sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013


O ANO DA FÉ COMO PORTA QUE INTRODUZ NA COMUNHÃO COM DEUS
Por Clóvis Aparecido Damião

INTRODUÇÃO
O papa João Paulo II, no início de sua Encíclica Fides et Ratio, afirma que “a fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”, ressaltando com isso que a necessidade de cultivar a fé se fundamenta na busca da verdade. O grande desejo do ser humano é a realização e a felicidade. Esses dois elementos estão presentes nos sonhos e projetos de todas as pessoas, claramente visíveis em nosso tempo. Da busca de sua realização, em nossa época, muitos passam a viver experiências religiosas as mais diversas, que na sua percepção oferecem soluções para seus problemas e inquietações. Entretanto, nem sempre a verdade é o objetivo principal desses grupos religiosos. A busca de sentido para a vida e de transcendência também muitas vezes se reduz à ilusão do consumismo, do poder, do prazer e de coisas materiais, que, transformados em absoluto, tendem a produzir frustração, dentre outros problemas. A cada dia também cresce o número de pessoas que se declaram sem religião e que vivem sua religiosidade ao seu modo.

Por isso, torna-se ainda mais atual o tema da fé cristã para uma reflexão que desperte a consciência do itinerário de fé desejado por Cristo, que é a própria Verdade, o Caminho e Vida (cf. Jo 10,10). De outubro desse ano a outubro de 2013, o papa Bento XVI nos propõe o Ano da Fé, em comemoração ao cinquentenário do início do Concílio Vaticano II. A Carta Apostólica Porta Fidei, em que ele proclama tal ano, destaca “a necessidade de redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo” (n. 2).

Estamos diante de uma pluralidade de modelos de fé e, por isso mesmo, faz-se necessário fortalecer a convicção naquilo que acreditamos. Quando questionada sobre sua fé, Marta responde a Jesus por ocasião da morte de Lázaro (Jo 11,19-27): “Sim, Senhor, eu creio firmemente que Tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir ao mundo”. É à luz dessa proclamação de fé que o cristão é convidado a refletir sobre a fé cultivada em seu interior. Marta não apenas responde que crê, mas afirma que crê firmemente, isto é, tem convicção do que acredita. Com o desejo de propiciar aos cristãos tal convicção, a Igreja convida todos a dedicarem um ano inteiro para falar da fé e aprofundá-la em seus corações.

Professar a fé numa época de crises
As Diretrizes da Ação Evangelizadora no Brasil 2011-2015 afirmam que estamos não apenas numa época de mudanças, mas numa mudança de época (cf. n. 19), o que ocasiona tempos desnorteadores, inclusive no âmbito da fé. As pessoas são estimuladas a viver a fé de forma intimista, pois “já não é mais a pessoa que se coloca na presença de Deus como servo atento, mas é a ilusão de que Deus pode estar a serviço das pessoas” (n. 22). Essa ideia errônea do cultivo da fé não se coaduna com a proposta libertadora de Jesus, que não pregou uma fé que deve esperar recompensas e soluções imediatas, mas o compromisso com o Reino de Deus, mesmo se necessário passar pela cruz.

O próprio papa alerta sobre essa profunda crise que faz com que o homem contemporâneo sinta necessidade de dar razões da sua fé. Sua intenção é fazer com que a Igreja ofereça uma vez mais a oportunidade de todo cristão perceber a força e a beleza da fé (cf. Porta Fidei, n. 04). Com esse intuito, a Igreja, enquanto povo de Deus,terá oportunidade de buscar, com empenho e dedicação, a conversão necessária para a vivência de uma fé madura e consciente. A pergunta que deve ser feita, nessa perspectiva, é: o que impede que os cristãos de hoje atinjam essa maturidade na fé? Para responder a essa pergunta, é necessário propor outra: quem são os cristãos de hoje?

