quinta-feira, 25 de abril de 2013


ENCONTRO DE CATEQUESE (VI)
COMO PREPARAR O ENCONTRO: PASSOS METODOLÓGICOS E SUGESTÕES DIVERSAS.

Tendo esclarecido os modelos de encontro catequético com metodologia ineficaz, abordado as dimensões para o encontro iniciático e o catequista indicado para aplicá-lo, o apontamento de alguns passos para preparação do encontro, como também para o desenvolvimento são úteis para ajudar o catequista.

É preciso destacar primeiramente, que o encontro de catequese faz parte e está inserido em um todo, portanto, antes de prepará-lo, é preciso elaborar um programa sistemático para cada etapa/fase de catequese, que tenha conteúdos próprios para se desenvolver, levando em consideração o objetivo de cada uma das partes do processo e segui-lo, para que não haja um estímulo para o catequista trabalhar o que quiser ou aquilo que tem mais facilidade, deixando o processo faccionado por desorganização.

Tendo o programa em mãos, o passo seguinte é pensar em um plano de encontro. O catequista precisa ter claro o tema do encontro, selecionar o texto bíblico para em seguida elaborar o objetivo, o ponto de partida e ponto de chegada do encontro, planejando bem para evitar improvisação. Após a escolha do tema e do texto bíblico que inspirará todo o encontro, o próximo passo é fazer a leitura orante desse texto para que fale ao coração do catequista em primeiro lugar, alimentando-o para que anuncie a Palavra experimentada e o inspire nos próximos passos.

Delimitando o objetivo do encontro, é importante estudar o texto bíblico e elaborar questões para serem respondidas no diálogo de aprofundamento do texto, como também estudar o conteúdo doutrinal que poderá ser aplicado no encontro. Tendo feito isso, o catequista estrutura a metodologia que será utilizada, selecionando as músicas, orações, símbolos, a disposição do ambiente, já pensando no gesto concreto e na celebração.

O encontro deverá ser pensado também a partir de uma sequencia metodológica eficaz: ver a realidade, iluminar com a Palavra, celebrar para que a vida e a fé se inter-relacionem para agir, assumindo compromissos existenciais.

VER A REALIDADE: 1.ACOLHIDA; 2. RETOMADA DO ENCONTRO ANTERIOR; 3. FALAR DO TEMA E DO OBJETIVO; 4.RECORDAÇÃO DA VIDA/ OLHAR A REALIDADE

Sempre é bom prever o começo de tudo: iniciar o encontro com uma boa acolhida, de preferência na porta da sala ou ainda fora dela, realizando um momento ritual de acordo com o tema (traçar o sinal da cruz com água benta, entrar com a vela acesa, celebrar o acendimento do Círio pascal, lavar as mãos), já falando sobre o objetivo do encontro, o que será aprofundado, para dar sentido ao ingresso no ambiente de encontro de maneira orante. Oriente os catequizandos, ao entrarem na sala, para que observem o espaço previamente elaborado pelo catequista. É importante acalmar a mente e o coração para vivenciar o encontro com a pessoa de Jesus, para isso não basta dizer “silêncio”, uma sugestão seria cantar refrãos meditativos com a temática do encontro para interiorização.

O momento do ver a realidade, próximo passo depois da acolhida, deve ser elaborado sempre a partir do tema do encontro, sendo passo importante ouvir os catequizandos para perceber o que trazem de informação sobre aquele assunto: pode ser chamado de recordação da vida, um olhar para realidade aprofundando os fatos, causas, consequências do sistema social, econômico, político e cultural que nos envolve. O olhar a vida é o momento de ver o chão onde se vive e de preparar o terreno da realidade para depois jogar a semente da Palavra de Deus. O ver pode ser desenvolvimento de maneira bem pedagógica, por meio de histórias e fatos contados, notícias, figuras, palavras destacadas e até recortes de jornais.

ILUMINAR: 1.ACLAMAÇÃO/ REFRÃO PARA LEITURA DO TEXTO; 2. PROCLAMAÇÃO DO TEXTO BÍBLICO (1 VEZ O INTERLOCUTOR, 1 VEZ O CATEQUISTA); 3. DIÁLOGO COM O TEXTO BÍBLICO (REFLEXÃO); 4. MOMENTO DOUTRINAL (APROFUNDAMENTO)

O momento da leitura da Palavra, o iluminar, é de fundamental importância. Por isso, é muito significativo que se tenha a preocupação de criar um ambiente favorável ao clima de oração. Para isso, conforme Brustolin (2009, p. 12-24) é importante que se proceda de uma forma “ritual”, isto é, procurando conferir solenidade ao que se vai fazer. Solenizando a leitura da Palavra no encontro da catequese, o catequizando vai compreendendo e familiarizando-se com o espírito celebrativo da Igreja, a importância e o significado dos ritos, dos gestos, da postura, dos cantos, dos símbolos, das cores, enfim, tudo o que faz parte da liturgia cristã.

Para proclamação do texto bíblico, que será feito da Mesa da Palavra na sala de catequese, canta-se inicialmente a aclamação, se for Evangelho, ou refrão medidativo para demais textos bíblicos, e todos colocam-se em pé, como gesto de disposição à escuta atenta da Palavra de Deus. Caso não tenha sido acesa, pode-se neste momento fazer o acendimento da vela de modo solene ou ainda acolher a Bíblia, num gesto de gratidão pela Palavra que será proclamada. O Catequista lê a Palavra, já destacando algumas expressões importantes na leitura e após a proclamação, apresenta a Bíblia ou faz um gesto de reverência diante da Palavra proclamada. Pode-se convidar um catequizando para ler a Palavra mais uma vez (previamente escolhido), preparando para o aprofundamento do texto bíblico e do conteúdo doutrinal.

 A Palavra, neste momento, é iluminadora e mostra qual a vontade de Deus em relação ao que foi apontado no ver. Faz-se um confronto com as exigências da fé anunciada por Jesus Cristo, diante da realidade refletida. Neste momento do encontro, aprofunda-se com o grupo os apelos que Deus faz para seus seguidores. Reconstrói-se o texto com a participação de todos, lembrando os cenários, as personagens, as relações entre personagens, o que foi narrado por meio de perguntas feitas pelo catequista; cada um pode ainda dizer a parte do texto, palavra, frase ou gesto que mais lhe chamou atenção.

O catequista, utilizando-se de uma Mesa para partilha (mesa grande com cadeiras em volta) ou ainda com os catequizandos sentados em formato circular, explica o contexto da passagem e trabalha alguns versículos selecionados para explicar o significado do texto (pode-se trabalhar o bibliodrama neste momento: o que você sentiria se fosse determinado personagem? O que você teria feito no lugar dele? Como você agiria nessa situação? Quais os sentimentos mais fortes nesse momento? Você acha que fizeram certo?).

O Resgate do antigo simbolismo de sentar ao redor da mesa para tomar a refeição é destacado com a utilização da Mesa da Partilha. Neste caso, crianças, jovens e seus catequistas, sentam ao redor da mesa para saborear a Palavra que dá vida, sacia toda sede e devolve a alegria ao coração humano. Usando a mesa pretende-se sair do esquema de escola, da utilização de cadernos e canetas, e de tudo que lembre uma lição escolar. Ao redor da mesa se fala, se contemplam os símbolos, se dialoga e se realizam algumas atividades.

Dado o passo do aprofundamento bíblico, segue-se o desenvolvimento de algum elemento doutrinal, de acordo com o tema, elaborando-se estratégias e buscando material para esse momento, tais como documentos do magistério, textos de estudo e até sugestões de reflexão do texto bíblico ou do tema desenvolvido, muitas vezes presentes nos manuais de catequistas.

CELEBRAR: 1. MOMENTO DA ORAÇÃO; 2. MOMENTO DA BENÇÃO; 3. MOMENTO DA PAZ

Esse passo já prepara para o celebrar, momento orante fecundo do saborear em conjunto o que foi visto e iluminado: é hora de favorecer o encontro pessoal , ajudando os catequizandos a conversar naturalmente com Deus como um amigo íntimo. Pode-se rezar usando símbolos, favorecendo o silêncio, por meio de cantos, gestos, salmos, frases bíblicas repetidas, relacionando sempre ao tema do encontro com a vida. A partir da celebração do encontro é possível motivar os catequizandos na participação das celebrações, liturgias, novenas, grupos de reflexão na comunidade.

No momento do celebrar, é interessante estimular orações espontâneas e trabalhar todas as modalidades orantes, não reduzindo somente a fórmulas prontas (Pai-Nosso, Ave Maria, Salve Rainha). Há de se estimular os catequizandos à oração para que saiba rezar nas diversas circunstâncias da vida. Outro ponto muito importante para se resgatar, já concluindo o momento da celebração, seriam as bênçãos, que podem ser realizadas de várias formas (catequista põe a mão na cabeça do catequizando em silêncio, os catequizandos abençoam um ao outro, com a Bíblia em uma das mãos, traça-se o sinal da cruz sobre a fronte do catequizandos, abençoa ungindo com óleo ou também podem ser utilizadas fórmulas de benção) e um momento de abraço da paz, ou também oração pela paz e pelas famílias.

AGIR: 1. GESTO CONCRETO; 2. RECORDAR O ENCONTRO; 3. DESPEDIDA

Todo encontro precisa conscientizar que ser cristão não é ficar passivo diante da realidade. O momento do agir é transformador e comprometedor: trata-se de encontrar passos concretos de mudança das situações onde a dignidade é ferida a partir de critérios cristãos vivenciados no encontro. O gesto concreto está ligado ao compromisso existencial diante da Palavra de Deus, que questiona e exige a mudança nas pessoas, famílias e comunidade. O catequista necessita provocar o seu grupo para ações práticas e os compromissos podem ser discutidos e assumidos de forma individual ou ainda grupal. É o momento de guardar para vida a partir do assunto tratado no encontro.

O encontro de catequese, como caminho de formação na caridade e no serviço, deve abrir-se ao horizonte da promoção integral do ser humano e da transformação da sociedade nos diversos níveis: o agir na justiça e na verdade, a consciência política, a quebra de preconceitos (idoso, mulher, raças, portadores de deficiências), a opção preferencial pelos pobres e marginalizados, a luta pela libertação dos vícios do século XXI (drogas, bebidas, egoísmo, mentira). São práticas que devem estar presentes no compromisso catequético.

Por fim, o catequista deve colocar tudo que planejou por escrito em um papel para que não se perca durante a aplicação do encontro (quanto mais organizado, mais segurança) e também preparar uma página para os catequizandos com a citação do texto bíblico, as músicas que serão cantadas no encontro, algum resumo marcante daquele tema e ainda o gesto concreto da semana, que como já visto, não é tarefa escolar.

