quarta-feira, 27 de março de 2013

A MÍSTICA DOS GESTOS E AÇÕES SIMBÓLICAS
 Ione Buyst

A expressão mais forte, mais central, mais profunda de nossa relação com Deus, por Jesus Cristo, no Espírito Santo, é a ceia do Senhor, a Eucaristia. Dando graças a Deus pela salvação, realizada na pessoa de Jesus Cristo uma vez por todas, invocamos o Espírito Santo sobre o pão e o vinho, partimos e partilhamos este pão e juntos bebemos este vinho. São para nós que os recebemos na fé, o Corpo e o Sangue de Cristo, sua vida  entregue para a salvação do mundo, sinal de comunhão com o Pai e entre nós, sinal da unidade que desejamos e que Deus prometeu para o mundo inteiro.

Celebrar a ceia do Senhor é anunciar sua morte, proclamar sua ressurreição, aguardar esperançosamente a Vinda do Reino (Cf. 1Cor 11,26). É estampar um sinal profético de uma sociedade renovada na qual se pratica a economia solidária, na qual é eliminada a fome, a miséria, a guerra, a dominação de uma nação sobre a outra. É sinal de que, um dia, todos os seres humanos, todos os povos, todas as culturas reconhecerão uns nos outros,  agradecidos, o rosto do Pai comum. Por isso, é tão importante que se apresse o dia em que todas as Igrejas cristãs possam, reconhecidamente, oficialmente, partilhar a mesa eucarística como testemunho de unidade frente à sociedade, assim como partilhamos a mesa da Palavra e reconhecemos um mesmo batismo realizado em várias Igrejas.

Num mundo marcado pela ganância, por um sistema que faz crescer os ricos e empobrecer ainda mais os pobres, comungar na ceia eucarística é um gesto político: “Receber a comunhão com este povo sofrido, é fazer a aliança com a causa do oprimido...”. É um gesto de compromisso, de mudança de vida: comer do pão e beber do vinho da eucaristia sem querer um compromisso com a solidariedade, com o bem comum, é truncar o sentido da ceia do Senhor ou, como diz São Paulo, é comer e beber sua própria condenação (Cf. 1Cor 11,29).

Na verdade, na ceia eucarística fica bem evidente que a espiritualidade cristã passa necessariamente pela corporeidade, pela ação ritual realizada em comum com gestos e palavras, para fazer memória de Jesus. O Verbo que se manifestou ‘naquele tempo’, que ergueu seu barraco no meio dos nossos, continua se manifestando hoje nas ações litúrgicas, colocando-se ao alcance de nossas mãos, de nossos ouvidos, de nossos olhos..., para que possamos - olhando, ouvindo e tocando - reconhecê-lo, sermos transformados pelo Espírito dele e viver em comunhão com ele e com o Pai (Cf. 1Jo 1,1-4). Isto vale não somente para a eucaristia, mas igualmente para o batismo, a celebração da Palavra, o canto do ofício divino, os gestos, a dança, a organização do tempo e do espaço... Para nós, cristãos, o corpo é templo do Espírito Santo. Por isso, precisamos aprender a realizar cada ação ritual com o máximo de atenção, de presença, de consciência do corpo em sua relação com a mente, o afeto, o espírito e... o Espírito, com o mistério que habita cada ação ritual. Devemos estar prontos para a experiência espiritual através da participação (ativa, consciente, frutuosa, plena...) da ação ritual. Podemos chamar isso de ‘experiência litúrgica’, que deverá nos levar a uma participação cada vez mais comprometida na missão dos discípulos e discípulas de Cristo na sociedade atual.

A manifestação na liturgia não é a única forma de presença do ressuscitado: ele está presente em sua Igreja, está presente no pobre, no injustiçado, no faminto, no encarcerado, no estrangeiro... (Cf. Mt 25,31-46). Na liturgia, no entanto, cultivamos a expressão ‘fundante’, a que o próprio Jesus nos deixou: “Façam isto para celebrar a minha memória” e que se torna ponto de referência para outras manifestações do Senhor.       

terça-feira, 26 de março de 2013

SALMO DA QUINTA-FEIRA SANTA (SALMO 115)
MISSA DA SANTA CEIA E LAVA-PÉS 
O CÁLICE POR NÓS ABENÇOADO É A NOSSA COMUNHÃO COM O SANGUE DE JESUS



SALMO DA SEXTA-FEIRA SANTA (SALMO 30)
CELEBRAÇÃO DA PAIXÃO DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO E ADORAÇÃO DA CRUZ
PAI, EM TUAS MÃOS, ENTREGO O MEU ESPÍRITO


ADORAÇÃO DA CRUZ: LAMENTOS DO SENHOR
DEUS SANTO, DEUS FORTE, DEUS IMORTAL: TENDE PIEDADE DE NÓS


segunda-feira, 25 de março de 2013

SEMANA SANTA – CELEBRAÇÃO DA PAIXÃO, MORTE E RESSURREIÇÃO DE JESUS

Domingo de Ramos

Iniciamos no domingo de Ramos, a Semana Santa, na qual acontece a celebração da Páscoa anual de Jesus Cristo. É a celebração maior de toda a Igreja, que alcançará seu momento alto no Tríduo Pascal, quando Jesus Cristo realiza plenamente a vontade do Pai e nos concede a reconciliação salvadora.
No Domingo de Ramos, lemos a narração da Paixão do Senhor. Não se pode evitar, portanto, o encontro com a cruz de Cristo. Uma realidade que pode provocar repulsa, mas que nunca está longe de nós. Do ponto de vista da conversão, como refletimos no decorrer da Quaresma deste ano, todo cristão inicia sua conversão a partir de um encontro decisivo com a cruz. Não haverá conversão sincera sem a acolhida da cruz de Cristo.

