Ola catequistas! Depois de alguns dias de férias e descanso, retomarei nossas reflexões! Para este Ano da fé, nossas reflexões vão no caminho da experiência da fé vivida, celebrada e professada com autenticidade! Senti saudades, mas em breve, nos comunicaremos com frequência! Para iniciar, postei um texto muito interessante do Pe Manuel Hurtado, sj. Boa leitura, boa reflexão, abraços...
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Crer em Jesus Cristo hoje
Por Pe. Manuel Hurtado*, sj
Esta é a vida cristã: vivermos “[...] com os olhos fixos
naquele que é o autor e realizador da fé, Jesus” (Hb 12,2).
INTRODUÇÃO
Que significa crer em Jesus Cristo hoje? Sua vida, sua
pessoa e seu estilo de viver ainda nos dizem alguma coisa? A mais de 2 mil anos
das primeiras comunidades que com ele viveram, somos instigados a interrogar
nossa fé em Cristo. É essa interrogação que nos permitirá entrar no âmago do
sentido do crer em Jesus Cristo hoje. Não se trata simplesmente de dar uma
resposta conhecida, pronta, como a de muitos catecismos e livros de formação
que circulam em nossas paróquias. Tampouco se trata de dar resposta que busque
um recuo identitário e excludente, pouco dialógico, ao qual estão tentados
alguns grupos cristãos contemporâneos. Torna-se necessária uma resposta mais de
cunho pessoal e experiencial, resposta que transpasse nossas entranhas crentes.
Uma resposta crente, sim, que, contudo, não ignore a contribuição das pesquisas
históricas realizadas sobre Jesus, especialmente durante o século passado e
inícios deste. É necessário voltar ao elementar da fé e da vida cristã.
A imagem de Jesus Cristo foi deturpada ao longo das épocas.
Houve uma multiplicidade de imagens de Jesus Cristo em circulação, e muitas
delas ainda circulam em nossos dias. A figura de Jesus de Nazaré esteve sempre
exposta e indefesa, muitas vezes à mercê dos desejos desordenados dos seres humanos.
O Jesus dos evangelhos foi se diluindo num mar incomensurável de ícones
falsificados. Por isso, crer em Jesus Cristo hoje não é algo evidente.
Constatamos que a fé cristã, nos dias atuais, não se transmite mais
culturalmente como aconteceu durante vários séculos em nosso continente… A
matriz cultural da fé cristã que tornava possível a sua transmissão já não é
onipresente.
Sabemos bem que muitos que professam a fé cristã acreditam
em tudo, menos em Jesus Cristo morto e ressuscitado! Sentimos que a vida cristã
se separou paulatinamente do que lhe é central: viver seguindo o estilo de
Jesus de Nazaré. O cristianismo foi aos poucos acumulando lastros inúteis,
sobrepondo à imagem do Jesus dos evangelhos e ao cristianismo histórico uma
série de práticas piedosas, devoções quase idolátricas e rituais exangues que
conduziram à deturpação da espiritualidade, da oração e do culto cristão.
Lamentavelmente, aquilo que era completamente marginal, secundário e
prescindível tornou-se fundamental, primário e indispensável.
Nosso itinerário é simples. Trata-se de um caminho de volta
a Jesus. Desenvolve-se revisitando alguns lugares fundamentais de sua vida. Se
voltarmos aos caminhos de Jesus, é para reconhecê-lo neles. Se transitarmos
pelos caminhos da comunidade cristã nascida depois da Páscoa, é para tentarmos
percorrer, ao mesmo tempo, os caminhos de nossa própria comunidade de fé, isto
é, revitalizar a nossa fé em Jesus, confessado como o Cristo. É para sermos
cristãos ao estilo de Jesus Cristo, autor e realizador de nossa fé.
1. Voltar a Jesus: memoria Iesu
Essa recordação passa pela lembrança de um caminho: o
caminho de Jesus com os que o seguiam antes e depois da Páscoa. Se quisermos
voltar a Jesus, devemos entrar nesse mesmo caminho que ele e seus seguidores
percorreram. Nesse caminho de recordação, não estamos sozinhos. O Espírito
Santo é quem está no coração mesmo do exercício da memoria Iesu. Com efeito,
João nos diz que o Espírito Santo que o Pai enviará em nome de Jesus é que nos
ensinará tudo e nos recordará tudo o que Jesus nos disse (cf. Jo 14,26).