ORGANIZAR É PRECISO

Parece simples preparar um encontro, mas como observado, exige do catequista consciência de seu papel evangelizador, dedicação, experiência de fé e profunda reflexão para tornar cada encontro um espaço de crescimento e experiência de fé. O catequista deverá se programar para preparar bem seu encontro, pensando nos objetivos e finalidades da catequese, como também deverá chegar com antecedência ao local onde exerce seu ministério catequético para preparar o ambiente do encontro e com respeito e igual atenção, receber todos os catequizandos, sem demonstrar preferências.

É importante o cuidado com o ambiente encontro porque ele também é símbolo e deve contribuir na catequese. Para o encontro iniciático é preciso que se providencie uma Mesa da Palavra, com a Bíblia em destaque, toalha de acordo com o tempo litúrgico, velas, flores naturais e outros símbolos, de acordo com a proposta do dia e a Mesa da partilha. Que o local seja arejado, com cores vibrantes, sem cartazes pendurados nas paredes (o que é mais típico de ambiente escolar) e sem quadro negro. Evitar a poluição visual é essencial para que se destaque o foco do encontro de catequese: Jesus Cristo, a Palavra de Deus e a pessoa humana.

** Roberto Bocalete - especialista em Pedagogia Catequética  pela PUC - GOIAS

terça-feira, 23 de abril de 2013

ORDENAÇÃO DIACONAL - 04 DE AGOSTO DE 2013



Amigos e amigas, catequistas: partilho com todos uma grande alegria! Hoje, dia 23 de abril, meus amigos de turma Rafael Rodrigo e Alexandre P. Silva e eu, Roberto Bocalete, fomos comunicados oficialmente sobre nossa ordenação diaconal: será no dia 04 de agosto de 2013, às 10h, na Catedral de São José do Rio Preto, presidida por nosso bispo diocesano Dom Tomé Ferreira da Silva!

Fomos aprovados e agora vamos começar os preparativos! Obrigado pelas orações, pelas demonstrações de carinho e pela amizade! Obrigado, amado Jesus, por confiar em mim, dando-me essa linda missão!

" Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir" (Jr 20,7)

Todos estão convidados, desde já, a celebrar conosco esse momento muito especial em nossas vidas! Abraços

sexta-feira, 19 de abril de 2013

ENCONTRO DE CATEQUESE INICIÁTICO (V)
III. DIMENSÃO MISTAGÓGICO-CELEBRATIVA

A dimensão mistagógico-celebrativa, essencial no encontro de catequese, deve conduzir o interlocutor para experiência vivencial do que está sendo aprofundado no encontro, desbloqueando os mistérios, favorecendo momentos de oração e encontro com Jesus. Esta dimensão do encontro de catequese, alimento da espiritualidade e da mística cristã, deve ser articulada com objetivo de favorecer a experiência celebrada com a pessoa de Jesus, utilizando-se para isso elementos simbólicos, ritual, gestual, apoiando-se nos diversos elementos da liturgia cristã.

Mistagogia pode ser traduzido por “conduzir para dentro do mistério. O que se entende por isso? Para ser cristão ou cristã, não basta ter um conhecimento intelectual de Cristo e de sua proposta. Não basta assumir como regra de vida algumas propostas de conduta moral  do cristianismo. Vida cristã é, antes de tudo, adesão a pessoa de Jesus, seguimento no caminho dele, identificação com ele em sua morte e ressurreição, em sua entrega total a serviço do Reino, “até que Deus seja tudo em todos”(1Cor 15,28). Essa identificação com Cristo, essa participação mística, espiritual, vital e existencial, que envolvem todas as dimensões e todos os momentos de nossa vida humana, não se faz de um dia para outro. Ela requer um longo processo. No centro desse processo de vida cristã, encontramos a liturgia como cume e fonte (BUYST, 2008, p. 12-3).

O encontro de catequese fica empobrecido sem elementos mistagógicos, sem a ação litúrgico-celebrativa. A catequese como educação da fé e a liturgia como celebração da fé são duas funções da única missão evangelizadora da Igreja. A catequese, sem a liturgia, esvazia-se da dimensão do mistério e reduz-se a um amontoado de ensinamentos e teorias sobre Deus e a Igreja, mas sem significado profundo para vida. A liturgia, por outro lado, sem a catequese, é carente do sentido e conteúdo da fé, que se consolida no aprofundamento da mensagem cristã, missão assumida pela catequese (PAIVA, 2008, p.7).

A liturgia é fonte inesgotável da catequese, não só pela riqueza de seu conteúdo, mas pela sua natureza de síntese e cume da vida cristã: enquanto celebração ela é ao mesmo tempo anúncio e vivência dos mistérios salvíficos; contém, em forma expressiva e unitária, a globalidade da mensagem cristã. Por isso ela é considerada lugar privilegiado de educação da fé e os autênticos itinerários catequéticos são aqueles que incluem em seu processo o momento celebrativo como componente essencial da experiência religiosa cristã (CNBB, 2006, p.83-5).

A ação litúrgica faz memória, isto é, torna presente, traz para o momento atual os acontecimentos da salvação proclamados na Palavra. A liturgia é a celebração dos mistérios de Deus. Os “mistérios” são os projetos de Deus que se realizam na pessoa de Jesus Cristo: a redenção e a salvação de todos os homens, a instauração do Reino. O mistério central da vida de Cristo é o mistério pascal (CNBB, 2008a, p.3-18).

A liturgia, com seu conjunto de sinais, palavras, ritos, símbolos, em seus diversos significados, requer da catequese uma iniciação gradativa e perseverante para ser compreendida e vivenciada. Os sinais litúrgicos são ao mesmo tempo anúncio, lembrança, promessa, pedido e realização, mas só por meio da palavra evangelizadora e catequética esses seus significados tornam-se claros. É tarefa fundamental da catequese iniciar eficazmente os catequizandos nos sinais litúrgicos e através deles introduzi-los no mistério pascal (CNBB, 2006, p. 84).

Aquilo que não é celebrado não pode ser apreendido em sua profundidade e em seu significado para a vida. O encontro de catequese deve levar em conta essa expressão de fé para desenvolver também uma verdadeira educação para celebrar. Há, portanto, uma sintonia entre a fé, a celebração e a vida. O mistério de Cristo anunciado na Palavra é assimilado e saboreado, através da ritualidade, do simbolismo, do ritmo que a liturgia imprime, pelo seu caráter mistagógico (DICIONÁRIO DE CATEQUÉTICA, 2004, p.690-3).

Há de se cuidar para que se enfatize a dimensão celebrativa no encontro, que tem mais a ver com sabor, com a experiência de sentir o toque de Deus na realidade humana, por isso, quanto menos explicações, mais o canal de comunicação por meio da linguagem simbólica, ritual, sonora, gestual será eficaz. É a experiência do mergulho da inteireza do ser no mistério celebrado.

Para tanto, é importante que a catequese tenha na celebração o ponto alto do encontro, momento em que haja interiorização, partilha e crescimento da fé a partir da vida. A catequese, assumindo a dimensão mistagógico-celebrativa é carregada de momentos fortes de oração (súplica, gratidão, intercessão e perdão), bênçãos, expressões gestuais, fazendo o confronto pessoal e comunitário com a realidade, da fé com a vida e da vida com a fé.  A catequese com celebrações vivenciais favorece uma compreensão e uma experiência sempre rica da liturgia, conduz para uma leitura dos gestos e sinais, e educa a participação ativa nas celebrações dos sacramentos, para a contemplação e para o silêncio (PAIVA, 2008, p. 51-72).

Na dimensão simbólica, a grande tarefa que se impõe é proporcionar uma catequese experiencial dos sinais e símbolos, todos com enraizamento bíblico e antropológico. Os símbolos, fecundados por significações espirituais, são instrumentos privilegiados da comunicação divina no encontro de catequese. Sendo elementos da vida humana, colhidos na realidade natural, são pontes de relação entre o humano e o divino. “Os símbolos expressam de forma especial o mistério, quem nem as explicações racionais nem mesmo as expressões poéticas podem exprimir em plenitude” (BOGAZ, 2001, p. 7-8).

O simbolismo pode ser escolhido e celebrado no encontro de catequese em quatro passos: escolhido a partir do texto bíblico, necessita ser concreto e real (não artificial) e enraizado na cultura; com a ajuda do texto bíblico, destacar a realidade salvífica que tal símbolo produz; revelar o significado e o efeito do símbolo na celebração litúrgica; apresentar o estilo cristão ou testemunho de vida que tal símbolo inspira, levando ao compromisso (LELO, 2009, p.18-9).

Os gestos levam-nos para um mundo diferente, formam um conjunto de significados com uma linguagem profunda e peculiar, além de evangelizadora e educativa. Um elemento sozinho diz muito pouco, mas se associado à Palavra (dimensão bíblico-teológica) e a experiência do grupo produz uma rede de sentidos que põe os interlocutores em contato com o projeto do reino de Deus e a presença do Espírito. No encontro de catequese gestos como abençoar, tocar, sorrir, olhar, abraçar, acender o Círio ou a vela, ouvir atentamente, estender as mãos, traçar o sinal da cruz, sentar-se, ficar de pé, reunir-se ao redor da Mesa da Palavra, beijar ou reverenciar a Bíblia, ser aspergido com água e ungido com óleo, comunica, por meio de uma linguagem intuitiva e afetiva, poética e gratuita a presença divina, introduzem na comunhão com o mistério e fazem com que o interlocutor mais do que entenda, experimente (LELO, 2009, p.16-8).

No tocante a musicalidade, é preciso que a canção ou refrão meditativo escolhido para o encontro, favoreça o diálogo e a comunhão com Deus, uma participação no mistério revelado em Jesus. Portanto, a musicalidade, em consonância com os demais elementos do encontro, expressa o convite a celebrar os mistérios de Cristo e dele participar de forma poética e envolvente; é um convite a ser tocado, por meio de um caminho rico, pela presença divina que impulsiona a dar sentido de fé ao momento celebrado (BUYST, 2008, p. 7-15).

** Roberto Bocalete

quinta-feira, 18 de abril de 2013

O ENCONTRO DE CATEQUESE INICIÁTICO (IV)
II. DIMENSÃO BÍBLICO-TEOLÓGICA

A fonte na qual a catequese busca a sua mensagem é a Sagrada Escritura, fruto da experiência de fé de um povo com Deus: nela, a Igreja reconhece o testemunho autêntico da Revelação divina, por isso, é o livro de catequese por excelência (CNBB, 2006, p. 75-6). A dimensão bíblico-teológica no encontro de catequese, portanto, destaca a Sagrada Escritura como livro que ilumina o encontro, fonte favorecedora da experiência humana com Deus, juntamente com o depósito da fé transmitido pelos apóstolos (Tradição) e que conservamos com zelo, dando respostas novas e mais elaboradas depois do surgimento dos desafios.