Bênção de ramos: Lc 19,28-40 – Bendito o que vem em nome do Senhor
1ª leitura: Is 50,4-7 – Não desviei meu rosto das bofetadas e cusparadas
Salmo Responsorial: Sl 21 - Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste?
2ª leitura: Fl 2,6-11 – Humilhou-se a si mesmo; por isso Deus o exaltou acima de tudo
Evangelho: Lc 22,14—23,56 - Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem

CONTEXTO CELEBRATIVO
Na reflexão da Palavra já demonstramos que nossa celebração continua, e conclui, o enfoque da Quaresma, recordando a importância da conversão na vida cristã. Por isso, nossa proposta é conduzir os celebrantes diante da cruz de Cristo para que tomem uma decisão de vida: aceitar ou não Jesus Cristo como salvador e comprometer-se com ele na construção do Reino. Se assim for, terá sentido recebe-lo com aclamações de ramos e hosanas na comunidade.
A procissão que realizamos não é um fato folclórico, mas memória de um acontecimento salvífico profetizado por Zacarias (Zc 9,9): “teu rei vem montado num humilde jumentinho.” Participar dessa procissão é um modo de continuar a mesma aclamação iniciada pelo povo de Jerusalém, quando acolheu Jesus com hosanas, com ramos de oliveiras e com mantos estendidos pelos caminhos. Nós continuamos a mesma aclamação em nossa cidade, proclamando lá na rua, no meio da praça, para que todos escutem que o Senhor é nosso rei.
A aclamação a Jesus como Rei da Paz foi iniciada em Jerusalém e continua até nossos dias, na procissão que realizamos em nossas comunidades. Jesus vem até nós montado num jumentinho. Vem como servidor da paz, para que o poder do amor e a paz sejam plantados na terra e no coração de cada pessoa. Em Jesus tem início uma nova ordem social, não fundamentada nos poderes políticos, mas no poder do serviço, do amor e da fraternidade. Não aclamamos um político e nem um revolucionário, mas o Messias, aquele que foi enviado por Deus com a missão de trazer a paz divina para a terra

Quinta-Feira Santa – Celebração da Ceia do Senhor e lava-pés

A Liturgia inicia com esta Eucaristia a celebração da Páscoa anual de Jesus Cristo. Quem senta-se à mesa com Cristo para celebrar a Páscoa compromete-se com ele e com seu Evangelho. Compromete-se com um novo modo de vida. Todos os ensinamentos de Jesus conduzem seus discípulos a uma mesa celebrativa, que se transforma em altar - sacramento da Cruz - onde oferecem um sacrifício agradável ao Pai. O envio dessa mesa acontece no serviço, sacramentalizado no gesto do lava-pés.
No início do Tríduo Pascal destaca-se a centralidade Eucarística como celebração memorial, que atualiza a Salvação de Jesus Cristo no nosso hoje histórico e na vida pessoal de cada celebrante. Uma celebração que se realiza ao redor de uma Mesa, onde nos encontramos com Jesus e aprendemos que viver é se dispor a servir, como fez o Mestre.

LEITURAS
1ª leitura: Ex 12,1-8.11-14 = Ritual da ceia pascal
Salmo: Sl 115 = O cálice por nós abençoado é comunhão com sangue do Senhor
2ª leitura: 1Cor 11,23-26 = Anunciais a morte do Senhor
Evangelho: Jo 13,1-5 = Amou-os até o fim

CONTEXTO CELEBRATIVO
Nosso contexto celebrativo enfoca o compromisso - o comprometimento - que os celebrantes da Eucaristia assumem com Cristo e com o projeto libertador em favor da vida, na Páscoa. Por isso, os celebrantes devem compreender que eles não são meros assistentes de ritos, mas alguém que ali está para renovar um compromisso de vida com Deus e com o projeto divino.
Do ponto de vista comunicativo, esta celebração apresenta-se com três características: alegre, sóbria e laudativa. A expressão alegre acontece nos ritos inicias, até o momento do glória, inclusive. Depois, a celebração comunica-se pela sobriedade até o seu final. A comunicação laudativa é feita na transladação do Santíssimo e no prolongamento celebrativo, com a adoração eucarística, depois da missa.

Sexta-feira Santa: Celebração da Adoração da Cruz

O mistério da Paixão e da Morte de Jesus Cristo é celebrado pela Palavra de Deus. A Liturgia faz um “grande silêncio celebrativo” neste dia, para ouvir Deus falando e celebrando com seu povo a grandeza do seu grande amor que nos salva. A Igreja não celebra os sacramentos neste dia; celebra a Páscoa dolorosa do Senhor ouvindo a voz de Deus proclamada na assembleia e, pelos méritos da Paixão e Morte do Senhor, intercede pela Igreja e pelo mundo.
Esta é uma razão forte para compreendermos porque a celebração de Sexta-Feira Santa é marcada pelo mais profundo silêncio. Silêncio não com a imposição de um caráter de luto, mas de reflexão e contemplação diante daquilo que Deus fala para que compreendamos o valor da Salvação.
Mesmo parecendo estranho para alguns, a fé de Jesus Cristo no Pai foi o fundamento central de todo o seu Mistério Pascal. Foi crendo com todas as forças de sua alma, de sua vontade e inteligência na promessa divina, que Jesus pôde realizar a vontade do Pai até as últimas consequências. 

Leituras
1ª leitura: Is 52,13—53,12 = Ele foi ferido por causa de nossos pecados
Salmo: Sl 30 = Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito
2ª leitura: Hb 4,14-16; 5,7-9 = Ele tornou-se causa de salvação eterna
Evangelho: Jo 18,1—19,42 = Paixão de Jesus

CONTEXTO CELEBRATIVO
Nossa proposta celebrativa destaca a confiança na cruz de Cristo. Quem se converte ao Senhor e ao seu projeto de vida, não para na cruz com tristeza ou lamentando o que fizeram com Cristo, pois encontra ali uma fonte de confiança e segurança em Deus. Lembramos também que esta celebração é essencialmente silenciosa, em todos os aspectos. Por isso, não se faz necessário, e nem é bom, fazer acréscimos de símbolos ou sinais daqueles que a própria celebração propõe. Quanto mais simples e silencioso, melhor e mais participada será.