Hoje a comunidade cristã constituída tem a responsabilidade
de levar viva a memória de Jesus Cristo. De fato, não poderíamos ter acesso a
Jesus se não houvesse homens e mulheres que dele fizessem memória. Por isso, o
grande desafio da fé cristã está em saber que memória está sendo feita de Jesus
Cristo. O flagrante perigo de nossa época é voltar a falsificar a imagem dele.
São muitas as tentações contemporâneas, mesmo tentações eclesiais, de querer
novamente fazê-lo à nossa própria imagem e segundo nossos próprios interesses.
Justamente aí reside a importância de levar em conta os estudos históricos
sobre Jesus. Isso pode garantir, em parte, que não o tornemos uma marionete que
faça e diga o que nos convém. A recordação de Jesus deve necessariamente passar
pela Galileia, mas não sem passar pelo Gólgota, lugar onde desaparece toda
ambiguidade possível na fé em Jesus Cristo, no seu seguimento, na vida cristã.
Nós, comunidade cristã contemporânea, não fomos os primeiros
a fazer memória de Jesus Cristo. Se hoje podemos recordar Jesus, é porque antes
de nós foi feita a memória dele pela comunidade de fé, pela sua Igreja. Nesse
sentido, podemos dizer que a recordação de Jesus Cristo passa pela
reminiscência da história da Igreja que testemunhou essa memória viva dele, sem
esquecer que esse testemunho também é feito da recordação dos esquecimentos e
perversões da figura de Jesus, da recordação da “deslembrança” da singularidade
desse homem de Nazaré confessado como o Cristo. A fé em Jesus Cristo existe
como vitória da memória na luta contra o esquecimento. Jesus Cristo existe no
risco do esquecimento, no risco do olvido dos homens…
Em síntese, não poderíamos fazer a memória de Jesus Cristo
sem passar pela memória da vida da Igreja, memória que pode remontar até a
“lembrança primordial” de Jesus Cristo que chega até nós pela mediação do
testemunho das primeiras comunidades cristãs que o proclamavam e adoravam,
vivendo e morrendo por ele. Essa “lembrança primordial” situa-nos bem antes dos
desenvolvimentos doutrinais ou dos credos do século II. Sabemos que bem no
começo não havia doutrinas nem dogmas. Tampouco havia um modo único,
universalmente aceito, de acreditar em Jesus, nem sequer existia um modo único
de segui-lo.
2. Crer em Jesus Cristo é crer ao estilo de Jesus
Se essa afirmação é verdadeira, devemos saber como Jesus
cria. Ele precisava crer? Sim, definitivamente. É isso que importa em primeiro
lugar. Ele vivia a experiência de crer inserido no âmago da condição humana, no
meio do claro-escuro da história. Jesus era um homem que buscava e perscrutava
o horizonte. Longe de ser um vidente, um iluminado, faz um caminho de buscas
humanas, caminho onde os atos de fé se tornam seu pão cotidiano, especialmente
nos momentos de escuridão e de crises. É precisamente nesses momentos que a
confiança fundamental no Pai se faz necessária e se torna apoio na descoberta
progressiva da sua missão e da surpreendente vinda do Governo de Deus que se
manifesta em suas palavras e obras. Diante das dificuldades do caminho e das
necessidades implicadas na história do fracasso aparente (era “necessário” que
o Filho do homem sofresse muito! – Mc 8,31), Jesus abre-se radicalmente ao Pai
em atitude de confiança total, abandonando-se por inteiro nas mãos de quem o
acolherá no instante mais escuro da sua existência, no momento da paixão e da
morte. Acreditar ao estilo de Jesus é acreditar a partir do mais profundo do
abismo.
A fé vivida por Jesus revela uma confiança radical no Pai,
especialmente nos momentos-limite da existência, mas não só naqueles momentos
extremos. Essa confiança está presente no ordinário dos seus dias, manifestada
na contínua e crescente intimidade com o Pai, nos longos momentos de oração
pessoal e na compreensão do cerne das coisas humanas no grupo de amigos e
amigas que aos poucos foi se constituindo pela vocação. Experiência vital que
passa da aclamação mais admirativa da ação do Pai na criação e no coração dos
pequeninos à dramaticidade mais profunda da humanidade sem defesa na angústia
do Getsêmani. Nesses momentos derradeiros, é a fé-confiança de Jesus no Pai que
aparece em primeiro lugar.
Crer em Jesus Cristo é crer ao estilo de Jesus, precisamente
quando se crê na tentação, no sofrimento e na paixão, quando a “divindade se
esconde”, quando Deus se torna discreto e só se escuta o silêncio extremo do
abandono no “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Silêncio
rompido só por outra palavra que interpreta o abandono-confiança: “Pai, em tuas
mãos entrego meu espírito” (Lc 23,46). A fé-confiança de Jesus, no limite, no
extremo das possibilidades humanas, é acreditar no poder do seu Deus e Pai.