A catequese deve fazer dessa fonte o seu referencial maior e central, num diálogo permanente com a vida e a história. Não se trata, porém, de tirar da Sagrada Escritura (e também da Tradição) elementos fragmentários a serem inseridos na Catequese, mas de respeitar a natureza e o espírito da Revelação Bíblica. Falar da Escritura como fonte da catequese é acentuar que esta tem que ser impregnada pelo pensamento, pelo espírito e pelas atitudes bíblicas e evangélicas, mediante um contato frequente com os próprios textos sagrados; e é também recordar que “a catequese será tanto mais rica e eficaz quanto mais ela ler os textos com inteligência e o coração da Igreja, e quanto mais ela se inspirar na reflexão e na vida duas vezes milenária da mesma Igreja” (JOÃO PAULO II, 1983, p.34).

O encontro com os Discípulos de Emaús destaca a explicação das Escrituras como fundante para a compreensão da fé: daí renasce a esperança e o desejo de testemunhar o encontro com o ressuscitado (CNBB, 2010b, p.101). Depois de conhecer a realidade, o passo seguinte é despertar perguntas e abrir novos horizontes à luz da Palavra. A Escritura no encontro de catequese deve ser instrumento que provoque a mudança de mentalidade e atitude dos interlocutores: trata-se de um encontro vital com o Senhor, para aprender com ele, ouvir, compreender e aderir aos ensinamentos (CNBB, 2009, p.30-2).

É indispensável a Sagrada Escritura,  sinal sacramental da Palavra de Deus, para um encontro vivo com Jesus Cristo, caminho de autêntica conversão e renovada comunhão de solidariedade. O encontro com o Senhor, com sua história íntima, inicia o processo de discipulado e tal encontro só é possível quando os interlocutores, mediados pelo trabalho evangelizador, escutam, celebram e encarnam a Palavra de Deus, amadurecendo a experiência religiosa.

A Bíblia deve alimentar a identidade cristã e enriquecer a prática de oração. É importante que sua utilização no encontro de catequese esteja a serviço da educação para uma fé engajada e responsável, fecunda e enriquecedora. Portanto, todo roteiro catequético deverá ser iluminado pela Bíblia e ainda incluir estímulos e orientações com vista a uma leitura bíblica, segundo um plano adequado ao leitor (CNBB, 2006, p.77).

A Sagrada Escritura, da qual emerge elementos teológicos e também doutrinais, proporciona ao encontro o seu conteúdo: o sentido para vida, por meio da configuração a Jesus e o desígnio de salvação, que pode ser atualizado no presente, por meio de uma hermenêutica amadurecida dos teólogos e do próprio Magistério, projetando o catequizando no futuro, segundo as promessas de Deus.

A Bíblia introduz a catequese no curso da economia da salvação e faz com que aquele que aprofunda a fé, sinta-se povo de Deus, tome gosto pela leitura orante da Bíblia, pelos círculos bíblicos, pelos encontros das pequenas comunidades, elaborando na realidade a transformação que a Palavra causa. Definitivamente, a catequese não pode não ser bíblica, porque lhe faltaria o essencial da experiência de fé do povo com o Deus que preenche o humano no mais íntimo de seu ser, dando-lhe sentido para esta existência (DICIONÁRIO DE CATEQUÉTICA, 2004, p.524-5).

Uma das finalidades da catequese é introduzir uma justa compreensão da Bíblia e sua leitura frutuosa e fecunda, que permita descobrir as verdades divinas que nela contém e que suscite respostas a mensagem amorosa de Deus dirigida a humanidade: para que a dimensão bíblico-teológica seja saudável, vale alertar para não cair no erro de leituras da Sagrada Escritura de forma fundamentalista, literalista, esotérica, intimista, apologética, reducionista, materialista ou espiritualista.

Na catequese, o aprendizado do uso da Sagrada Escritura deve ser acentuado como encontro com a Palavra de Deus encarnada, educando-se para um encontro vital com a Palavra, tendo-a como alimento saboroso em vista da maturidade em Cristo. Vale ainda uma dica: o texto bíblico escolhido para iluminar o tema do encontro deve ser a fonte para o diálogo entre catequista e catequizandos, para escolha dos símbolos e das músicas, também das orações para o momento celebrativo e do aprofundamento do conteúdo. 

A iniciação à leitura da Bíblia, na catequese, deve levar não só ao contato com a Palavra de Deus na leitura pessoal ou grupal da Escritura, mas principalmente à compreensão da Palavra proclamada e meditada na Liturgia, que também é fonte perene da catequese por ser memorial do mistério pascal, experiência celebrativa, comunicação, vivência do mistério, lembrança e realização, síntese de fé e interiorização da experiência religiosa. A catequese educa a fé que é celebrada na liturgia: uma alimenta a outra, são as duas faces do mesmo mistério.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

O ENCONTRO DE CATEQUESE INICIÁTICO (III)
1. DIMENSÃO ANTROPOLÓGICO-EXISTENCIAL

Inúmeros são os desafios hoje para iniciação à vida cristã: é preciso encontrar um caminho para a formação do discípulo e esse caminho é perpassado pelo encontro de catequese vivencial, elaborado a partir de três dimensões entrelaçadas em si: dimensão antropológico-existencial, bíblico-teológica e mistagógico-celebrativa.

A dimensão antropológica-existencial, ponto de partida para a elaboração do encontro, baseia-se em conhecer o catequizando interlocutor: é pessoa humana com seus desafios, vivendo numa realidade, num contexto determinante, com uma história de vida, que precisa descobrir-se na ótica da fé; tudo a ser considerado pelo catequista ao projetar o encontro.

O Ano Catequético Nacional (2009) evidenciou essa dimensão a partir do texto dos Discípulos de Emaús (Lc 24,13-35), destacando a preocupação de Jesus ao ouvir a realidade dos caminhantes. “Ele observa, escuta atentamente, interroga sobre o sofrimento deles, sobre o que de tão grave aconteceu para deixá-los assim tão abatidos...” (NERY, 2010, p. 14). Há um estímulo, da parte de Jesus, para que os seus interlocutores abrissem o coração; somente depois de ouvi-los e cuidar da realidade humana, da situação social, política, cultural, religiosa e ideológica dos discípulos, é que o Ressuscitado se posiciona, utilizando-se da Sagrada Escritura para iluminar a realidade.

A dimensão antropológica, seguindo a pedagogia de Jesus presente nos evangelhos, é um impulso para estar atento as pessoas concretas que buscam o processo de educação para a fé, com seus sofrimentos e dores, nas diversas idades (criança, adolescente, jovem, adulto e idoso), segundo a cultura (indígena, afro-descendente) e a situação particular ( rural, urbana, encarcerado, portador de necessidades especiais, marginalizado, universitários), inculturando de forma delicada a mensagem a ser anunciada (cf. DGC 160-1,171-215; DNC 117-40).

Jesus toma a iniciativa de se aproximar, adentra a história das pessoas, acompanha a caminhada, escuta para entender, não interrompe o assunto antes de compreender o que está causando desânimo, não ignora quem está diante dele. (CNBB, 2008b, p. 14-9). Buscar o diálogo, acolher, interessar-se pelos catequizandos é fundamental para encontros realmente concretos e evangelizadores, que tenham como consequência a conversão e o discipulado.

O encontro de catequese deve ser desenvolvido a partir de atitudes de respeito e diálogo com a realidade, buscando-se uma linguagem adequada à comunicação da fé, como também a possibilidade de elaboração de materiais locais, em sintonia com a sensibilidade e o modo de pensar do povo. (ALBERICH, 2004, p.131-3).

Antes de preparar o encontro de catequese é preciso, então, considerar para qual faixa etária e ou situação vital será desenvolvido o momento e como atingir a inteireza dessa pessoa; também ter a clareza de um caminho integrado a ser percorrido, com visão de processo sem fragmentação. Para uma metodologia acertada, não se deve esquecer a reflexão sobre as influências da mudança de época e o ritmo veloz das informações da pós-modernidade na vida dos interlocutores; também o contato que os interlocutores têm com as mídias e o que isso gera em nível de especulação e curiosidade, urgindo daí o diálogo. 

Outros pontos a se considerar referem-se às influências familiares, sobretudo o fato de não haver uma Igreja Doméstica que já tenha elaborado o querigma, o anúncio fundamental da pessoa de Jesus no lar, necessitando englobar nos primeiros passos tal dimensão; considerar também as influências da comunidade, local indispensável para uma catequese saudável e que na realidade pouco tem testemunhado a fé e acompanhado o crescimento dos catequizandos (MANTOVANI, 2010, p. 66-7).

O encontro de catequese não pode ser pensado fora da realidade. Ou ele transforma as pessoas e a sociedade, ou não é fiel a mensagem e ao projeto de Jesus Cristo. Quando não atinge as raízes do ser humano, não o direciona para uma consciência de si e da realidade, quando não une fé e vida na mesma perspectiva, o encontro se torna um verniz superficial.

**Roberto Bocalete

terça-feira, 16 de abril de 2013

SER DO CATEQUISTA: MÍSTICA

Vale a pena, numa breve pausa sobre a metodologia do encontro de catequese par a iniciação à vida cristã, refletirmos sobre a mística, essencial para o catequista que tem como projeto estar a serviço da evangelização!

Mística o que é?
Ficou famosa a afirmação de Karl Rahner, renomado teólogo católico de que "o cristão do século XXI ou será místico ou não será cristão".