Ao destacar o tema “Iniciação à Vida Cristã”, os bispos do Brasil, reunidos na 47ª Assembleia em Itaici – SP, no ano de 2009, refletiram sobre a urgência de evangelizar aqueles cristãos que já receberam os sacramentos da Iniciação Cristã, mas não foram suficientemente evangelizados (cf. Iniciação à Vida Cristã, n. 24). Essa evangelização só é eficaz se provoca uma adesão pessoal a Jesus Cristo, fortalecendo a fé e dando razões para o seu cultivo.

Na atual conjuntura, nesse contexto majoritariamente urbano, os cristãos que frequentam as igrejas são pessoas muito diversas umas das outras, o que torna a Igreja de hoje bem mais diversificada, em todas as suas áreas pastorais, que no passado. Por isso, a necessidade de nova evangelização, com novo ardor e entusiasmo sempre renovado, capaz de levar o discípulo missionário a “sair ao encontro das pessoas, das famílias, das comunidades e dos povos para lhes comunicar e compartilhar o dom do encontro com Cristo” (Doc. de Aparecida, n. 548).

Essa crise de fé atual atinge toda a sociedade. Na Igreja, são muitos os agentes de pastoral que não conhecem profundamente sua própria fé. Fora da Igreja, há tantos homens e mulheres sedentos do sagrado, mas que não enxergam a necessidade da vida eclesial. No campo da política e da cultura, um grande número de pessoas vê a Igreja de forma negativa, como instituição arcaica e ultrapassada. Paralelas a isso, inúmeras denominações cristãs proliferam, na linha da economia de mercado, oferecendo às pessoas solução para todos os seus problemas. Tais denominações prometem o que, na verdade, Deus nunca prometeu e criam um novo protótipo de cristianismo, desvinculado da vivência comunitária. São esses os cristãos de nosso tempo. Grande parte deles indiferentes à Igreja ou até contrários a ela.

Voltando à pergunta inicial, a maturidade na fé dos cristãos de hoje só será possível à medida que nossas comunidades se tornarem exatamente aquilo que deveriam ser: educadoras da fé. Diversos desafios se apresentam diante da ação evangelizadora, porém, o progresso da Teologia tem colaborado para que a fé não seja apenas acolhida, mas refletida e abraçada com convicção. É claro que, por outro lado, faz-se necessário recordar que a fé é sempre busca, procura da verdade. Por isso, recorda o papa João Paulo II que “a fé diz respeito a coisas que ainda não são possuídas, pois se esperam e não se veem ainda, senão como que ‘num espelho, de maneira confusa’ (1Cor 13,12)” (Catechesi Tradendae, n. 60). Desse modo, o cristão nunca estará de posse plena da verdade que ele busca pela fé. Mesmo assim, o encontro pessoal e verdadeiro com Cristo lhe dará garantias e esperança de se aproximar sempre mais dessa verdade.

O desafio da ação evangelizadora e do ministério pessoal de cada discípulo missionário adquire maior dimensão nesse contexto. Isso porque torna-se necessário oferecer os conteúdos da fé para aqueles cristãos que não a vivem suficientemente, oferecer também tais conteúdos para os não cristãos que a querem conhecer e, talvez o mais desafiador, oferecer razões para que aqueles que abandonaram a fé ou não se importam com ela percebam sua real necessidade. Certamente será nessa direção que toda a Igreja será conclamada a refletir no Ano da Fé, pois “não há outra possibilidade de adquirir certeza sobre a própria vida senão abandonar-se progressivamente nas mãos de um amor que se experimenta cada vez maior, porque tem sua origem em Deus” (Porta Fidei, n. 07).

A fé professada ao longo da história
Diversas vezes já foram recordadas as palavras do papa Bento XVI, que afirma que “não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (Documento de Aparecida, nn.12 e 243).

Foi o encontro com essa Pessoa que despertou e fortaleceu a fé de inúmeros homens e mulheres que, ao longo da história, sustentaram e edificaram a Igreja de Jesus Cristo. É ele essa Pessoa que, na plenitude dos tempos, veio ao encontro da humanidade para dar-lhe sentido e orientação, propondo a mensagem do Reino.