Quatro dimensões: Lembramos que a Liturgia da Sexta-feira Santa desenvolve-se em quatro diferentes momentos, cada um dos quais com ritos próprios. Para que sua equipe prepare bem a celebração, como temos feito em anos anteriores, achamos por bem repetir o mesmo lembrete com o seguinte esquema:
1a parte = Paixão proclamada: é a Liturgia da Palavra.
2a parte = Paixão rezada: pela Paixão do Senhor, a Igreja faz suas preces.
3a parte = Paixão adorada: adoração da cruz, na qual e pela qual temos a salvação.
4a parte = Paixão comungada: rito da comunhão

Vigília Pascal-  Sábado Santo

Tanto refletimos sobre a Vigília Pascal que esquecemos o clima de tristeza e luto que perpassa o dia do Sábado Santo. Este clima espiritual da Igreja é iniciado após a Liturgia da Morte do Senhor, na Sexta-feira Santa, quando a Igreja ingressa no grande silêncio. O Sábado Santo está envolvido nessa atmosfera de fé e esperança que mistura a tristeza da Cruz e a esperança da Ressurreição. Por isso, o Sábado Santo não se resume na Vigília. Esta é ponto de chegada, o grande auge, a grande exultação que explode de alegria, que celebra a vitória da vida sobre a morte. A grande Vigília Pascal é preparada por um dia silencioso e carregado de profunda espiritualidade, contemplando a Mãe silenciosa que sofre sem deixar de crer e esperar em Deus.
Manifestando a continuidade desse dia silencioso e enlutado, a primeira parte da Vigília Pascal acontece na escuridão silenciosa da noite. Como tudo é simbólico nessa celebração, acendemos o fogo da vida na escuridão da morte. No meio da noite, em uma Igreja escurecida (enlutada) pela morte do Senhor, acendemos uma grande luz para proclamar a vitória de Jesus Cristo recordando as maravilhas divinas, através da longa Liturgia da Palavra que, pouco a pouco, vai acendendo as luzes da igreja e no coração dos celebrantes, fazendo memória da criação divina (1ª leitura), da fé de Abraão (2ª leitura), da liderança profética de Moisés, conduzindo o povo pela Páscoa do deserto (3ª leitura). Depois, a Igreja proclama agradecida, em forma de poemas e cânticos, as promessas divinas (4ª leitura, 5ª leitura, 6ª leitura e 7ª leitura; mais os salmos responsoriais). Finalmente, a luz resplandece com todo o esplendor no túmulo vazio: o Senhor ressuscitou, proclama o Evangelho; “aleluia”, cantam os celebrantes. Nesta longa Liturgia da Palavra, passado e presente se encontram, vida e morte duelam; a vida vence: Jesus ressuscitou (Evangelho). O que isso significa?
Professamos nossa fé declarando que Jesus “desceu à mansão dos mortos”. Passa pelo mistério da morte, participa da morte como um dia dela participaremos. O Sábado Santo é um dia no qual experimentamos um mundo sem Deus. Por isso, o Sábado Santo começa como dia do sepultamento, até o momento que a sepultura é aberta e deixa de ser lugar dos mortos. Sábado Santo é também o dia, no qual os homens pretenderam enterrar Deus, iludidos que uma pedra seria suficiente para fazê-lo desaparecer da terra. Por isso, na celebração da Vigília Pascal, os celebrantes se colocam do lado de Deus e exultam de alegria porque a vitória da morte foi aparente e por pouco tempo. Depois que Jesus “desceu à mansão dos mortos”, a morte não é mais a mesma. Jesus tirou dela o aguilhão; tirou-lhe a possibilidade de destruir a vida, e a transformou em passagem — em Páscoa — para a vida eterna.

Leituras
1ª leitura: Gn 1,1—2,2 = Depois da criação, Deus viu que tudo era bom
Salmo: Sl 103 - Enviai, Senhor o vosso Espírito, e renovai a face da terra
2ª leitura: Gn 22,1-18 = O sacrifício de Abraão: "não faças nada a teu filho"
Salmo: Sl 15 = Guardai-me, ó Deus, porque em vós meu refugio
3ª leitura: Os Ex 14,15—15,1 = Atravessaram o Mar Vermelho a pé enxuto
Salmo: Ct de Ex 15 = Cantemos ao Senhor, que fez brilhar a sua glória
4ª leitura: Is 54,5-14 = Com misericórdia me compadeci de ti
Salmo: Sl 29 = Eu vos exalto, ó Senhor, porque vós me livrastes!
5ª leitura: Is 55,1-11 = Vinde a mim, farei convosco um pacto eterno
Salmo: Ct de Is 12 = Com alegria bebereis do manancial da salvação
6ª leitura: Br 3,9-15.32— 4,4 = Marcha para o esplendor do Senhor
Salmo: Sl 18b = Senhor, tens palavras de vida eterna
7ª leitura: Ez 36,16-17a. 18-28 = Derramarei sobre vós uma água pura
Salmo: Sl 41 = A minh'alma tem sede de Deus

Epístola: Rm 6,3-11 = Cristo ressuscitado dos mortos, não morre mais
Salmo: Sl 117 = Aleluia, daí graças ao Senhor, porque Ele é bom
Evangelho: Lc 24,1-12 = Ele ressuscitou e vai a vossa frente para a Galileia

CONTEXTO CELEBRATIVO
A tristeza e o luto, que caracterizam o dia do Sábado Santo, conduz à “Mãe de todas as Liturgias” para proclamar entre canções e luzes a Ressurreição de Jesus. Por causa de sua Ressurreição, a morte perdeu seu aguilhão destruidor e se tornou Páscoa para a vida eterna.
O contexto desta celebração está explícito na monição inicial, que abre a Vigília Pascal, no rito da bênção do fogo novo. O presidente da celebração apresenta o motivo principal da celebração: reunir-se em vigília e oração para celebrar o Mistério da Páscoa e participar assim do triunfo da vida, celebrando a ressurreição de Jesus Cristo . Mais especificamente, o enfoque que procuramos dar a esta celebração é a certeza de viver por causa da ressurreição do Senhor.

ESTRUTURA DA VIGÍLIA
1a parte: Celebração da luz - acontece fora da igreja.
2a parte: Liturgia da Palavra - composta de 7 leituras (possibilidade de opção).
3a parte: Liturgia do Batismo - bênção da água e rito do batismo (opcional o Batismo).
4a parte: Liturgia Eucarística - a partir da preparação das ofertas.

CELEBRAÇÃO PARTE POR PARTE

Primeira parte da celebração = Bênção do fogo novo
Do ponto de vista litúrgico, trata-se de uma Liturgia e não apenas de um rito, com a finalidade de iluminar o mundo e a noite cósmica com a luz de Cristo, simbolizada no fogo novo. Por isso, todos os celebrantes devem iniciar a Vigília Pascal fora da igreja, participando da bênção do fogo novo. O gesto simbólico da procissão, um rito realizado por todos os celebrantes é a manifestação da luz de Cristo, vivo e ressuscitado, iluminando a natureza e a comunidade envolvida pela noite.
Considerando nosso enfoque celebrativo, a luz de Cristo é símbolo da proclamação da vida nova no meio do mundo, que vem da ressurreição. A Proclamação Pascal tem uma frase que ilustra bem este sentido: “a noite será luz para o meu dia”. Quer dizer: mesmo que o mundo esteja envolvido pelas trevas, a luz de Cristo levada à frente da comunidade, reunida e caminhante para celebrar a Páscoa de Cristo, ilumina a vida “pondo na treva humana a luz de Deus”, como diz outro verso da Proclamação Pascal .