Podemos ampliar essa reflexão, lembrando que a mística sempre fez parte da vida dos seguidores de Jesus, desde seus primeiros discípulos e discípulas, que vincularam definitivamente sua vida e caminhos à pessoa e ao projeto do Mestre Jesus e encontraram, nisso, sua alegria verdadeira. Portanto, mística não é um acessório ou adereço opcional que o cristão pode ou não pode ter, mas algo inerente ao próprio fato de ser cristão. Trata-se de algo profundamente experimentado por aquele(a) que insere sua vida  na vida de Cristo e aí encontra todo o sentido de sua existência, a ponto de concluir, como um dia o fez o apóstolo Paulo: "Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim"(GL 2,20)

Por mística podemos entender o tempero que dá sabor e sustento a tudo aquilo que pensa, sente e faz o cristão. "É a motivação densa e profunda da caminhada cristã. É o ponto de apoio da vida, o gancho onde a gente prende o sentido da vida. falar em mística é falar do sentido da existência. É falar da experiência amorosa de Deus, experiência fundante do cristão. É ser iniciado no Mistério" (Lucimara Trevisan). Desse modo, não se trata de algo que damos a Deus ou de um movimento de busca de seu amor, mas de um deixar-se amar por aquele que é fonte do amor e que primeiro nos amou, vindo ao nosso encontro para nos comunicar a vida em plenitude.
"Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3,16)

Jesus Cristo também tinha uma mística ou, melhor dizendo era um místico, pois orientou toda a sua vida para o cumprimento da vontade do Pai, cujo projeto procurou discernir na oração, na contemplação, na intimidade de Filho. Muitas vezes Jesus se recolhia na oração e no silêncio para refletir e confirmar sua fidelidade ao Pai: "Naqueles dias, Jesus retirou-se a uma montanha para rezar e passou aí toda a noite orando a Deus" (LC 6,12). Estava alimentando sua mística, conferindo sentido a seu projeto e decisões com base em um referencial tão absoluto quanto ele próprio: o reino dos céus! "Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas ema créscimo" (MT 6,33)

Essa é a mística que Jesus exige de seus seguidores. A pergunta  incisiva que ele fez aos discípulos: "E VOCÊS, QUEM DIZEM QUE EU SOU?" (MT 16,15) continua a soar fortemente nos ouvidos e corações dos cristãos, para que cada qual, ao fazer pessoalmente a experiência do encontro e do amor de Jesus, saiba por si mesmo quem é o Senhor de sua vida e o testemunhe com alegria e entusiasmo ao mundo. "Tal propósito implica um compromisso de solidariedade para com os pobres, pois jesus se contou entre eles e pessoalmente optou pelos marginalizados das estradas, do campo e das praças das cidades. Implica um compromisso de transformação pessoal e social, presente na utopia pregada por Jesus, do reino de Deus que começa a realizar-se na justiça dos pobres e a partir daí para todos e para toda a criação" (Leonardo Boff)

Catequese e mística
Vivemos numa época em que o cristianismo por tradição deixa de ser uma realidade, e isso parece ser um caminho sem volta. Quem se torna cristão para valer, nos dias de hoje, o faz por encantamento pela pessoa de Jesus, num encontro profundo e definitivo com ele. E esses encontros quase sempre são mediados por testemunhas alegres e convictas do amor de Deus, que dá total sentido á nossa existência. São místicos contagiando outras pessoas com seu exemplo de vida. São homens e mulheres que, entusiasmados com sua vida cristã, são capazes de tornar-se pontes que conduzem outras pessoas ao coração amoroso de Deus. A esse processo chamamos de mistagogia.

Catequista místico e mistagogo, portanto, é aquele que está totalmente envolvido numa experiência fascinante de Cristo, sente-se amado por ele, "curte" ser cristão e vocacionado com paixão e alegria e comunica aos outros,  especialmente aos seus catequizandos, a grandeza da sua experiência. Ele já respondeu para si mesmo quem é Jesus em sua vida, que sentido tem ser cristão; ele já construiu sua identidade na comunidade-igreja e no mundo, e por isso mesmo é capaz de partilhar com os outros, tornar-se missionário e profeta da boa-nova. "O espírito de uma pessoa é o profundo e dinâmico de seu próprio ser, suas motivações maiores e últimas, seu ideal, sua utopia, sua paixão, a mística pela qual vive e luta e com a qual contagia" (Dom Pedro Casaldáliga)

Daí a importância de o catequista alimentar sua mística na vida de oração, na participação assídua e coerente da vida sacramental, especialmente da eucaristia e da reconciliação, na leitura atenta e contemplativa da palavra de Deus, na convivência fraterna com os irmãos da comunidade e na atenção dada à sua realidade, sobretudo aos mais pobres, aos quais os mistérios do reino são revelados: "Jesus pronunciou estas palavras: "Eu te bendigo, pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos" (MT 11,25)

Pe Vanildo de Paiva
Fonte: Revista ecoando nº 36

sexta-feira, 12 de abril de 2013

O ENCONTRO DE CATEQUESE INICIÁTICO (II)

OS MODELOS DE ENCONTRO DE CATEQUESE FADADOS AO FRACASSO: PROBLEMAS METODOLÓGICOS

Se a proposta em questão é desenvolver uma reflexão que compreenda que o encontro de catequese precisa ser realmente iniciático, é preciso elaborar uma metodologia que favoreça a experiência com pessoa de Jesus e por consequência um itinerário de adesão ao projeto do reino de Deus. Consideram-se fadados ao fracasso modelos de encontros com abordagem conceitual, preocupação conteudista, metodologia escolar, subjetivismo espiritualista, excesso de dinâmicas, desconsideração dos interlocutores e distanciamento do celebrativo.

A prática catequética que tem suas bases na necessidade de doutrinar, nascida a partir do Concílio de Trento (1545), é desenvolvida em vistas de uma suposta “identidade católica”  e uma compreensão de catequese da Igreja como manual de doutrina a ser ensinado e repassado para um grupo de ouvintes. Decorar um manual não modifica a vida de ninguém, pelo contrário, minimiza o interlocutor dando primazia a um conteúdo que muitas vezes não o interessa e nem responde as suas inquietações.

O problema do ensino doutrinal está na forma conceitual, abstrata e pouco atrativa de transmitir tais conteúdos: o conceito, maneira grega de compreender a realidade, não toca a vida e nem a realidade de muitos dos que buscam a fé, gerando apatia. Responder quem é Deus não estaria numa simples repetição de uma oração formulada e copiada no caderno, mas na maneira como a pessoa experimentou a Deus, na leitura que ela faz da presença de Deus em sua vida, o que tal metodologia não permite saborear.

A mensagem cristã diz mais que doutrina e é comunicação eficaz da pessoa de Jesus. João Paulo II destaca que:  Quem diz mensagem diz algo mais que doutrina. Quantas doutrinas de fato jamais chegaram a ser mensagens. A mensagem não se limita a propor ideias: ela exige uma resposta, pois é interpelação entre pessoas. Entre aquele que propõe e aquele que responde. A mensagem é vida (DNC, 2006, p.71).

A crítica a essa abordagem conceitual e doutrinal é vista pelas consequências de um encontro somente focado no conteúdo, aplicado muitas vezes de forma bem primitiva: os sacramentos são entendidos como objetivo da catequese e olhados de maneira mágica. Assim, tendo feito a “formatura”, já não é mais preciso participar, tudo porque não se cria vínculos com a comunidade, porque não se trabalha a partir da realidade, assim gerando uma espécie de fé mal professada, às vezes piedosíssima ou até indiferente.

O retorno ao sagrado, forte no momento histórico, com busca de uma resposta aos desafios da vida sem frustração diante das dores, fez emergir na catequese uma tendência de encontro focado no subjetivismo, no espiritualismo e numa busca incessante por respostas adocicadas de Deus, que deixem a pessoa tranquila e feliz por ser amada. Jesus Cristo é apresentado somente como salvador divino, um europeu de olhos verdes, completamente desligado do anúncio do Reino, de suas exigências profundas e de suas consequências significativas.

A vida pode dar voltas e exigir um pouco dessa pessoa que foi formada numa catequese subjetivista e a consequência, já que não sabe lidar com contrariedades, será um afastamento da prática da fé, somada a uma revolta ou ainda a busca por outras religiões que respondam as suas necessidades. O resultado infértil do espiritualismo vai se dar neste modelo de cristão que não passou por um processo de experiência pessoal, portanto não  se converte, não tem bases necessárias para uma fé madura e comprometida, “vive aéreo, como se andasse nas nuvens, elevado pelo Espírito que o arrebata deste mundo de pecado” (CARMO, 2012, p. 51).

A catequese não pode também ser fruto de modismos ou da “criatividade inventada” pela cultura ou ainda pelo catequista; a fé é herdada e não inventada. Portanto, propostas de dinâmicas e “encontros diferentes” sem sentido e realizados somente para não tornar a catequese enfadonha ou rotineira, nem cansar o interlocutor com tantos palavrórios, não conduz a lugar algum. A “febre” das dinâmicas na catequese precisa ser substituída por uma maneira orante e celebrativa, que resultaria numa experiência positiva da fé, muito além de simples brincadeira para fortalecer a socialização.

É outro grande erro elaborar encontros catequéticos baseados na pedagogia escolar, como aulas expositivas, sem desbloquear o mistério (mistagogia). “A Catequese não é aula. É iniciação no mistério de Jesus morto e ressuscitado. É algo bem mais circular que linear, mais vivencial que intelectual, mais afetivo que racional” (CARMO, 2010, p. 54). Infelizmente, ainda sobrevive a pedagogia do ensino-aprendizagem em muitos encontros, priorizando o ensino como se o “aluno de catecismo” fosse uma tábula rasa, ou a aprendizagem conforme o modelo construtivista, até com tarefas a serem feitas em casa, com total desconhecimento de muitos catequistas da pedagogia iniciática.

A consequência de tudo isso se torna mais agravante quando se faz do sacramento celebrado o objetivo da catequese (sacramentalismo) e um momento conclusivo e escolar de formatura, fim de um caminho, despedida, com entrega de “certificados”, transformando tal momento sublime num costume sem sentido, desconsiderando a dimensão comprometedora de fé que tal celebração exige (CNBB, 2009, p.38).

Os espaços dos encontros ainda estão frios e pouco acolhedores, sem sinais que favoreçam a mística, a espiritualidade e o processo de iniciação a fé. São como sala de aula, ambientes com única cor, quadro negro, giz, carteiras e a mesa do saudoso “professor”. Os trabalhinhos são expostos no varal que fica na sala de catequese, para destacar como a turminha se dedica as tarefas do encontro. Muitas vezes não há nada que diferencie o momento catequético do momento escolar; não há nada que caracterize o encontro, a não ser a preocupação de cumprir um conteúdo.

A catequese, como educação para a fé não pode ser indiferente à realidade e a vida dos catequizandos, muitas vezes tratados somente como destinatários e não interlocutores de um processo. O referencial do encontro é o educando, que se não for levado em consideração durante os encontros, corre-se o “sério risco de construir a educação do discípulo missionário sobre a areia, portanto, certamente fadado ao desmoronamento” (NERY, 2010, p. 14).

“Não dá para educar, com profundidade, pessoas que a gente não se interessa em conhecer” (CNBB, 2008b, p. 20). A pedagogia da fé que não atender as diversas necessidades e não adaptar a mensagem e a linguagem as diferentes situações de seus interlocutores (DNC, 2006, p. 118; DGC, 1998, p.176-77) não passará de mera reunião formal de manutenção de ideologias alienantes.

Outro problema comum está na ausência de compromissos e gestos existenciais concretos, suprimidos por indicações tarefeiras ou cópias de orações; se a proposta é iniciar num processo de conversão, os encontros de catequese precisam ter indicativos de mudança de valores e atitudes: um agir bem determinado a partir de Jesus Cristo. A catequese, para não ser vazia, deve formar discípulos que assumam ministérios e serviços, educando para a ação sócio-transformadora, a consciência profética e libertadora (CNBB, 2008b, p.44).