Não se pode falar de fé madura e consciente sem se recordar dos primeiros cristãos. Tanto os textos canônicos como aqueles que vieram depois descrevem a força e o testemunho de milhares de pessoas que encontraram em Jesus Cristo razão para suas vidas. Os apóstolos e os discípulos viveram sua fé com tamanha profundidade que – na sua maioria – perderam a vida por não recusarem negar a fé que abraçaram. Entre os diversos mártires da Igreja, recordamos os próprios apóstolos e Estêvão, bem como os primeiros bispos de Roma, mortos brutalmente por causa da intolerância religiosa de seu tempo. Deles, Tertuliano, um dos pais da Igreja, dizia que o seu sangue era o adubo que fazia crescer a Igreja. Pela fé, esses homens deixaram tudo para seguir Jesus Cristo, e a comunhão de vida com Jesus fez deles verdadeiras testemunhas do Evangelho.

Nos sete primeiros séculos da era cristã, diversos homens de Deus tornaram-se, também, exemplos de fé e santidade pela coragem em defender a Igreja e elaborar os conteúdos da fé que já era vivida, mas que, aos poucos, precisou ser sistematizada. São os chamados padres da Igreja. Entre eles, pode-se citar Inácio de Antioquia, Irineu de Lyon, Hipólito de Roma, Justino, Cipriano, Atanásio, João Crisóstomo, Agostinho e tantos outros. Seus escritos demonstram a profundidade de sua fé e como se tornaram fiéis defensores da mensagem cristã.

Além deles, como exemplos de fé podem-se encontrar belíssimas histórias de vida de homens e mulheres que se entregaram aos monastérios, desde Santo Antão até São Bento de Núrsia. Vale recordar, ainda, o exemplo de santos e santas como São Francisco de Assis e São Domingos, e mais tarde Santa Rita de Cássia, São João da Cruz e Santa Tereza D’Avila, Santa Terezinha do Menino Jesus e tantos outros. Em nossos dias, os exemplos de Tereza de Calcutá e João XXIII são sempre recordados como motivação para viver a interação fé e vida.

É fundamental recordar, também, como testemunhos de fé, a vida de muitos anônimos que, incansavelmente, por todo o canto do mundo, doam suas vidas na evangelização, na catequese e na pastoral, sendo perseguidos e, muitas vezes, mortos por crerem em Jesus Cristo. Esses homens e mulheres de nosso tempo, bem como todos os outros, de todos os tempos, recordam com a própria história de vida que, com a fé, é possível dar pleno sentido à existência humana. Desse modo, é possível olhar para a história e enxergar a ação do Espírito de Deus, que continua inspirando homens e mulheres a fundamentarem sua fé no amor de Jesus Cristo e, nele, encontrarem alento para suas vidas.

Professar a fé hoje: De que modo e para quê?
O papa Bento XVI recorda que os primeiros cristãos eram incentivados a aprender de memória o Credo, como oração diária, a fim de que não se esquecessem do compromisso que haviam assumido com o batismo (Porta Fidei, 09). Diversas pessoas, atualmente, ainda mantêm o Credo nas suas orações cotidianas. No entanto, nas celebrações eucarísticas, a Profissão de Fé nem sempre cumpre seu papel, pois professam-se as verdades da fé sem se pensar naquilo que elas expressam. Como todos sabem de memória, há o perigo constante de se fazer a Profissão de Fé sem a compreensão mínima do seu significado. Por isso, é importante recordar para que o cristão é convidado a professar a sua fé.