3. Crer em Jesus Cristo é crer no Deus de Jesus
Sabemos quem é Deus porque Jesus nos revela a identidade de
Deus. “Ninguém jamais viu a Deus: o Filho unigênito, que está no seio do Pai,
este o deu a conhecer” (Jo 1,18). Crer em Jesus é crer no Deus de Jesus, porque
isso nos afasta do erro comum e constante de muitos cristãos de projetar sobre
Jesus ideias preconcebidas de Deus. Só sabemos quem é Deus com base nas obras e
palavras de Jesus. De fato, é Jesus quem mudou a ideia de Deus, impedindo-nos
de inserir na palavra “Deus” uma série de ideias a respeito da divindade. Jesus
é quem nos mostra qual é o conteúdo e a compreensão da divindade. Jamais o
contrário. Agora só nos resta contemplar Jesus para contemplarmos o ícone
verdadeiro de Deus.
Contemplando Jesus, damo-nos conta de que seu Pai não deseja
ser servido, mas servir à humanidade. Contemplando a figura de Jesus nas
bem-aventuranças, descobrimos que Deus não deseja ser temido e obedecido, mas
quer ser reconhecido na dor e no sofrimento do inocente. Ao contemplar o
conhecido “a mim o fizestes” de Mt 25, percebemos que Deus não é um Deus
separado da vida do ser humano. Contemplando a profunda humanidade do homem
Jesus, tomamos consciência de que Deus é humano e que só com base nessa
singular humanidade de Jesus podemos intuir a singular divindade de Deus, isto
é, uma divindade que passa pelo crisol da humanidade. Crer em Jesus Cristo é
crer no Deus dos seres humanos e para os homens (Mt 1,23; 28,20; Rm 8,31). Em
síntese, crer em Jesus Cristo implica crer que Deus não é sem nós, Deus não é
sem os seres humanos.[1]
4. Crer em Jesus Cristo é seguir Jesus
O seguimento de Jesus configura e define a nova proposta de
vida decorrente da sua pregação e da sua práxis. Essa nova proposta de vida
continua mesmo depois do evento pascal, isto é, depois da morte e ressurreição
de Jesus. Ora, sabemos que o seguimento dele diz bem o que é a vida cristã. No
entanto, podemos nos perguntar se hoje ainda é válido falar em seguimento,
visto já não ser possível seguir Jesus, literalmente, pelas estradas
empoeiradas da Galileia. Certamente, quando falamos de seguimento, não o
levamos ao pé da letra; pensamos, sobretudo, em seguir, metaforicamente, o
rastro de Jesus. Numa palavra, seguir Jesus significa hoje viver ao estilo de
Jesus.
A Galileia foi o lugar onde o seguimento começou (At 10,37).
Mas de fato, nessas terras, houve duplo começo: o do seguimento pré-pascal e o
do seguimento pós-pascal. Antes da Páscoa, Jesus chamou os discípulos nessa
província, mas, depois da Páscoa, ela também foi ponto de partida para que os
discípulos e discípulas continuassem no seguimento de Jesus, anunciando o
evangelho. Sem dúvida, a Galileia é muito mais que um lugar geográfico, é um
lugar teológico. Marcos é quem insiste que a Galileia é lugar do encontro com o
Ressuscitado (Mc 14,27-28; 16,7). O retorno para a Galileia é equivalente a
voltar à fé em Jesus Cristo. Precisamente aí é que as aparições do Ressuscitado
aconteceram. A Galileia, terra onde o reconhecimento do Ressuscitado se
realizará graças ao Espírito dado pelo Senhor. O Espírito que nos leva a crer
que Jesus é o Cristo é o mesmo Espírito que nos faz dizer: “Jesus é Senhor”
(1Cor 12,13). Doravante, será necessário reconhecer o Ressuscitado no caminho
(Lc 24,13-35).
5. Crer em Jesus Cristo é levar em nosso corpo as marcas de Jesus
À maneira de Paulo, crer em Jesus Cristo implica levar as
marcas de Jesus no próprio corpo. “Doravante ninguém mais me moleste. Pois
trago em meu corpo as marcas de Jesus” (Gl 6,17). Essas marcas de Jesus em
nosso corpo significam que levamos o selo de Jesus. Esse selo que é a garantia
de que lhe pertencemos totalmente. Somos do Senhor Jesus. Ele nos marcou com o
selo indelével do seu coração traspassado (Jo 19,34). Isso tudo evoca
certamente em nós o conhecido texto do Cântico dos Cânticos: “Coloca-me como um
selo sobre teu coração, como um selo em teu braço” (Ct 8,6). Também vêm à nossa
memória as palavras do Evangelho de João: “Trabalhai não pelo alimento que se
perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, alimento que o Filho
do homem vos dará, pois Deus, o Pai, o marcou com seu selo” (Jo 6,27). Trata-se
da marca do Espírito Santo que recebemos no batismo.