Segunda parte da celebração = Liturgia da Palavra
Na primeira parte da Vigília, os celebrantes cantam louvores a Deus e a Jesus Cristo, o ressuscitado e a luz que ilumina a Igreja, ilumina cada membro do seu Corpo Místico e, de modo mais restrito, ilumina a comunidade. Na segunda parte, a Liturgia proclama a História do amor divino que vivificou o mundo na criação, formou um povo e prometeu re-fazer este povo, colocando nele o seu Espírito de vida.
Paulo, na epístola aos romanos (Rm 6,3-11), que se lê nesta Vigília, explica que a promessa de um povo novo, que tem o Espírito da vida divina em si, realiza-se em nós pelo Batismo. Toda a longa história de amor, realizada por Deus em favor do povo, torna-se ressurreição no dia que cada homem e mulher é inserido nesta Páscoa, nesta passagem para vida nova, e começa a fazer parte daquele povo (a Igreja) que tem o Espírito da vida de Deus em si. A espera deixa de ser promessa e torna-se realidade, a ponto de se poder cantar: “Não morrerei, mas ao contrário, viverei” (Sl 117,17).

Terceira parte da celebração = Liturgia Batismal
A terceira parte da celebração é caracterizada por aquilo que podemos definir como alegria espontânea, quando os celebrantes, depois de invocar aqueles batizados que foram fiéis e viveram a ressurreição de Jesus até as últimas conseqüências, os santos e santas, erguem as velas acesas e voltam a assumir o compromisso batismal que, no enfoque celebrativo que propomos para esta Vigília, significa também compromisso com a vida e negação de tudo que produz morte. Depois, a aspersão da água batismal sobre os celebrantes é um momento de exultação: canto e água em abundância, símbolo da vida abundante que vem da Ressurreição do Senhor.
É alegre porque, da mesma forma, é um momento de acolhida, principalmente nas comunidades que realizam batizados na Vigília. Catecúmenos ou crianças que são batizados são acolhidos na Ressurreição do Senhor, são recebidos na vida nova, inundados pelo Espírito Santo oferecido por Deus, em Cristo, e recepcionados na comunidade. O efeito da Ressurreição do Senhor torna-se visível nos batizados.

Quarta parte da celebração = Liturgia Sacramental
Ornamentação do altar: O altar é a mesa mais importante desta celebração litúrgica. É o local onde a Páscoa acontece no “hoje” de nossos dias; onde os celebrantes participam e comungam a Páscoa de Jesus Cristo, participam e comungam a ressurreição do Senhor. Tudo o que foi proclamado na Liturgia da Palavra e na Liturgia do Batismo alcança seu momento alto na Liturgia Eucarística, quando os celebrantes oferecem os simples dons do pão e do vinho, para que Deus os vivifique — os “encha” da vida divina — e alimente com eles o seu povo. Dada a força sacramental que vem do altar, é bom chamar atenção sobre ele através de um rito que o prepare para a grande ceia pascal.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Da liturgia à catequese
Por uma catequese mistagógica dos sacramentos

Francisco Taborda, SJ . Nas “Reflexões e conclusões práticas finais” do Seminário Nacional, promovido pela CNBB sobre “A eucaristia na vida da Igreja”, lemos como primeira conclusão:

 “Dar continuidade à reflexão sobre a relação mútua entre liturgia e catequese [...]. Revisar os manuais de catequese e seus métodos, para que sejam mais mistagógicos: uma catequese mistagógica a partir e em função do mistério celebrado. Rever o método usado na formação litúrgica e na catequese, começando pela preparação dos catequistas” .

Embora o termo “mistagogia” não seja unívoco entre os Padres da Igreja, é lícito partir do sentido etimológico da palavra “mistagogia”, que significa “conduzir para dentro do mistério”, “introduzir no mistério”. Uma catequese mistagógica, portanto, explicita teoricamente a experiência dos sacramentos recebidos, ou seja, é uma teologia dos sacramentos e da liturgia que não se separa da experiência mediada pelos mesmos.

Passos de uma mistagogia
Em sua obra sobre a mistagogia, o teólogo e liturgista italiano Enrico Mazza, a partir de estudos sobre Ambrósio de Milão, Teodoro de Mopsuéstia, João Crisóstomo, Cirilo [ou João] de Jerusalém e Agostinho de Hipona, estabelece em cinco passos o método mistagógico desses Padres da Igreja:
1) Descrição do rito, gesto, ação ou formulário litúrgico.
2) Identificação na Escritura (AT e NT) da passagem ou das passagens que explicitam a salvação que se celebra no rito em questão.
3) Aprofundamento do evento salvífico narrado no(s) texto(s) escolhido(s), de forma a mostrar, com recurso a outros textos e à reflexão teológica, seu significado para a salvação. Neste passo o enfoque é o evento salvífico e não o sacramento enquanto tal.
4) Retorno ao rito, aplicando a ele o que foi visto nos passos anteriores. A liturgia é, assim, interpretada a partir dos textos bíblicos que se referem ao evento que a fundamenta.
5) Explicitação do dinamismo do conjunto a partir de uma terminologia propriamente sacramental, recorrendo à gama de termos específicos para designar a dinâmica sacramental: mistério, sacramento, figura, imagem, semelhança e os pares semânticos imagem-verdade e tipo-antítipo. Principalmente nestes últimos se pode ver o aspecto relacional do sacramento: o sacramento se relaciona com o evento salvífico que lhe serve de base numa relação de identidade e diferença.

As duas etapas essenciais da mistagogia são a segunda e a quarta: a identificação da passagem ou das passagens da Escritura que descreve(m) o evento salvífico ao qual o sacramento se refere, e a aplicação à liturgia de tudo o que se encontrou ao aprofundar o evento de salvação. O método-base numa tal catequese é, portanto, a tipologia bíblica que permite unificar Mistério, celebração e explicitação do sentido do Mistério para nós.

Esboço de mistagogia eucarística
A ação litúrgica como um todo, bem como cada pormenor, pode dar espaço a uma mistagogia. A título de amostra tentaremos especificar os passos de uma mistagogia a partir do todo da celebração eucarística.