Portanto, percebe-se no desenvolvimento de encontros, que há mais desencontros de catequese, ausentes de motivação, sem experiência com a pessoa de Jesus, sem metodologia iniciática e processual no caminho de formação de discípulos e muito aquém de um momento fecundo de reconhecimento vocacional. Há de se corrigir tais erros com urgência.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

O ENCONTRO DE CATEQUESE PARA O PROCESSO DE INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ
(ROBERTO BOCALETE)

Diante de um momento histórico marcado por diversos problemas existenciais, momento em que o homem encontra-se desmotivado, perdido diante da falta de um sentido para sua vida, com posturas antirreligiosas, relativistas e duvidosas diante da fé, é fundamental uma proposta catequética realmente iniciática, personalizada e performativa que, refletindo a ação evangelizadora da Igreja, conduza o ser humano a um verdadeiro encontro pessoal e existencial com Jesus Cristo, para que assim, encontrando-se também, realize-se como pessoa e responda a si a razão e o sentido para existência.

Encontros de catequese com metodologia iniciática, de inspiração catecumenal, seriam um caminho para responder aos desafios na formação do autêntico cristão, levando-o a adesão pessoal a Jesus Cristo e a comunidade cristã: encontros existências, elaborados a partir  do ser humano concreto, com elementos litúrgicos e mistagógicos, iluminados pela Palavra de Deus, aplicados por catequistas pedagogos, profetas, testemunhas de Jesus Cristo, mistagogos e inteiros, são a proposta desse artigo, que destaca experiências concretas existentes na Diocese de São José do Rio Preto.

Para o momento presente, não basta somente boa vontade, é preciso desenvolver habilidades para uma catequese iniciática, processual, celebrativa e experiencial. Assim, partindo da publicação da coleção de manuais de catequese de Leomar Brustolin (catequese com Leitura Orante), elaboramos uma maneira própria de desenvolver o encontro de catequese, observamos os resultados e achamos conveniente colocá-los por escrito, com todo referencial bibliográfico necessário e com a intenção de propor uma possibilidade diante do pedido de experiências concretas de iniciação à vida cristã.

A proposta em evidência é possível de ser colocada em prática, como já tem sido vivenciada. Chega de desculpas e deixar para que o outro comece um novo trabalho: o novo depende dos passos ousados de cada um. É urgente uma conversão comunitária para iniciação à vida cristã, o cuidado para formação de discípulos e missionários e a consciência de uma Igreja como casa da acolhida, da Palavra e da caridade.


O ENCONTRO DE CATEQUESE

Dar passos na construção de encontros de catequese iniciáticos exige primeiro destacar a visão de encontro e de catequese que se deseja delimitar para iniciação a vida cristã.  O encontro pode ser chamado momento de experiência, que exprime, em seu sentido mais geral, um contato direto com uma realidade, que não é simples fenômeno transitório, mas alarga e enriquece o modo de pensar e ver a realidade. Cada experiência amplia o horizonte do conhecimento da realidade, modifica e aperfeiçoa. A experiência é ato pelo qual a pessoa se assume, isto é, engloba todos os modos possíveis de experiência: percepção, pensamento, querer, sentimento, ação (LIBANIO, 2005, p.199-200).

A experiência não se transmite normalmente de modo nocional, mas pela convivência, e seu alcance tem profundos reflexos com a ação; a partir da experiência tomam-se decisões; a própria experiência se transforma em critério de discernimento da verdade ou validez de normas, regras e conselhos. “Quando uma experiência é importante, fundamental, afeta a totalidade e a profundidade da existência, permitindo uma interpretação da totalidade da realidade” (LIBANIO, 2005, p. 205).

Jean Mouroux distingue três níveis de experiência: a imediata, a experimental dirigida e a existencial. O primeiro nível é o da experiência cotidiana, vivida, mas não criticada, parcial, superficial, ingênua, e portanto ambígua: experiência imediata, sem compromisso, sem muita exigência de transformação. Aqui estariam as consolações, os entusiasmos e todas as formas de percepções sensíveis do "divino".

O segundo nível é o da experiência consciente, dirigida e provocada, constituída com elementos capazes de serem medidos e manipulados: tipo de experiência dirigida. No fundo, é uma experiência provocada, encontrada nas técnicas religiosas de oração, autodomínio etc.

O terceiro nível é o da experiência pessoal do ser humano (existencial) em toda sua totalidade, seus componentes estruturais e seus princípios de ação com Deus – tipo de experiência em foco nesse artigo. É uma experiência constituída e captada na lucidez de consciência e na generosidade do amor. Toda experiência espiritual madura e autêntica deve se situa nesse nível. Os outros níveis são etapas a serem ultrapassadas em direção a uma experiência que abarque a totalidade da pessoa. Pode-se dizer que é o tipo de experiência de mudança, adaptação consciente ao projeto de Deus, em síntese, experiência de conversão, que terá como critérios de interpretação além da fé, também os frutos produzidos (MIRANDA, 1998, p. 161-181).

A catequese é iniciação no seguimento de Cristo para vinculação à Igreja; tem como meta essencial uma educação para mentalidade de fé, capacitando a pessoa a ver, sentir e agir como Cristo, amadurecendo e aprofundando a conversão. O fruto que a catequese deve produzir é o surgimento de pessoas novas, recriadas, abertas ao Evangelho, sensíveis a realidade, comprometidas com o estilo de Jesus, adoradoras do Pai, colaboradoras do Espírito, manifestando a dignidade da pessoa redimida em Cristo (DICIONÁRIO DE CATEQUÉTICA, 2004, p.515-23).

A catequese é o período no qual se estrutura a conversão a Jesus Cristo, tem a função de assentar os alicerces do edifício da fé, para tanto é iniciação ordenada e sistemática na revelação, formação orgânica centrada na pessoa, educando-a para as experiências mais profundas, fecundada pela Palavra de Deus (DGC, 1998, p. 63-6).

Como educação para a fé, a catequese tem como características uma educação orgânica, síntese coerente e orgânica da mensagem cristã; uma educação sistemática, articulada em processo, não sendo ocasional ou somente circunstancial; e uma educação integral, em todas as dimensões da fé cristã: educa para celebrar na liturgia, para oração e espiritualidade, para a vida comunitária, para o compromisso social (CELAM, 2007, p.103).

A peculiaridade e a originalidade da catequese é a educação da fé e para tal processo, realiza-se de forma gradual e planejada. Tendo em vista que a catequese é ministério da Palavra, suas características concretas são: a iniciação (na vida cristã), a fundamentação (coluna da vida de fé), e aprofundamento (interioriza a vida cristã).

É tarefa da catequese favorecer a adesão a Jesus Cristo, na verdade, iniciando um processo de conversão permanente, que dura a vida toda. A conversão a Cristo é sempre elemento indispensável no dinamismo de uma fé em crescimento. Favorecer o crescimento da atitude de fé significa concretamente despertar sentimentos de docilidade, escuta e abandono à palavra de Deus em Cristo. É importante também favorecer o amadurecimento da esperança, como dimensão essencial da atitude de fé cristã (ALBERICH, 2004, p. 181-3).

Para tanto, a catequese assumirá um caráter pedagógico catecumenal quando reunir características como: processo de iniciação integral que contemple todas as dimensões da vida de fé; processo dinâmico, progressivo, marcado por etapas de acordo com o ritmo de crescimento do catequizando; processo marcado por ritos e símbolos, ou seja, processo celebrativo; processo que leve a comunidade a assumir-se como local da catequese; processo que comprometa o educando, exigindo uma profunda conversão (CELAM, 2007, p.108-9).

REFERÊNCIAS 

ALBERICH, Emilio. Catequese Evangelizadora: Manual de catequética fundamental. Tradução de Luiz Alves de Lima. 2.ed. São Paulo: Ed. Salesiana, 2004. 

BRUSTOLIN, Leomar. A mesa do pão: iniciação à Eucaristia: catequista. São Paulo: Paulinas, 2009. Coleção catequese com leitura orante.

DNC. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretório Nacional de Catequese. Brasília: Edições CNBB, 2006.

______. Iniciação à vida cristã. Um processo de Inspiração catecumenal. Estudos da CNBB 97. Brasília: Edições CNBB, 2009.

 DGC. CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório Geral para a Catequese.  São Paulo: Paulinas, 1998.  

CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Manual de Catequética. Tradução de Maria Paula Rodrigues. São Paulo: Paulus, 2007.

DICIONÁRIO DE CATEQUÉTICA. Dirigido por M Pedrosa, tradução de H. Dalbosco. São Paulo: Paulus, 2004.

LIBANIO, João Batista. Teologia da Revelação a partir da Modernidade. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1992. Coleção Fé e Realidade.

MIRANDA, Mario de França. A experiência do Espírito Santo. Abordagem Teológica. Perspectiva Teológica. Belo Horizonte, Ano XXX n. 81.  p. 161-181. maio/agosto 1998.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

CREIO NA IGREJA UNA, SANTA, CATÓLICA E APOSTÓLICA

Revendo alguns materiais estudados no curso de Teologia, neste contexto do Ano da Fé, disponibilizo para leitura e reflexão um resmo dos dois primeiros capítulos da Lumen Gentium! Nada dispensa a leitura do próprio texto, contudo, está aí uma oportunidade de refletirmos sobre a Igreja e nossa fé de que caminhar em comunidade é crescer no projeto de Deus!

CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LUMEN GENTIUM: SOBRE A IGREJA
RESUMO DOS CAPÍTULOS 1 E 2

 CAPÍTULO I: O MISTÉRIO DA IGREJA
A luz dos povos é Cristo e a Igreja, em Cristo, é como que o sacramento e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano, para que deste modo os homens todos, hoje mais estreitamente ligados uns aos outros, pelos diversos laços sociais, técnicos e culturais, alcancem também a plena unidade em Cristo.

O Eterno Pai, por sua sabedoria e bondade, criou o universo, decidiu elevar os homens à participação da vida divina e não os abandonou quando caídos, antes lhes concedeu os auxílios para se salvarem. Aos eleitos e aos que creem em Cristo, O Pai decidiu chamá-los à santa Igreja, prefigurada já desde o princípio do mundo e preparada na história do povo de Israel, manifestada pela efusão do Espírito, e será gloriosamente consumada no fim dos séculos.

Cristo, a fim de cumprir a vontade do Pai, instaurou na terra ao Reino dos Céus e revelou-nos o seu mistério, realizando com sua própria obediência a redenção. A Igreja cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus. Tal começo e crescimento exprimem-nos o sangue e a água que brotaram do lado aberto de Jesus crucificado e a celebração do sacrifício da cruz, que também é obra da nossa redenção. Todos os homens são chamados a esta união com Cristo, luz do mundo, do qual vimos, por quem vivemos, e para o qual caminhamos.