Esse último texto tem conotações trinitárias evidentes. Nas
marcas de Cristo somos envolvidos na vida de Deus. É isso que nos lembra Ap
14,1: “Eis que o Cordeiro estava de pé sobre o monte Sião com os cento e
quarenta e quatro mil que traziam escritos na fronte o nome dele e o nome do
seu Pai”; e também Ef 1,13: “Nele, vós, tendo ouvido a palavra da verdade – o
evangelho da vossa salvação – e nela tendo crido, fostes selados pelo Espírito
da promessa, o Espírito Santo”. Assim, nós, acreditando no Filho, somos tocados
pela vida da Trindade, levando a marca do Cordeiro, do Pai e do Espírito.
Mas o que significa levar as marcas de Jesus Cristo?
Trata-se de assumir a “carga” (o fato de “levar” o peso!) que implica o
seguimento do Crucificado. É essa carga que levamos no corpo marcado,
“estigmatizado” cristãmente; isto é, nossa vida configurada à vida de Jesus
Cristo, pela ação do Espírito Santo. Levar as marcas de Jesus equivale a viver
ao estilo de Jesus Cristo. Nossas marcas aparecerão claramente quando lutarmos
pela justiça, quando buscarmos a fraternidade, a igualdade, e gastarmos nossa
vida pela vida em risco dos pequeninos e empobrecidos, quando os famintos e
marginalizados ocuparem lugar central em nossa vida. Levar as marcas de Jesus é
“ter em nós os sentimentos de Cristo Jesus” (Fl 2,5), é nos deixarmos
enriquecer com a sua pobreza (2Cor 8,9). Antes de nós, o Senhor Jesus se identificou
com os pobres da terra, com os que não contam nem para as estatísticas, com
aqueles que não são ninguém. Isso é crer em Jesus Cristo.
6. Crer em Jesus Cristo é crer que ele está vivo, que Jesus
é o vivente
Dizer que Jesus é o Vivente é crer que tudo aquilo que supõe
a desumanidade do ser humano e toda a negatividade da vida está, de fato,
superado na Vida de Jesus. Isso não significa achar que o cristão não tenha
nada mais a fazer. Não! O sentido dessa afirmação é que todos os aparentes “sem
sentidos” da vida humana ganham sentido na Vida de Jesus; que podemos viver na
esperança de que a última palavra está dita na Vida definitiva de Jesus. Esse é
precisamente um dos sentidos primordiais da ressurreição. Na ressurreição de
Jesus, a plenitude do humano é atingida, a realização da vida humana, isto é, a
humanização do ser humano é possível.
Pelo evento da ressurreição, Jesus Cristo é a plenitude do
humano para sempre. É nesse sentido que Jesus é para nós o Vivente. Ele é
aquele no qual a vida humana alcança sua plenitude para ser-nos comunicada.
Vivemos pelo Vivente, somos seres humanos no Vivente. Isso é crer em Jesus
Cristo; isso é crer na Vida do Ressuscitado-Crucificado. Esse é o sentido da
pergunta dos homens com vestes fulgurantes (anjos!) que as mulheres encontraram
no sepulcro de Jesus: “Por que procurais entre os mortos aquele que vive?” (Lc
24,5). Nossa fé em Jesus Cristo empurra-nos a enxergar as possibilidades de
nossa humanidade profunda, a olhar nossas feridas, não nelas mesmas, mas nas
feridas do Ressuscitado. Não podemos buscar o Vivente entre os mortos. Não
podemos buscar nossa vida entre os cadáveres de nossa história pessoal e
comunitária. Os estigmas de Jesus ressuscitado se tornam para nós, cristãos, o
único caminho para contemplar o futuro transfigurado de nossa história
traspassada, sofrida.
Uma palavra para não concluir
A fé em Jesus Cristo não se limita à simples confissão
doutrinal da sua divindade; tampouco conhecer Jesus Cristo se limita ao
conhecimento racional e exterior da sua pessoa. Crer em Jesus Cristo hoje é
maneira concreta de viver como cristão, maneira concreta de segui-lo. A fé em
Jesus Cristo só pode ser entendida hoje como vida configurada segundo o
evangelho de Jesus, como vida que adere existencialmente à pessoa de Jesus
Cristo. Talvez seja esse o sentido da oração de Paulo: “[...] que Cristo habite
pela fé em vossos corações e que sejais arraigados e fundados no amor” (Ef
3,17).