Primeiro passo: o rito
As duas mais antigas descrições do rito eucarístico são da autoria de Justino, filósofo e mártir († entre 163 e 167), o mais conhecido entre os Padres apologistas. Elas têm o mérito de descrever com suma brevidade o rito eucarístico e, ao mesmo tempo, corresponder em grandes linhas ao que se realiza ainda hoje em todas as famílias litúrgicas.

Aqui interessa a segunda descrição, que se refere a uma eucaristia dominical e é mais completa que a primeira: “E no dia que chamamos ‘dia do Sol’, por parte de todos os que moram seja na cidade, seja no campo, se faz uma reunião num mesmo lugar e se leem as memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas, enquanto o tempo o permite. Depois, uma vez que o leitor terminou, aquele que preside admoesta com um discurso e exorta à imitação destas belas coisas. Depois nos levantamos todos juntos e elevamos súplicas. Então, [...] logo que terminamos a súplica, se traz pão, vinho e água, e aquele que preside eleva tanto súplicas como ações de graças conforme sua capacidade, e o povo aprova por aclamação, dizendo o Amém. Então os elementos eucaristizados são distribuídos e recebidos por cada um; e por meio dos diáconos uma parte é mandada também aos que não estiveram presentes" .

Retomando com outras palavras essa descrição, encontramos nela três elementos constitutivos do rito: 1) a reunião da assembléia; 2) a liturgia da Palavra, constando de leituras do Antigo e do Novo Testamento, da homilia e das preces dos fiéis; 3) a liturgia eucarística, com a apresentação dos elementos (pão e vinho), a oração eucarística que a assembléia faz sua através do amém, e a comunhão.Basta essa descrição bem genérica para este primeiro passo.

Segundo passo: a raiz bíblica do evento salvífico
A constituição da assembléia remete ao qahal yhwh, do Antigo Testamento, traduzido ao grego pela Bíblia dos Setenta como ekklesía, de onde vem nossa palavra “Igreja”. Ekklesía etimologicamente significa “os convocados (por Deus)”, os chamados de toda parte (ek). Quem constitui a assembléia do povo de Deus é o próprio Deus, que lhe dá seu nome. Já a partir daí se pode ver que a eucaristia é a visibilização dos convocados por Deus, torna visível, aqui e agora, a Igreja de Deus.
E torna-a presente como aquilo que a caracteriza: a raça eleita, o sacerdócio régio, a nação santa, o povo da aliança (cf. Ex 19,6; 1Pd 2,9). Vale dizer: a ekklesía se faz visível para prestar seu culto a Deus, culto constituído indissoluvelmente de dois momentos inseparáveis: a liturgia da Palavra e a liturgia eucarística. Na sua referência mútua, esses dois elementos falam da espécie de salvação que Deus oferece e dá: uma salvação, cuja iniciativa é totalmente de Deus. Por isso é preciso primeiro ouvir a Palavra e acolhê-la no coração e na vida, resposta que se dá através da ação de graças por tudo que Deus fez por nós em seu Filho Jesus e, já antes dele viver entre nós, em vista dele. A ação de graças, por sua vez, tampouco é iniciativa nossa, mas obediência à ordem do Senhor, quando mandou fazer em seu memorial o que ele próprio fizera em sua última Páscoa. E ainda aí é preciso suplicar, para que Deus aceite nossa ação de graças e por Cristo, no Espírito Santo, estabeleça comunhão conosco.

A unidade entre liturgia da Palavra e liturgia eucarística pode ser mostrada à base de Ex 24,1-11, que narra o estabelecimento da aliança entre Deus e seu povo, constituindo-o qahal, ekklesía. Trata-se de uma narração complexa, onde se podem distinguir pelo menos duas fontes: uma conservada nos vv. 3-8; outra nos vv. 1-2 e 9-11.

Em Ex 23,3-8, aparece claramente a iniciativa de Deus: Moisés “tomou o livro da aliança e leu para o povo”. O povo acolhe a Palavra, dizendo: “Tudo que yhwh falou, nós o faremos e obedeceremos” (v. 7; cf. 3-4). Ato seguido, Moisés asperge o povo com o sangue das vítimas, dizendo: “Este é o sangue da aliança que yhwh fez convosco, através de todas essas cláusulas” (v. 8; cf. v. 6).

O evento salvífico em questão nesta narrativa é a aliança de Deus com seu povo, selada na Palavra e no sangue do sacrifício. A Palavra são as cláusulas da aliança que o povo aceita e se compromete a cumprir, atraindo sobre si a maldição da morte (sangue), no caso de ser infiel à aliança, e participando da vida (sangue) que Deus oferece a seu povo.

A narração dos discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35) ilustra relação semelhante entre liturgia da Palavra e eucaristia. Desanimados com o desfecho que tivera a vida de Jesus de Nazaré, dois discípulos se afastam de Jerusalém, caminhando em direção a Emaús. O Senhor Ressuscitado os acompanha incógnito e entabula com eles um diálogo em que desvenda o sentido das Escrituras. Com o coração ardendo pela Palavra que lhe fora assim proclamada, os discípulos convidam-no a ficar com eles. Jesus completa sua evangelização com o gesto de partir o pão, que lhes possibilita reconhecê-lo. A Palavra prepara a eucaristia; esta realiza o que foi proclamado, fazendo descobrir quem é aquele que a proclama. Uma remete à outra.

Terceiro passo: o evento salvífico
O evento salvífico que a eucaristia nos intermedeia é a aliança. Pela eucaristia entramos na aliança estabelecida pelo sangue de Cristo, a “nova e eterna aliança”. A aliança cria entre os parceiros uma relação de comunhão. No caso da aliança com Deus, uma relação desigual entre o Deus fiel e o povo que sempre de novo abandona o compromisso e rompe a relação. Em Cristo, Deus dá a conhecer que seu compromisso é definitivo e permanente, “de uma vez por todas” (hápax) (cf. Hb 9,28; 1Pd 3,18). Por isso mesmo, chegaram novos tempos, “esses tempos que são os últimos” (Hb 1,2), mais que no sentido cronológico, no sentido qualitativo: tempos de salvação.