Primeiramente, é bom lembrar que os primeiros cristãos não apenas viviam sua fé, mas a testemunhavam com as palavras e com a vida. O que fez o Evangelho se espalhar por todos os cantos foi a convicção com que eles partilhavam com os outros o que a nova fé havia causado em seus corações. Um segundo aspecto fundamental que deve ser lembrado é que o testemunho sincero de cada cristão converte outros, mas fortalece ainda mais a convicção de quem anuncia. Aquele que evangeliza também é evangelizado por suas próprias palavras, pois é o Espírito de Deus que age nele e por ele. Além disso, um terceiro motivo para o cristão professar a sua fé deve ser a recordação de que o Deus da revelação é um Deus que se abre à humanidade. Por isso, abrir-se para oferecer aos outros a oportunidade de experimentar o que o próprio evangelizador já experimentou é, na verdade, imitar o próprio Deus na sua abertura à humanidade.

Entretanto, também é fundamental questionar o modo como se deve professar a fé. Já recordamos o modo mecânico com que, muitas vezes, o Credo é proclamado nas celebrações eucarísticas. Por isso, alguns elementos são essenciais na vida do cristão que deseja viver sua fé com autenticidade e, por isso, sente o desejo de proclamá-la aos outros. Entre esses elementos, destacamos: a participação consciente na liturgia em comunidade; a oração pessoal constante e perseverante; o contato direto com a Palavra, como fonte para toda a vida, e a partilha daquilo que cada um experimentou de modo a gerar nos corações o desejo de conhecer mais e melhor a mensagem de Jesus Cristo.

O Ano da Fé como tempo de graça
Assim termina o papa sua Carta Apostólica: “à Mãe de Deus, proclamada ‘feliz porque acreditou’ (cf. Lc 1,45), confiamos este tempo de graça” (Porta Fidei, 15). Sendo assim, é desejo do papa e de toda a Igreja que o Ano da Fé seja tempo de graça para todos. A graça de Deus, acolhida na vida do cristão, deve levá-lo a compreender sempre mais e melhor o amor generoso de Deus, que ama o ser humano na gratuidade. Embora o cristão tenha capacidades para perceber os sinais de Deus em sua história, é sempre Deus que toma a iniciativa. Isso é graça.

Os cinquenta anos do início do Concílio Vaticano II que inspiram esse Ano da Fé devem nos recordar a dinamicidade da Igreja, que, guiada pelo sopro divino, continua atualizando no mundo a mensagem salvífica de Cristo. Nesses cinquenta anos, grandes transformações aconteceram na Igreja, observadas não apenas em suas estruturas, mas nas comunidades vivas de fé. Cada vez mais, o cristão é chamado a viver e a testemunhar a sua fé com ardor, recebendo da própria Igreja oportunidades de se formar e de se preparar para a missão. Olhando para essa transformação, é possível novamente afirmar que tudo é graça de Deus para a humanidade.

Por outro lado, celebrar o Ano da Fé como tempo de graça não será apenas oportunidade de louvar a Deus pela graça da fé que ele suscitou em nós. Será também ocasião para um profundo exame de consciência, pois o ser humano necessita constantemente de conversão, já que o pecado continua a ser obstáculo ao acolhimento da graça de Deus. Diante das inseguranças do mundo moderno, o cristão parece cada vez mais não conseguir separar ocasiões de santidade das ocasiões de pecado, pois os valores cristãos constantemente são colocados de lado. Certamente é por isso que a fé tem sido tão questionada.

Nesse sentido, o papa reforça que, “ao longo deste Ano, manteremos o olhar fixo sobre Jesus Cristo, autor e consumador da fé”, para quem deve convergir todo trabalho evangelizador da Igreja. Ao reforçar a fé de cada cristão, a Igreja deverá apresentar a proposta de Jesus Cristo de modo cada vez mais claro e convincente, pois tal proposta fará brotar a fé no coração daqueles que ainda não o conheceram e fortalecerá a fé naqueles que ainda não o compreenderam como o Deus que se faz humano para se aproximar de nós.