Consumada a obra que o Pai confiou ao Filho para Ele cumprir na terra, foi enviado o Espírito Santo no dia de Pentecostes, para que santificasse continuamente a Igreja e deste modo os fiéis tivessem acesso ao Pai, por Cristo, num só Espírito (Ef. 2,18). O Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis, como num templo, conduz à verdade total e unifica na comunhão e no ministério, enriquece-a. Assim a Igreja toda aparece como um povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

Jesus deu início à Sua Igreja pregando a boa nova do advento do Reino de Deus prometido desde há séculos nas Escrituras; Reino que se manifesta na palavra, nas obras e na presença de Cristo.  Também os milagres de Jesus comprovam que já chegou à terra o Reino. A Igreja, enriquecida com os dons do seu fundador e guardando fielmente os seus preceitos de caridade, de humildade e de abnegação, recebe a missão de anunciar e instaurar o Reino de Cristo e de Deus em todos os povos e constitui o germe e o princípio deste mesmo Reino na terra. Enquanto vai crescendo, suspira pela consumação do Reino e espera e deseja juntar-se ao seu Rei na glória.

Assim como, no Antigo Testamento, a revelação do Reino é muitas vezes apresentada em imagens, também agora a natureza íntima da Igreja nos é dada a conhecer por diversas imagens tiradas quer da vida pastoril ou agrícola, quer da construção ou também da família. A Igreja é o redil, cuja única porta e necessário pastor é Cristo; rebanho do qual o próprio Deus predisse que seria o pastor e cujas ovelhas são guiadas e alimentadas sem cessar pelo próprio Cristo, bom pastor. A Igreja é a agricultura ou o campo de Deus plantada pelo celeste agricultor como uma vinha eleita; é também muitas vezes chamada construção de Deus, tendo como fundamentos os Apóstolos, construção que recebe vários nomes: casa de Deus (1 Tim. 3,15),  habitação de Deus no Espírito (Ef. 2, 19-22), templo santo no qual somos edificados aqui na terra como pedras vivas. A Igreja é também descrita como esposa imaculada do Cordeiro, submissa no amor e fidelidade. Enquanto, na terra, a Igreja peregrina longe do Senhor tem-se por exilada, buscando e saboreando as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus, e onde a vida da Igreja está escondida com Cristo em Deus, até que apareça com seu esposo na glória.

A Igreja é Corpo místico de Cristo por meio do batismo, rito sagrado que representa e realiza a união com a morte e ressurreição de Cristo. A cabeça deste corpo é Cristo, Ele é a imagem do Deus invisível e nele foram criadas todas as coisas e todos os membros devem se conformar com Ele, até que o próprio Cristo se forme neles.  Cristo distribui continuamente, no Seu corpo que é a 
Igreja, os dons dos diversos ministérios, com os quais, graças ao Seu poder, nos prestamos mutuamente serviços em ordem à salvação, de maneira que, professando a verdade na caridade, cresçamos em tudo para Aquele que é a nossa cabeça.

A Igreja é sociedade visível (organizada hierarquicamente) e espiritual (Corpo místico de Cristo), organizada como uma única realidade complexa, formada pelo duplo elemento humano e divino; nela Cristo se estabelece e continuamente a sustenta sobre a terra visivelmente como comunidade de fé, esperança e amor, por meio da qual difunde a verdade e a graça. Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como sociedade, é governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em união com ele e assim como Cristo realizou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, assim a Igreja é chamada a seguir pelo mesmo caminho para comunicar aos homens os frutos da salvação.

CAPÍTULO II: O POVO DE DEUS
Deus escolheu a nação israelita para ser o seu povo, com ela estabeleceu uma aliança; instruiu gradualmente, manifestando-se a si mesmo e ao desígnio da própria vontade na sua história, e santificando-a para si. No entanto, todas estas coisas aconteceram como preparação da nova Aliança que em Cristo havia de ser estabelecida, chamando o Seu povo de entre os judeus e os gentios, para formar o Povo de Deus. Este povo messiânico tem por cabeça Cristo e a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, em cujos corações o Espírito Santo habita como num templo. A sua lei é o novo mandamento e tem por fim o Reino de Deus, o qual, começado na terra pelo próprio Deus, se deve desenvolver até ser também por ele consumado no fim dos séculos. Estabelecido por Cristo como comunhão de vida, de caridade e de verdade, este povo é também por Ele assumido como instrumento de redenção universal e enviado a toda a parte como luz do mundo e sal da terra ( Mt. 5, 13-16). 

Mas, assim como Israel é já chamado Igreja de Deus, o novo Israel se chama também Igreja de Cristo (Mt. 16,18), pois que Ele a adquiriu com o seu próprio sangue, encheu-a com o seu espírito e dotou-a dos meios convenientes para a unidade visível e social. Aos que se voltam com fé para Cristo, autor de salvação e princípio de unidade e de paz, Deus chamou-os e constituiu-os em Igreja, a fim de que ela seja para todos e cada um sacramento visível desta unidade salutar. Destinada a estender-se a todas as regiões, ela entra na história dos homens, ao mesmo tempo que transcende os tempos e as fronteiras dos povos. Caminhando por meio de tentações e tribulações, a Igreja é confortada pela força da graça de Deus que lhe foi prometida pelo Senhor para que não se afaste da perfeita fidelidade por causa da fraqueza da carne, mas permaneça digna esposa do seu Senhor.

Jesus Cristo fez do novo povo sacerdócio santo, para que, por meio de todas as obras próprias do cristão, ofereçam sacrificios espirituais e anunciem os louvores daquele que das trevas os chamou à sua admirável luz. O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial, embora se diferenciem, ordenam-se mutuamente um ao outro; pois um e outro participam do único sacerdócio de Cristo. O sacerdócio ministerial forma e conduz o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo e oferece-o a Deus em nome de todo o povo; o sacerdócio comum tem parte na Eucaristia e exerce o sacerdócio na recepção dos sacramentos, na oração e ação de graças, no testemunho da santidade de vida e na caridade operosa.

O Povo santo de Deus participa também da função profética de Cristo, difundindo o seu testemunho vivo, sobretudo pela vida de fé e de caridade oferecendo a Deus o sacrifício de louvor. Além disso, o mesmo Espírito Santo não só santifica e conduz o Povo de Deus por meio dos sacramentos e ministérios e o adorna com virtudes, mas distribui também graças especiais entre os fiéis de todas as classes, as quais os tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e encargos, proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla edificação da Igreja.

Ao novo Povo de Deus todos os homens são chamados (universalidade e catolicidade). Em virtude desta mesma catolicidade, cada uma das partes traz às outras e a toda a Igreja os seus dons particulares, de maneira que o todo e cada uma das partes aumentem pela comunicação mútua entre todos e pela aspiração comum à plenitude na unidade. Daí vem que o Povo de Deus não só se forma de elementos oriundos de diversos povos mas também se compõe ele mesmo de várias ordens. Todos os homens são chamados a esta unidade católica do Povo de Deus, a qual anuncia e promove a paz universal; a ela pertencem, de vários modos, ou a ela se ordenam, quer os católicos quer os outros que acreditam em Cristo quer, finalmente, todos os homens em geral, pela graça de Deus chamados à salvação.

Os fiéis católicos tem necessidade da Igreja, pois ela é instrumento de salvação, tendo Cristo como mediador e caminho. Não se salva, porém, embora incorporado à Igreja, quem não persevera na caridade. Lembrem-se, porém, todos os filhos da Igreja que a sua sublime condição não é devida aos méritos pessoais, mas sim à especial graça de Cristo; se a ela não corresponderem com os pensamentos, palavras e ações estarão bem longe de salvarem-se.

A Igreja também estabelece vínculos com os cristãos não-católicos por meio da Sagrada Escritura como norma de fé e de vida, pela fé de coração em Deus Pai, em Cristo e no Espírito Santo, que em todos atua com os dons e graças do Seu poder santificador. Deste modo, o Espírito suscita em todos os discípulos de Cristo o desejo e a prática efetiva em vista de que todos, segundo o modo estabelecido por Cristo, se unam pacificamente num só rebanho sob um só pastor. Para alcançar este fim, não deixa nossa mãe a Igreja de orar, esperar e agir, e exorta os seus filhos a que se purifiquem e renovem, para que o sinal de Cristo brilhe mais claramente no seu rosto.

Com os que não creem em Cristo, a Igreja afirma que nem a divina Providência nega os auxílios necessários à salvação àqueles que, sem culpa, não chegaram ainda ao conhecimento explícito de Deus e se esforçam por levar uma vida reta.  Para promover a glória de Deus e a salvação de todos, a Igreja é convidada sempre a pregar o Evangelho, por meio de seu caráter missionário.

A Igreja recebeu dos Apóstolos este mandato solene de Cristo, de anunciar a verdade da salvação e de a levar até aos confins da terra. Faz, portanto, suas as palavras do Apóstolo: “ai de mim, se não anunciar o Evangelho” (I Cor. 9,16), e por isso continua a mandar incessantemente os seus evangelizadores a obra da evangelização.

Roberto Bocalete

quinta-feira, 4 de abril de 2013

A Ressurreição de Cristo e a compreensão da Ressurreição hoje
Por Renold Blank

1. Toda a nossa fé se baseia na ressurreição
A fé na ressurreição é base e fundamento da fé cristã. Sem ela, a fé cristã seria simplesmente mais uma entre muitas outras crenças. Todas elas, assim se poderia então argumentar, tentam de maneira mais ou menos bem-sucedida responder aos anseios existenciais das pessoas; às suas dúvidas a respeito do sentido da vida e às dúvidas diante da indagação sobre se essa vida simplesmente acaba com absurda e detestável experiência da morte ou se atrás dela ainda se abre alguma perspectiva futura.

Já o apóstolo Paulo se deu conta da importância dessa questão, e a sua resposta é bem clara: “[...] se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa fé” (1Cor 15,14).

Nessa mesma perspectiva, o autor dos Atos dos Apóstolos mostra que a mensagem da ressurreição provocou troça por parte de uns (cf. At 17,32) e agressividade ou rejeição por parte de outros (cf. At 4,2). Essa experiência não mudou muito até os dias atuais. Há, de fato, um contingente considerável de pessoas que não acreditam na ressurreição. Tal perspectiva lhes parece irrelevante ou sem grande atratividade.

Há milhões de pessoas que preferem seguir uma das muitas concepções de doutrinas reencarnacionistas. Seguindo sua convicção, mantêm a ideia de que, depois da morte, voltarão a viver outras vivências terrenas em diferentes épocas e lugares. E, finalmente, há aquelas pessoas para as quais ressurreição e reencarnação não se distinguem e, no fundo, são o mesmo.