É essa a diferença entre Ex 23 e Lc 24. A aliança antiga precisava ser sempre de novo renovada, pois a fidelidade do povo não era garantida; a nova aliança é eterna, justamente porque a fidelidade dos dois parceiros está assegurada: a fidelidade de Deus, obviamente; mas também a fidelidade humana, pois, desta vez, da parte da humanidade, está o homem-Deus, Jesus Cristo, que recapitula em si mesmo todas as coisas (cf. Ef 1,10). Ele é a cabeça do Corpo que é a Igreja (cf. Cl 1,18). Vale dizer: o povo de Deus não é povo de Deus só por pertencer-lhe, mas o é por ser o povo daqueles que foram incorporados a Cristo pelo batismo e, sempre de novo e mais profundamente, pela eucaristia, de forma a constituírem com ele, no Espírito Santo, “una mystica persona”, “uma só pessoa mística”, uma só pessoa em mistério. Isso não garante a fidelidade de todos e cada um dos batizados, mas assegura que sempre haverá batizados que serão fiéis à aliança, porque o sim de Deus em Cristo à humanidade é, pela ação do Espírito Santo, definitivo.

Na Antiga Aliança encontram-se documentos que estabeleciam aliança e textos em que se constatava o rompimento da mesma. No primeiro caso citem-se como exemplo a injunção de aliança (cf. Js 24,2-15) e a adesão à aliança (cf. Dt 26,5b-10); no segundo caso, o processo (rîb) contra Israel (cf. Dt 32,4-25), o processo (rîb) contra Deus (cf. Sl 44) e a todá ou confissão da fidelidade de Deus e da infidelidade humana (cf. Ne 9,6-37)7 . A todas essas passagens bíblicas é comum uma estrutura teológico-literária bipartida, em que a um parágrafo histórico corresponde, como segundo elemento, um parágrafo de injunção (quando Deus se dirige à humanidade) ou de súplica (no caso de o texto dirigir-se a Deus).

A oração central da eucaristia, a anáfora, é um texto desse gênero. A assembléia reunida, pela boca de seu presidente, se dirige ao Pai, louvando-o por sua ação em Cristo e fazendo o memorial de seu mistério redentor. Baseada nessa ação de Deus, suplica que a promessa seja cumprida e o Espírito Santo enviado sobre a comunidade e sobre os dons, para que, pela força do pão e do vinho transubstanciados, a Igreja, por sua vez, seja “transubstanciada” no Corpo eclesial de Cristo e assim se cumpra a aliança.

Quarto passo: volta ao rito
Com isso já estamos novamente no rito, mas agora podemos olhá-lo com novos olhos, não só numa descrição exterior, fenomenológica do que a Igreja realiza, mas numa percepção em profundidade. Atenta ao Cristo-Palavra que é o pão descido do céu a ser acolhido na fé (cf. Jo 6,32-51b), a Igreja se apressa a receber o Cristo-Pão da vida, sua carne dada pela vida do mundo (cf. Jo 6,51c-58), para unir-se a ele e constituir com ele um só corpo (cf. 1Cor 10,16-17). O que a Palavra anunciou, o sacramento realiza.

O evento salvífico da nova e eterna aliança é o mistério pascal de Cristo, sua morte e ressurreição, dos quais participamos pelos sacramentos. E os sacramentos nos intermedeiam essa participação por serem memorial do mistério pascal. É a palavra-chave para a compreensão do sacramento, mormente da eucaristia.

Quinto passo: a dinâmica sacramental
O contexto vital em que o “memorial” se localiza é a ceia pascal judaica. Nela não se realiza mera recordação de um fato passado; não é uma atividade para momentos de lazer. É uma instituição. A última ceia dos judeus no Egito, antes de sua libertação, passando o Mar Vermelho (cf. Ex 12,1-14.25-27), esclarece a noção de memorial. Essa ceia no Egito é, primeiramente, um pré-anúncio, um sinal profético do que haveria de acontecer no dia seguinte: a libertação. Como tal, não teria por que se repetir. Mas Deus não pensa só naquela geração que sai do Egito, mas em toda a multidão “numerosa como as areias da praia e como as estrelas do céu” que haveriam de suceder os libertos do Egito.

Essas gerações subseqüentes não teriam passado o Mar e, assim, não teriam experimentado o amor de yhwh ao escolher este povo, libertá-lo da escravidão e fazer com ele aliança. Por isso, o Senhor ordena: “Este dia será para vós um memorial (zíkkaron), e o celebrareis como uma festa para o Senhor; nas vossas gerações a festejareis; é um decreto perpétuo” (Ex 12,14).

Gamaliel, possivelmente o mestre de Paulo no rabinismo, explica o sentido do memorial.
“Em toda geração e geração, cada um é obrigado a ver-se a si próprio como tendo ele mesmo saído do Egito, como foi dito ‘E anunciarás a teu filho naquele dia, dizendo: É por causa disto que o Senhor fez por mim [o que ele fez], quando saí do Egito’ [Ex 13,8]. Não somente a nossos pais remiu o Santo – bendito seja Ele! –, mas também a nós remiu com eles, conforme está dito: ‘E nos fez sair de lá, para nos fazer vir e dar-nos a terra que tinha jurado a nossos pais’ [Dt 6,23]” .

Graças ao memorial, realizado anualmente na ceia pascal, o judeu sabe que a libertação não foi uma ação de Deus no passado, mas atinge também a ele. O anúncio do querigma pascal (cf. Ex 13,8) se faz na primeira pessoa: “fui eu que saí do Egito” por obra e graça do Senhor. E assim é proclamado mesmo que a pessoa que assim fala jamais tenha fisicamente posto os pés no Egito.

Através das gerações, o memorial agrega o participante da ceia pascal anual ao povo da aliança, liberto por Deus. Ela é o único meio de participar efetivamente do acontecimento passado. “Memorial” está, portanto, longe de ser mero fenômeno psicológico, uma recordação saudosista. É uma instituição que, com os pés da fé, transporta o judeu fiel ao grande evento salvífico, a passagem do Mar, como a última ceia no Egito fora capaz de antecipar a salvação a ser vivenciada no dia seguinte, às margens do Mar Vermelho. Com os pés físicos ele continua aqui onde celebra a ceia; com os pés teológicos – os pés da fé –, está lá à beira do Mar, prestes a atravessá-lo, e já do outro lado, livre para sempre dos egípcios, constituindo-se como povo de Deus.

Conforme narram os Sinóticos, foi numa ceia pascal que Jesus instituiu a eucaristia. Dentro da mesma dinâmica da Páscoa judaica devemos interpretar a Páscoa cristã. Como na instituição da ceia pascal do Antigo Testamento, na instauração da nova ceia pascal é ordenado aos ouvintes: “Fazei isto (o sinal do pão e do vinho) em meu memorial” (Lc 22,19; 1Cor 11,24-15). O grego anámnesis, usado no Novo Testamento, corresponde e traduz o hebraico zíkkaron, memorial.