Nós, cristãos, deveríamos ter claro que o cristianismo só
tem sentido se lido e interpretado à luz de Jesus. Toda outra perspectiva ou
chave interpretativa poriam em risco nossa fé cristã iniciada e realizada por e
em Jesus, mas que vai além de Jesus. Ou seja, nossa fé cristã é cristológica,
mas precisamente por isso e nisso ela é trinitária. Que fique claro: se nossa
fé cristã é trinitária, é porque ela é cristológica. Nunca pelo avesso. Jesus é
a revelação de Deus, porque nele Deus se encarnou (Jo 1,14). Não esqueçamos
nunca: se algo sabemos de Deus, é porque Jesus no-lo revelou (Jo 1,18). Só
podemos falar de Deus à luz de Jesus. Esse é o sentido do pensamento de B.
Pascal: “Deus fala bem de Deus” (Pensamentos, n. 799).
Por isso é preciso voltarmos à Galileia. E voltarmos à
Galileia (e a nós mesmos!) é imprescindível para voltarmos a Jesus. Mas não se
trata de voltarmos para ficar estagnados no passado, presos na recordação
melancólica de um pretérito irrepetível. Não. A memória de Jesus é memória para
nos voltarmos ao futuro – não a um futuro incerto, mas ao futuro de Jesus,
transformado pela Páscoa em nosso próprio futuro. A vida cristã, a fé em Jesus
Cristo, consiste em nos deixar alcançar por esse futuro que só podemos viver
como presente, sempre como primícias do vindouro. Nesse sentido, podemos dizer
que o “tempo ordinário” do cristão é em realidade o Advento.
Paradoxalmente, o exercício da memoria Iesu, levando-nos ao
passado, projeta-nos ao futuro, fazendo-nos crentes aqui e agora. Crer só é
possível no coração da tensão entre passado e futuro. Crer como cristão é crer
inclinado ao futuro que nos vem de Jesus, dizendo: “Vem, Senhor Jesus!” (Ap
22,20). Crer em Jesus Cristo é fazer caminho com ele. Fazer caminho com aquele
que inicia e realiza nossa fé. E fazer memória de Jesus Cristo implica caminhar
“com os olhos fixos naquele que é o autor e realizador da fé, Jesus” (Hb 12,2).
Acreditar em Jesus Cristo hoje é uma forma de ser homem ou mulher ao estilo de
Jesus, segundo as exigências do evangelho de Jesus Cristo. É essa nossa fé
elementar em Jesus Cristo para hoje.
* Jesuíta, doutor em Teologia pelas Faculdades Jesuítas de
Paris (Centre Sèvres), professor de Teologia Sistemática na Faculdade Jesuíta
de Filosofia e Teologia (Faje) em Belo Horizonte. Último artigo publicado em
cristologia: “Novas cristologias: ontem e hoje. Algumas tarefas da cristologia
contemporânea”, Perspectiva Teológica, ano 40, n. 112, setembro/dezembro 2008.
E-mail: manuel.hurtado@jesuites.com
BIBLIOGRAFIA
CODINA, Victor. Seguir Jesus hoje: da modernidade à
solidariedade. São Paulo: Paulinas, 1993.
GALILEA, Segundo. Seguir a Cristo. São Paulo: Paulinas,
1978.
MARTÍNEZ, Felicísimo. Creer en Jesucristo, vivir en
cristiano: cristología y seguimiento. Estella (Navarra): Verbo Divino, 2005.
MOINGT, Joseph. La imagen de Jesús. Selecciones de Teología,
Barcelona, v. 47, n. 185, 2008, p. 12-22.
NOLAN, Albert. Jesus antes do cristianismo. São Paulo:
Paulus, 1988.
PALÁCIO, Carlos. Que significa crer em Jesus Cristo hoje?
Horizonte, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, 1/1997, p. 41-54.
SESBOÜÉ, Bernard. Imágenes deformadas de Jesús: modernas y
contemporáneas. Bilbao: Mensajero, 1999.
[1] Cf. DH 425. O Concílio de Constantinopla II afirma que a
união hipostática é katà súnthesin, i.e., “segundo a composição”. Diz-se: “A
santa Igreja de Deus [...] confessa a união de Deus Verbo com a carne segundo a
composição, ou seja, segundo a hipóstase”.
FONTE: Revista Vida Pastoral
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