Independentemente, porém, de todas essas reações escépticas ou críticas, os representantes da Igreja continuam a defender e transmitir a mensagem da ressurreição, e para milhões de cristãos e cristãs essa mensagem realmente se tornou o centro da sua fé. Não é por acaso que o último livro do papa Bento XVI se tornou um best-seller em escala mundial.

Apesar dos ataques e das dúvidas que vêm de todos os lados, a nossa fé mantém a convicção de que existem dimensões do ser humano que ultrapassam aquelas acessíveis às nossas pesquisas científicas e empíricas. A fé cristã continua confiante que, acima de todos os sinais aparentes de morte, a vida triunfará pela força de Deus. Paulo diz claramente que esse Deus “[...] faz viver os mortos e chama à vida as coisas que não existem” (Rm 4,17).

Esse Deus que gera vida solidariza-se de tal maneira com a humanidade, que se encarnou ele mesmo na história humana por meio da pessoa de Jesus Cristo. Jesus viveu todas as alegrias, mas também toda a negatividade e todas as desgraças de uma vida terrena, incluindo até a aniquilação pela morte. Uma morte vergonhosa, aliás, a ponto de ser definida pelo sistema da época como vergonha, loucura e escândalo (cf. 1Cor 1,18; Dt 21,23).

Mas é exatamente nesse aparente fracasso que se manifesta a vitória sobre tudo aquilo que é a morte, porque a cruz e a morte de Jesus não foram o fim da sua história terrena. Foi nesse momento que o próprio Deus demonstrou a todos a sua força. Ele transformou a aparente aniquilação em nova vida, ressuscitando Jesus da morte (At 2,32). Essa ressurreição, assim, confirma para todas as pessoas e para todos os tempos o fato de que a morte, a destruição e o ódio não teriam a última palavra. Deus é mais forte que tudo isso, e tal convicção recebe a sua confirmação pelo fato de ele ter ressuscitado o seu Filho.

Essa ressurreição, além disso, assume o caráter de grande revelação sobre como Deus é, quais serão os seus planos para o mundo e qual será o destino de todo ser humano; a sua mensagem central culmina na confirmação de que, apesar de todas as estruturas de morte que marcam a história do mundo, a vida finalmente triunfará sobre toda morte e toda negatividade, porque Deus é o Deus da vida. Disso Deus deu seu testemunho ao ressuscitar seu Filho da morte. Dessa forma, a ressurreição permanece sendo, até o fim da história, a base e o ponto central de tudo aquilo em que, por nossa fé, acreditamos.

2. Mas será que temos alguma prova de que a ressurreição de Jesus realmente aconteceu?

As pessoas de hoje estão acostumadas a um pensamento científico, que se fundamenta em provas e confirmações empíricas. Assim sendo, não é de admirar que, também diante da mensagem da ressurreição, há cada vez mais pessoas que perguntam por uma prova desse fenômeno. De certa maneira, é até compreensível esse desejo, uma vez que a mensagem da ressurreição é assunto absolutamente central da nossa expectativa religiosa. Já mencionamos que Paulo, não sem razão, formula claramente que, “se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa fé” (1Cor 15,14).

Não obstante essa afirmação, há muitos cristãos que até hoje situam a questão da ressurreição exclusivamente no campo da fé, dizendo que devemos simplesmente acreditar nela. Mas a nova geração aceita cada vez menos declarações como essa. Essa nova geração exige provas. Felizmente, é exatamente perante a questão crucial da ressurreição que de fato temos, pelo menos em termos indiretos, tal prova. A maioria, porém, não a conhece, o que torna sua divulgação mais crucial.

Podemos chamá-la de “prova sociológica da ressurreição”, porque, na sua formulação, segue a argumentação indireta, muito utilizada pelas ciências sociológicas. Para compreendê-la, devemos nos lembrar do significado da crucificação na época de Jesus. Naquela época, a cruz de maneira alguma era sinal de veneração, como é hoje. Era, pelo contrário, o maior sinal de fracasso, vergonha e exclusão. De um crucificado ninguém mais podia falar, nem pronunciar o seu nome. Baseado em Dt 21,23, um crucificado até chegava a ser considerado maldito pelo próprio Deus. Jesus morreu assim e, consequentemente, caiu sobre ele toda a maldição de um crucificado.

Se a história dele tivesse terminado com a cruz, jamais alguém teria continuado a falar dele, porque, de um maldito por Deus, naquela constelação sociorreligiosa, já nem se podia falar. Essa consequência certamente era também entendida e tencionada por aqueles que ordenaram a crucificação de Jesus. O fato é que, se as pessoas não tivessem voltado a falar dele naquela época, também nos dias atuais ninguém mais falaria. Todavia, é assunto em pauta nos dias de hoje. Não só se fala dele, mas sobretudo se fala de sua pessoa, de suas obras, a ponto de se formar uma religião com bilhões de adeptos.

Como isso foi possível? Seria por causa da cruz?
 Impossível! Já vimos que de um crucificado ninguém mais podia falar.
As pessoas voltaram a falar de Jesus porque, depois da sua crucificação, depois da sua morte na cruz, aconteceu algo que era tão chocante, tão novo, tão absolutamente impressionante, que era possível voltar a falar dele. Não por causa da cruz, mas apesar da cruz.

O que é que havia acontecido? As testemunhas, em unanimidade, dizem o mesmo: Ele voltou à vida!  Deus o ressuscitou!

A partir daí, foi possível voltar a falar dele, já que se tratava de um ressuscitado. De um ressuscitado era possível contar a vida, bem como falar da sua mensagem. Passo a passo, sob o impacto da ressurreição, até o sinal vergonhoso da cruz começou a mudar de significado e se tornou o grande sinal dos seguidores do Ressuscitado. Dessa maneira, o fato de esses seguidores existirem hoje é a maior prova daquilo em que fundamentam a sua fé: a ressurreição.[1]

3. Também na ressurreição, Deus age de maneira discreta

Apesar de ser elemento central de todo o discurso sobre Deus e do projeto que tem para os seres humanos e o mundo, a ressurreição não se manifesta de maneira triunfal e irresistível, a ponto de ninguém jamais duvidar dela. Em vez disso, também ela permanece dentro da lógica de um Deus cujo agir não subjuga com força e poder de tal maneira que ninguém lhe possa resistir.

Também na realização da prova mais significante daquilo que será o último destino da criação, Deus permanece discreto, suave e até um pouco tímido. Ele não se manifesta por meio do vento impetuoso, nem por meio do fogo ou de um terremoto, mas no “murmúrio de uma leve brisa” (cf. 1 Reis 19,11-12). É essa leve brisa que, com o passar do tempo, modula as rochas mais duras e os corações mais fechados.

Deus, de fato, não age como os humanos em geral gostariam que ele agisse: com poder e glória, por meio de macroestruturas que esmagam. O seu agir, bem pelo contrário, é marcado por suave ternura, e é ela que possibilita ao ser humano gozar de sua liberdade.

Assim, constatamos que também diante do evento mais tremendo de toda a história do cosmo as pessoas podem permanecer incrédulas, fechadas e até negativas. Com efeito, até hoje muitos não acreditam na ressurreição de Jesus, assim como não acreditam na própria ressurreição. Todavia, ela acontecerá! E, sendo assim, vale a pena refletir sobre ela.

4. Ressurreição é a transformação inteira e global do ser humano por dentro de nova maneira de ser

A compreensão da ressurreição como transformação se encontra em lugar dominante nos escritos de Paulo. Ainda em uma perspectiva apocalíptica, ele escreve em 1Cor 15,51: “[...] todos seremos transformados”. E no cap. 15 da mesma carta, recorre à imagem metafórica da semente que parece morrer, mas na realidade se transforma em planta (cf. 1Cor 35-39). Em 2Cor 3,18, finalmente, o mesmo Paulo denomina a ressurreição uma transformação em termos de uma “metamorfose”: “[...] todos nós [...] somos transformados [metamorfouetá] de glória em glória [...] pela ação do Espírito do Senhor”.

Todavia, jamais essas imagens metafóricas sugerem a concepção da ressurreição como revitalização do cadáver. É exatamente isso que ela não é! Ressurreição é muito mais e é algo bem diferente.

Ressurreição tampouco significa a volta para nova vivência terrena. Conforme a religião cristã, esta vida humana, incluindo a sua morte, é vivida somente uma única vez. Assim já o formula claramente o autor da carta aos Hebreus: “Para os homens está estabelecido morrerem uma vez [...]” (Hb 9,27; cf. também: Catecismo da Igreja Católica, n. 1.013).

Ressurreição, consequentemente, não tem nada que ver com reencarnação. Ela, em vez disso, deve ser compreendida como transformação plena e total da maneira de ser de uma pessoa. O autor dessa transformação é Deus. Esse Deus mantém tudo aquilo que o ser humano é, mas a sua maneira de existir será transformada em analogia com aquilo que acontece com uma semente que se transforma em planta (cf. 1Cor 15,35-38.42-44).

Essa mesma concepção vem à tona também quando, na tradição narrativa dos textos bíblicos, se recorre a descrições das aparições de Jesus ressuscitado. Todos os evangelhos sustentam bem, por meio do gênero literário da narração, que o Ressuscitado é de fato aquele mesmo Jesus que os discípulos já conheciam antes. Mas, ao mesmo tempo, fazem questão de mostrar que a maneira de ser desse Jesus ressuscitado, agora, é bem diferente. Podemos mostrar isso, pela justaposição dos versículos respectivos, em alguns dos textos bíblicos que tratam do assunto:
  
A maneira de ser do Ressuscitado é diferente
Mas ele é o mesmo Jesus que os discípulos já conheciam
Jo 20,26: Ele entra apesar de as portas estarem fechadas.
Ele pode ser tocado por Tomé.
Jo 20,27: As chagas não doem mais, de tal maneira que Tomé pode tocá-las.
Ele mantém as chagas da crucificação.
Jo 20,14ss: A sua aparência é diferente, de tal maneira que Maria Madalena inicialmente pensa que é o jardineiro.
Ele é realmente o Mestre e Rabboni.
Jo 21,4-5: Os discípulos não o reconhecem quando pergunta se há algum peixe para comer.
Pedro o reconhece, quando se repete a pesca milagrosa de Lc 5.
Lc 24,13-32: Dois discípulos andam horas com ele, pensando que é um forasteiro.
Eles o reconhecem quando repete o gesto da última ceia.

Nos textos acima, os autores bíblicos recorrem ao gênero literário da tradição narrativa para expressar, por meio de objetivações, uma das verdades fundamentais daquilo que é ressurreição: ela não é simples volta a uma vida terrena. Tampouco é “a ideia de uma devolução do corpo às almas após um prolongado intervalo [...]” (RATZINGER, 2005, p. 305), “à qual, no entanto, reduzimos em nossa concepção” (Ibid., p. 299-309).