A eucaristia segue, pois, a mesma dinâmica da ceia pascal judaica. Através da interação dos gestos de Jesus na última ceia, tomando o pão, o cálice, dando graças e repartindo entre os seus em memorial de tudo que Deus fez através de seu Filho encarnado, os participantes são transportados, com os pés teológicos – os pés da fé –, ao Calvário e ao sepulcro vazio do Ressuscitado, para participar da redenção adquirida no sangue de Cristo. Podemos repetir com Gamaliel: De geração em geração, cada um de nós é obrigado a ver-se a si próprio – com os olhos penetrantes da fé – como tendo estado lá no Calvário na primeira Sexta-feira santa e diante da tumba vazia na manhã da ressurreição. Pois não só nossos pais estavam lá; mas também nós todos, reunidos hoje aqui para celebrar a eucaristia, estávamos lá com eles, prestes a morrer na morte de Cristo e a ressurgir em sua ressurreição.

A partir dessa cláusula de Gamaliel, aplicada à experiência cristã, pode-se entender o que significa sacramento. Não se trata de um “sinal” estático, mas de um gesto simbólico que contém em si um dinamismo que reporta o participante ao evento salvífico originário. É o que os Padres querem dizer com aquela rica gama de termos com que designam o sacramento: mistério, imagem, figura, semelhança, antítipo, símbolo .

Só uma palavra de conclusão: fica aí o desafio para os especialistas em catequese de como traduzir para hoje a sabedoria contida nesse método criado por nossos Pais na fé.

quinta-feira, 21 de março de 2013


VÍGILIA PASCAL COMO PONTO DE REFERÊNCIA PARA NOSSO PROCESSO CATEQUÉTICO

Queridos(as) catequistas:

Estamos diante de diversos desafios para a uma catequese realmente eficaz (iniciática) e ao mesmo tempo num momento de fecunda produção de caminhos refletidos para um processo evangelizador que, conforme o Documento de Aparecida, faça nascer o discípulo e missionário, alguém iniciado na fé, que celebra com convicção o mistério da salvação dado em Jesus.

As propostas são diversas, os caminhos emergem das diversas realidades e seus apelos, no entanto, nenhuma proposta pode deixar de apontar a relação profunda entre a Catequese e a Liturgia: uma para educar na fé a outra para celebrar a fé; a catequese cultivando o saber e a liturgia vivenciando o sabor, sobretudo da experiência do mistério pascal de Jesus Cristo, celebrado aos domingos e por excelência na Vigília Pascal, que no processo iniciático é ponto de chegada e modelo inspirador para toda a ação catequética.

A estreita relação entre Catequese e Liturgia está na revelação da plenitude da ação do Cristo ressuscitado, presente na educação para fé e no “hoje” litúrgico, ambas visando à transformação dos homens, que não acontece por meio de uma ação mágica, mas de uma pedagogia em que a graça deve vir ao encontro da realidade concreta e objetiva do ser humano, e de uma mistagogia, que aponta para o mistério celebrado, que o transforma a realidade em nova.

A catequese é compreendida como conjunto de esforços empreendidos na igreja para formação do discípulo, para ajudar os homens e mulheres amadurecerem na fé e conduzi-los a uma atitude de seguimento autêntico, de comunhão e serviço. Para isso, conforme o DNC 49, a Vigília Pascal, que é centro da liturgia cristã, e a espiritualidade batismal são inspiração para qualquer itinerário catequético.

Na Vigília, contemplamos a ressurreição, a glorificação do Filho no Pai pelo Espírito, celebramos a libertação das trevas e da escravidão, somos configurados na luz e na liberdade. A Vigília Pascal é a festa da luz, em que saímos da escuridão e vemos a aurora da vida no “novo dia”. 


É também a festa batismal, que nos incorpora no Corpo de Cristo, nos faz participantes do mistério pascal, nos faz ressurgir para a vida renovada. A Vigília Pascal é ainda a festa da recordação da vida e das ações divinas em favor da humanidade, bem expressa na liturgia da Palavra e também festa da Eucaristia, ação de graças ao Pai que ressuscitou Jesus e nos fez participantes da vitória sobre a morte, convidando-nos a comer do pão da vida e beber do vinho da festa do reino.


A vigília pascal é ponto de referência para o processo catequético porque nela celebramos todo o mistério e fundamento da fé, motivo de esperança e transformação da realidade. Ao celebrarmos tal momento, compreendemos na ritualidade, na simbologia e na sacramentalidade, a passagem para uma vida nova, o compromisso em ser fermento na massa, a incorporação em uma comunidade, a revelação divina que quer vida em abundância a todos; experimentamos a prefiguração do Reino na dinâmica fecunda do “fazer memória”, antecipando as “faíscas” da comunhão perene com o Deus amor.


A vigília pascal é ponto de chegada da ação catequética porque nela vivenciamos o acontecimento fundamental do cristianismo, o mistério autêntico da pessoa de Jesus, o testemunho das primeiras testemunhas, a força da renovação dos compromissos de seguimento e missionariedade, a transformação da mentalidade de forma radical e permanente. É o encontro com o Senhor que aquece os corações, como dos discípulos de Emaús, que comunica a boa-notícia a humanidade, que promete assistência frequente e que inaugura o tempo novo, o mundo novo de Deus.

A catequese diante de tão rica e delicada vigília da ressurreição, prepara para o celebrar assimilando propostas metodológicas da própria vigília, que culminam numa adesão mais consciente à fé. Na catequese, sugere-se a experiência frequente da teologia iluminação, que dissipa as trevas e inaugura a esperança da realidade nova; é fundamental a centralidade da Palavra de Deus, que favorece a compreensão da experiência de fé do povo; sugere-se a experiência com a água como fonte de vida, o nascimento para fé,  a liberdade, sempre destacando a teologia do batismo como fonte da vocação cristã e caminho para o discipulado.

Que a Vigília Pascal possa inspirar-nos pedagogicamente, que seu conteúdo possa ajudar-nos a educar na fé e sua celebração possa transformar-nos em mistagogos, que desbloqueiem o mistério e favoreça o encontro dos catequizandos com Jesus e o Reino de justiça e paz.

ROBERTO BOCALETE 

sábado, 16 de março de 2013

LEITURA ORANTE PARA O 5 DOMINGO DA QUARESMA

REFRÃO MEDITATIVO: A tua ternura Senhor vem abraçar, a tua bondade infinita me perdoar. Vou ser o teu seguidor, e te dar o meu coração, eu quero sentir o calor de tuas mãos.

INVOCAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO

TEXTO BÍBLICO: Jo 8,1-11

1. LEITURA: Que diz o texto?
PISTAS PARA LEITURA
(Fonte: lectionautas.com.br)

Neste domingo nós nos afastamos do evangelho de Lucas para entrar no evangelho de João. No entanto, este evangelho não perde de vista a experiência da misericórdia. Trata-se do episódio da mulher surpreendida em adultério (João 8.1-11). Diante dela e também diante de seus acusadores, hoje vemos Jesus como Senhor da misericórdia e do perdão, que penetra no mais íntimo do coração do homem.

Precisamente neste ponto é que, agora, põem à prova Jesus, e esta será a ocasião para um magnífico ensinamento sobre o dinamismo do perdão: reconhecer o pecado, ser perdoado e perdoar aos demais. E vice-versa: assim como aquele que tem motivos para ser julgado não está autorizado para julgar, igualmente somente quem perdoa pode ser perdoado por Deus.

1. Jesus, Mestre no Templo (8.1-2)
Jesus madruga para ir ao Templo, e ali o rodeia uma grande quantidade de gente que busca seu ensinamento. Jesus encontra-se na qualidade de “Mestre”; por isso se diz que “estava sentado, ensinando a todos” (v. 2b). A situação será aproveitada pelos inimigos de Jesus para emboscá-lo em uma armadilha jurídica, desacreditá-lo e levá-lo ao patíbulo.

2. O julgamento público da adúltera (8.3-9)
 “Aí alguns mestres da Lei e fariseus levaram a Jesus uma mulher que tinha sido apanhada em adultério” (v. 3). Ao que parece, o fato não deixa dúvidas. No que diz respeito à Lei, esta é muito clara: “Se um homem cometer adultério com a mulher de outro, ele e a mulher deverão ser mortos” (Levítico 20.10).

a. O problema de fundo
 O evangelista diz-nos que “eles fizeram essa pergunta para conseguir uma prova contra Jesus, pois queriam acusá-lo” (v. 6a). Se Jesus aprovasse o comportamento de seus inimigos, também aceitaria a postura deles contra os pecadores; consequentemente, teria de pôr fim à sua práxis de misericórdia e aparecer diante do povo como um falso mestre. Se Jesus, porém, não o fizesse, daria motivos para ser acusado de falso mestre que afasta as pessoas da Lei de Deus.

b. A resposta de Jesus
 Jesus não se precipita para dar o veredicto, mas concede a si mesmo um tempo. Sua primeira resposta é o silêncio, um silêncio que convida todos à reflexão. Por fim, Jesus dar-lhes atenção e se dirige diretamente a seus adversários, citando de forma adaptada a norma do Deuteronômio 17.7. Com suas palavras, faz com que eles se deem conta de que não levaram em consideração seus próprios pecados. Os adversários são honestos e aceitam em seu coração a palavra de Jesus: “Quando ouviram isso, todos foram embora, um por um” (v. 9a). O mesmo faz todo o auditório. Que lição incrível receberam naquele dia! O momento final gira em torno de um diálogo delicado e concreto entre a mulher adúltera e Jesus. Ele apresenta sua própria posição: tampouco a condena à pena de morte e despede-a exortando-a a começar nova vida. Com outras palavras: uma absolvição e o encargo de uma nova tarefa.

OLHAR PARA REALIDADE
(Francisco Regis)
Jesus desconcerta os acusadores da mulher pega em adultério, porque estavam cegos pela Lei. Não estavam errados, apenas se deixaram cegar pela Lei e, na vontade de fazer justiça, tentaram matar uma vida. Colocaram a Lei acima da vida; Jesus coloca a vida acima da Lei. Para Jesus (e para nós cristãos) toda Lei que tira a vida é imoral e agride a consciência religiosa de discípulos e discípulas do Evangelho. Jesus não coloca panos quentes para amenizar a gravidade do pecado contra a fidelidade conjugal, nem procura motivos, justificações e justificativas... apenas aponta um novo caminho aos apedrejadores e à adúltera. Os apedrejadores abandonam suas armas e a mulher conhece um novo modo de viver.

A Psicologia denomina “projeção” ao processo de atribuir a fatos, coisas ou pessoas o motivo de algum fracasso. É um risco e uma tentação constante em quem se coloca na busca de Deus, no caminho da religião. A projeção é uma forma de defesa. Em vez de assumir a responsabilidade dos fatos, acusa e coloca a culpa no outro. O aluno projeta seu fracasso no professor, acusando-o de não explicar a matéria, enquanto a realidade é o fato de não ter estudado. O jovem tornou-se alcoólatra ou dependente químico, dizem os pais, porque más companhias o levaram a isso, e esquecem que consideravam bonitinho do filho tomando cerveja aos 8 ou 10 anos de idade. A pessoa que projeta busca culpados e deixa de apontar novas possibilidades de vida, novas “estradas no deserto”. Existem aqueles que nunca assumem a responsabilidade porque se estacionam em projeções e vivem como vítimas. Vivem com pedras nas mãos, prontos para atirar em “culpados” e são incapazes de olhar para si. Jesus não discute e nem agride os apedrejadores; entra no silêncio de quem escreve... conduz assim os apedrejadores a ficarem em silêncio e depois pede que olhem para suas vidas: “quem nunca pecou tem o direito de atirar a primeira pedra.”Cada apedrejador não projete pedras nos outros, mas “caia em si”, olhe para as pedras que têm em mãos e considere a própria realidade existencial diante de Deus.

É claro que existem causas e conseqüências de nossas escolhas ou da educação que recebemos em nossas famílias. Mas, isso não é motivo para se viver como arqueólogo, desenterrando ossos do passado. “Você é assim, porque no passado, um tio era muito nervoso e agredia sua tia”; ou, porque “seu pai ou avô tinha uma tara, você traz consigo essa nódoa”. Pode até ser que sim, mas viver culpando o passado é voltar ao Egito, ao tempo da escravidão. Alguns mandam rezar missas de cura e libertação, outros fazem terapia, outros reclamam... as reações são diversas. A proposta de Jesus é diferente: reconhece o pecado da infidelidade, mas não o justifica na busca de motivos presentes ou passados que causaram a traição do marido; apenas propõe um novo modo de viver, indicando um novo caminho: “vai e não peques mais”. Propõe viver de modo diferente, viver sem projeções, sem buscar culpados. