentarem o trabalho dos sacerdotes e catequistas sobretudo nas pequenas comunidades e a continuarem o esforço de inculturação. Aos políticos fazemos um forte apelo pela promoção dos direitos humanos fundamentais e a libertação da violência ainda presente nesse continente. Convidamos os cristãos da América do Norte a responderem com alegria à convocação por uma NE enquanto admiramos os frutos generosos de fé, caridade e missão de suas jovens comunidades; mas reconhecemos que muitas expressões culturais norte-americanas estão longe do Evangelho; impõe-se um convite à conversão, para que, de dentro dessa cultura, os fiéis ofereçam a todos a luz da fé e a força da vida. Continuem a  acolher com generosidade imigrantes e refugiados e abram as portas da cultura à fé. Sejam solidários com os latino-americanos na permanente evangelização comum de todo continente. À América Latina e Caribe vai também o mesmo sentimento de gratidão; chama nossa atenção a riqueza de religiosidade popular desse continente. Os desafios da pobreza, violência, pluralismo religioso reforçam nossa exortação para o estado de missão permanente, anunciando o Evangelho com esperança e alegria, formando comunidades de discípulos missionários de Jesus, mostrando como seu Evangelho é fonte de uma nova sociedade justa e fraterna. Queremos encorajar os cristãos da Ásia, continente que possui dois terços da população mundial; que a pequena minoria cristã seja semente fecunda germinada pelo Espírito Santo e cresça no diálogo com as diversas culturas; às vezes marginalizada ou envolta em perseguições a Igreja na Ásia é uma presença preciosa do Evangelho. Sintam a fraternidade e vizinhança dos outros países do mundo que não podem esquecer as origens asiáticas de Jesus: aí ele nasceu, viveu, morreu e ressuscitou. Reconhecimento e esperança são nossos sentimentos também pela Europa, hoje marcada em parte por uma forte secularização, às vezes agressiva e ferida por longos decênios de poder comunista. Tal reconhecimento é pelo passado e pelo presente: de fato a Europa criou experiências de fé, muitas vezes transbordantes de santidade, decisivas para a evangelização do mundo inteiro: rico pensamento teológico, expressões carismáticas variadas, formas inúmeras de serviço caritativo, experiências contemplativas, cultura humanista que contribuiu para a dignidade humana e construção do bem comum. Que as dificuldades do presente sejam vistas como oportunidades para um anúncio mais alegre e vivo do Evangelho. Saudamos, por fim, os povos da Oceania que vivem sob o signo do Cruzeiro do Sul e agradecemos seu testemunho de fé. Como a samaritana, ouçam também o apelo de Jesus: "Se conhecêsseis o dom de Deus...". Empenhem-se em pregar o Evangelho e tornar Cristo conhecido hoje no mundo.

14. Ao final dessa experiência de comunhão de Bispos do mundo inteiro colaborando com o Sucessor de Pedro, sentimos a atualidade do mandato de Jesus: "Ide e fazei discípulos todos os povos. Eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo". Não se trata só de missão geográfica, mas de chegar aos corações de nossos contemporâneos para levá-los ao encontro com Cristo, vivo e presente em nossas comunidades. Essa presença nos enche de alegria e nos faz cantar: "A minha alma engrandece o Senhor... Ele fez por mim maravilhas". Fazemos nossas as palavras de Maria: ao longo dos séculos Ele fez grandes coisas pela sua Igreja e nós o glorificamos, certos de que não deixará de olhar nossa pequenez para mostrar a potência de seu braço, também em nossos dias e sustentar-nos no caminho da NE. Que Maria nos oriente no caminho, às vezes parecido com o deserto; mas levaremos o essencial: a companhia de Jesus, a verdade de sua palavra, o pão eucarístico que nos nutre, a fraternidade da comunhão eclesial, o impulso da caridade. Nas noites do deserto as estrelas são mais luminosas: assim no céu de nosso caminho resplandece, com vigor, a luz de Maria, Estrela da NE a quem nós, confiantes, nos entregamos.