Em vez de recorrermos a tais objetivações, de longe superadas pela reflexão teológica, devemos compreender a ressurreição em dimensões muito mais amplas e mais complexas. Ressurreição significa a transformação estrutural da maneira de ser de uma pessoa. Essa transformação mantém a essência da pessoa, mas muda totalmente a sua aparência fenomenológica.

5. Ressurreição ultrapassa a dimensão individual e inclui a criação inteira

O evento da ressurreição não se limita ao mundo restrito de um indivíduo. Em vez disso, implica e inclui também tudo aquilo que esse indivíduo era e fez no decorrer de toda a sua vida vivida. Essa dimensão histórica e cósmica daquilo que chamamos de ressurreição foi encoberta por uma restrição dualista, na qual toda discussão se limitou a falar de uma ressurreição do corpo, enquanto a alma já em si seria imortal, de tal maneira que no fundo nem precisaria haver a ressurreição. As novas concepções antropológico-fenomenológicas, junto com as atuais pesquisas neurobiológicas, felizmente superaram esse modelo limitado do ser humano. Ele, aliás, nunca correspondeu à concepção antropológica da Sagrada Escritura.

Baseado nesta, fica claro que Deus não ressuscita uma alma, desligada de todas as dimensões terrenas e materiais, mas tampouco ressuscita somente um corpo material. Deus, em vez disso, ressuscita o ser humano inteiro, global, com todas as suas dimensões. A todas elas dá imortalidade; em outras palavras, ele as inclui e integra por dentro de uma maneira de ser da qual a morte e toda a sua negatividade já não fazem parte e que, em última análise, significa ser amparado no amor infinito desse Deus.

O que, porém, está sendo amparado é a pessoa inteira e integral, com toda a sua realidade de vida vivida; com as suas dimensões individuais, sociais, históricas e até cósmicas. Todas essas dimensões fazem parte da vida vivida de uma pessoa, e todas elas serão integradas por dentro da nova realidade de vida que vem de Deus.

É nesse Deus que a pessoa humana, e com ela todo o cosmo dentro do qual a pessoa se moveu e viveu, encontra a sua plenificação, o seu amparo e o seu último destino, que é a imortalidade. Em decorrência disso, a ressurreição ultrapassa em muito a dimensão do indivíduo como tal. Com efeito, abrange a criação como um todo, de tal maneira que já Teilhard de Chardin, em contexto similar, podia falar de uma “cristificação do cosmo”.

Esse cosmo, como Paulo o formula em Rm 8,21-27, “tem gemido e sofrido as dores de parto”. Com essa imagem, já o apóstolo interliga a dimensão da transformação individual da pessoa com a ideia de que essa transformação radical tem uma dimensão que abrange a criação inteira e global.

O processo da transformação radical do indivíduo, que chamamos de ressurreição, de fato não diz respeito somente à pessoa humana individualizada. A sua vigência inclui também todo o contexto social, histórico e cósmico dentro do qual essa pessoa viveu, do qual fez parte e com o qual constantemente interagiu. Por essa interação, todo ser humano é integrado e intimamente interligado com a criação inteira. Uma parte dela, por assim dizer, está sendo humanizada pela vida da pessoa e, consequentemente, faz parte também do processo de transformação radical que chamamos de “ressurreição dessa pessoa”.

Essa perspectiva cósmica, aliás, outra vez encontra a sua base no grande apóstolo e pensador da Igreja primitiva, Paulo. Este formula explicitamente em Rm 8,21 a esperança de que toda criação será “libertada da servidão da corrupção para participar livremente da glória dos filhos de Deus”.

6. Também a palavra do “túmulo vazio” aponta para um significado além do individual

Na perspectiva acima desenvolvida, também o topos bíblico do “túmulo vazio” alcança um significado que ultrapassa em muito o seu sentido objetivo. Insistindo que “o túmulo de Jesus estava vazio”, a Igreja primitiva expressou não somente o fato da ressurreição em si, mas também o seu significado: a superação de toda dimensão de corruptividade, simbolizada pela putrefação que se verificaria dentro de um túmulo não vazio. Tudo isso é superado pelo agir de Deus. O seu agir implica o mundo empírico, mas o ultrapassa em muito, abrindo novas dimensões além de tudo aquilo que podemos imaginar. Por causa disso, Paulo pôde exclamar que “nem o olho viu nem o ouvido ouviu, nem jamais passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que o amam” ( 1Cor 2,9).

7. Ressurreição como promessa e antecipação

Tudo isso e muito mais a mensagem bíblica da ressurreição de Jesus quer transmitir. Mas a Escritura compreende essa ressurreição não simplesmente no sentido de um relato histórico, por meio do qual informa sobre um acontecimento do passado que diz respeito a certa pessoa. Para a Bíblia e para toda a Igreja desde as suas primícias, a ressurreição de Jesus sempre teve o caráter de promessa e antecipação. Paulo formula tal convicção de maneira bem clara em 1Cor 6,14 e em Rm 8,11: Deus, que ressuscitou o Senhor, também nos ressuscitará a nós pelo poder. (1Cor 6, 14); quem ressuscitou Jesus Cristo dos mortos também dará vida a vossos corpos mortais por virtude do Espírito que habita em vós. (Rm 8,11)

O fato de Deus ter ressuscitado Jesus se torna assim a prova e a confirmação para a esperança de que cada um de nós, na sua morte, também será ressuscitado. É essa a grande promessa, formulada também pelo próprio Jesus Cristo. O Evangelho de João a põe na boca de Jesus pelas seguintes palavras: Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu ressuscitá-lo-ei no último dia. (Jo 6,54)

Pela ressurreição de Jesus, o próprio Deus também confirma essa promessa, de tal maneira que o fato de Jesus ter sido ressuscitado se torna, olhando de outro ângulo, novamente peça-chave para toda a fé cristã, e isso dentro dos seguintes cinco enfoques (cf. BLANK, 2007, p. 28-29):

1. Deus, ressuscitando Jesus, provou que é capaz de ressuscitar mortos. Na ressurreição do Jesus morto, Deus comprova aquilo que até aquele momento só era crença: ele ressuscitou alguém que de fato tinha sido morto. Assim comprovou a crença como certa e mostrou concretamente que realmente é um Deus mais forte que a morte.

2. Ressuscitando Jesus, Deus confirma que ele é assim como esse Jesus tinha dito: O DEUS DA VIDA.

3. Ressuscitando Jesus morto, Deus dá fundamento sólido à esperança em nossa própria ressurreição, assim como Paulo o formula: é com base no fato de Deus ter ressuscitado Jesus que se pode acreditar na ressurreição de todos os mortos.

4. Ressuscitando Jesus, Deus se revela fiel ao ser humano.

5. Ressuscitando Jesus, Deus comprova que ele se solidariza com Jesus e com tudo aquilo que Jesus tinha dito e feito. Uma das grandes promessas de Jesus tinha sido a garantia de que ele nos ressuscitaria. Ressuscitando Jesus, o próprio Deus Pai dá a essa promessa o seu peso de veracidade absoluta.

8. Ressurreição como concretização da última solidariedade de Deus com o ser humano

Com base nas afirmações acima, a fé cristã formula a sua esperança de que essa solidariedade incondicional de Deus, manifestada na ressurreição de Jesus, se estende a partir dele a todos os seres humanos. Desenvolvendo essa ideia com base na concepção de um Deus que ama esses humanos, pode-se chegar, finalmente, a uma correlação interessante desse amor com a ressurreição.

Numa reflexão fascinante sobre aquilo que é o amor, Josef Pieper mostra que a essência do amor é a aceitação incondicional do outro, simplesmente porque esse outro existe. Essa aceitação se manifesta pela expressão “é bom que tu existes” (PIEPER, 2000, p. 200). Tal aceitação, porém, não se formula a posteriori, em consequência de uma vida vivida que justificaria a afirmação. Não, ela se expressa a priori, simplesmente por causa do fato da existência da pessoa amada.

Aplicando essa concepção àquilo que acontece com o ser humano no momento da ressurreição, poder-se-ia imaginar, em termos de analogia, que o Deus que ama também fala à pessoa em questão estas mesmas palavras: “É bom que tu existes”! Essa afirmação implica necessária e consequentemente a vontade divina de que esse ser humano amado exista para sempre. A ressurreição da pessoa humana por parte de Deus seria assim a concretização de tudo aquilo que Paulo formula em 1Cor 13,1-13: o amor de Deus é mais forte que a morte. É ele que tem a última palavra, contra todas as manifestações da morte, da rejeição e do pecado.

É assim que podemos sintetizar toda a questão sobre o significado da ressurreição: ela é a expressão e a confirmação do fato de o último destino de toda pessoa e da criação inteira ser o repousar no amor inimaginável daquele que criou a todos nós. É para isto que Deus ressuscita todo ser humano depois de uma única vida vivida: para que esse ser seja eternamente amparado no seu amor; para que – balbuciando e hesitando, tenho a coragem de o formular – também Deus seja amparado no amor daqueles pelos quais ele se apaixonou, os seres humanos.


Renold Blank: Doutor em Teologia e em Filosofia, licenciado em Letras, professor titular da Pontifícia Faculdade de Teologia de São Paulo. Além disso, é professor do Instituto de Teologia de São Paulo e do Instituto Teológico Pio XI. De 1985 até 1994, foi diretor do Instituto de Teologia para Leigos, em Santo Amaro. Publicou diversos livros na América Latina e na Europa, entre os quais: Reencarnação ou ressurreição – uma decisão de fé; Escatologia da pessoa –vida, morte e ressurreição; Escatologia do mundo – projeto cósmico de Deus; Creio na ressurreição dos mortos; Creio na vida eterna; A face mais íntima de Deus; Encontrar sentido na vida – propostas filosóficas; Ovelha ou protagonista? – a Igreja e a nova autonomia do laicato no século 21.

BIBLIOGRAFIA

BLANK, Renold. Creio na ressurreição dos mortos. São Paulo: Paulus, 2007.

______. Reencarnação ou ressurreição. São Paulo: Paulus, 2008.

PIEPER, Josef. Über die Liebe (Sobre o amor). München: Kösel, 2000.

RATZINGER, Joseph. Introdução ao cristianismo. São Paulo: Loyola, 2005.


[1] O texto segue com certas modificações o cap. 23 de BLANK, R. Creio na ressurreição dos mortos. São Paulo: Paulus, 2007, p. 24-25. Cf. também: BLANK, R. Reencarnação ou ressurreição. São Paulo: Paulus, 2008, p. 89-93.