Conclusão
Numa das vezes em que Jesus trata da fé como tema de seus ensinamentos, ele certamente deixa seus discípulos espantados por afirmar que a fé deles era menor do que um grão de mostarda (Mt 17,20). Essa observação Jesus não faz a respeito de pessoas que ainda não tinham ouvido seus ensinamentos, nem a respeito de pessoas que o haviam rejeitado. Ele fala aos seus próprios discípulos. Por isso, suas palavras são diretamente aplicáveis aos cristãos de hoje. Enquanto imaginarmos que a evangelização é para aqueles que estão fora da Igreja, perderemos a oportunidade de amadurecer na fé, pois Jesus falava primeiro aos seus discípulos para depois falar aos outros. Toda mensagem de Jesus, da qual a Igreja é portadora, deve antes ser oferecida a nós cristãos, para que, cultivando a fé no coração dos outros com nossas palavras e nosso exemplo de vida, possamos transmiti-la bem aos outros.

BIBLIOGRAFIA

BENTO XVI. Carta Apostólica sob forma de Motu Proprio Porta Fidei. Documento 195. São Paulo: Paulinas, 2011.

BLANK, R. Ovelha ou Protagonista? A Igreja e a nova autonomia do laicato no século 21. São Paulo: Paulus, 2008.

CELAM. Documento de Aparecida. 2ª ed. Brasília: CNBB; São Paulo: Paulinas, Paulus, 2007.

CNBB. Diretrizes gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2011-2015. Documentos da CNBB 94. Brasília: Edições CNBB, 2011.

______. Iniciação à Vida Cristã. Um processo de Inspiração Catecumenal. Estudos da CNBB 97. Brasília: Edições CNBB, 2009.

JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Fides et Ratio. Sobre as relações entre fé e razão. Documento 160. São Paulo: Paulinas, 2010.

______. Exortação Apostólica Catechesi Tradendae. Documento 93. São Paulo: Paulinas, 2011.

PAULO VI. Exortação Apostólica Evangelli Nuntiandi. Sobre a Evangelização no mundo contemporâneo. Documento 85. São Paulo: Paulinas, 2011.

*Fonte: Vida Pastoral (o texto não está na íntegra, houve um pequeno recorte)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Ola catequistas! Vamos vivenciar com profundidade, neste Ano da Fé, o tempo quaresmal. Preparar-se para a páscoa, é abrir-se à conversão, à vida nova, ao projeto do Reino de Deus! Uma santa quaresma a todos! Para iluminar esse tempo de sobriedade e silêncio, o texto do Sergio Valle é um precioso instrumento! Abraços

TEMPO DA QUARESMA
(Sérgio Valle)

Iniciamos mais uma Quaresma. Tempo que a Igreja propõe para rever a caminhada da vida cristã, no discipulado. Quase sempre somos tentados a caracterizar a Quaresma unicamente como tempo de penitência, esquecendo-nos que a penitência é um “método”, um meio para atingirmos o que realmente desejamos para nossas vidas. O vocabulário popular confunde penitência com sofrimento, com dor, com tristeza, com privação voluntária ou involuntária. Para a mística cristã, a penitência é um “exercício” ou, se quisermos, um treinamento com a finalidade de dominar-se a si mesmo diante daquilo que pode desequilibrar ou afastar de Deus. A penitência tem suas exigências, sofrimentos e privações e, como todo “treinamento”, exige esforço que pode ter a marca do sofrimento, mas nunca do sofrimento pelo sofrimento. No entanto, a finalidade da penitência não leva ao sofrimento, mas ao domínio de si no fortalecimento espiritual que conduz a Deus.

O início desse esforço vem do convite divino, presente na profecia de Joel (1ª leitura da quarta-feira de cinzas): “voltai para mim com todo vosso coração com jejuns, lágrimas e gemidos". Olhando literalmente, compreende-se um esforço feito de sofrimento (jejuns, lágrimas e gemidos). Na realidade trata-se da ascese para dobrar a vontade humana e se dispor à vontade divina. A penitência consiste no esforço para ter um coração puro, digno da pureza e santidade divina; é o esforço para se ter um espírito decidido, orientado unicamente para Deus. Pois bem, a Quaresma é um tempo de penitência, entendido como um tempo favorável para se fazer um esforço maior em vista do dia da Salvação. Não a penitência de privar-se de algo por privar-se, mas penitência no sentido de ascese, de treinamento, de exercícios para que a vontade divina aconteça em nossas vidas.

A tendência humanamente natural é fazer as coisas para ser valorizado pelos outros. Nesse nosso tempo histórico, a fama é um valor buscado por milhões de pessoas e, não desejar o seu “minuto da fama” pode ser avaliado como auto-estima baixa. Jesus ensina a fazer a penitência, a fazer o esforço de dar esmola (fazer caridade) não pela necessidade pessoal de aparecer, mas pela necessidade presente na vida do outro. Dar esmola, em resumo, não com o olhos voltados para a platéia, mas para a necessidade de quem está precisando de minha ajuda. Essa é uma grande penitência.

Outra postura interessante na quaresma é a de voltar-se para o silêncio; a importância de rezar em silêncio. No contexto da penitência, a oração silenciosa e escondida entra na ascese de silenciar para ouvir Deus. É uma grande penitência aprender a ficar em silêncio para ouvir Deus e não ouvir-se a si mesmo ou ficar remoendo mágoas ou fazendo planos em nossos silêncios orantes. Trata-se da penitência, do esforço, da ascese de buscar a intimidade silenciosa de Deus, não colocando-se a si mesmo no centro da oração, mas silenciando diante de Deus para ouvi-lo.

Por fim, destaca-se o ensinamento do jejum: o domínio do próprio corpo e das necessidades básicas, como comer e beber. Também esse esforço, ensina Jesus, deve ser discreto, a ponto de nem mesmo algum cheiro possa denotar que se está jejuando; de onde a orientação de se perfumar. Isso porque, o jejum é a grande penitência, é o grande exercício, o grande treinamento para controlar a própria vontade. Não é a dieta em vista de um corpo mais bonito ou por questões de saúde, pois a finalidade do jejum está em dominar-se a si mesmo, para que a vontade divina possa superar a vontade humana.

Em conclusão, toda a dedicação quaresmal da penitência nada mais é que um grande esforço, um grande exercício espiritual para se aproximar de Deus, para se aproximar do outro como irmão, para se aproximar de si mesmo e manter a graça de jamais perder o espírito de Deus na vida pessoal.

CAMPANHA DA FRATERNIDADE

A Igreja nos conduz à Quaresma com o seu convite para mudar de vida, mudar o coração através da penitência. “Fazei penitência, mudai o coração” é a grande proposta da Quaresma. Nesse ano de 2013, a Quaresma acontece dentro do contexto do “Ano da Fé”, o que significa converter-se para aprofundar ainda mais a fé, para que a fé deixe de ser uma simples crença e se torne um modo de viver, um jeito de pensar, se transforme em mentalidade.

 Entre nós, a Quaresma é também marcada pela Campanha da Fraternidade, nesse ano dedicada à Juventude, com o lema: “Eis-me aqui, envia-me”. Nessa ótica, a conversão incentiva a mudar a perspectiva cristã da passividade para a dinâmica da missionariedade; de não sermos cristãos passivos, que esquentam bancos de igrejas (para falar em português bem claro), mas missionários, que testemunhem a fé cristã e o Evangelho em todas as partes. O desafio é dirigida particularmente aos jovens, em vista da Jornada Mundial da Juventude que acontecerá no Rio de Janeiro. Claro que um programa desse tipo exige esforço ou, na linguagem quaresmal, exige penitência. 

O cartaz escolhido para a Campanha da Fraternidade de 2013, que tem como tema “Fraternidade e Juventude”, e como lema “Eis-me aqui, envia-me!” coloca em evidência a jovialidade e a alegria. O “Eis-me aqui, envia-me!” é a voz forte do jovem que, repleto de sonhos e com grande auto-estima, se coloca à disposição para ajudar a todos nós a navegarmos em águas profundas fazendo da vida um constante convite para atrair outros jovens para Jesus Cristo.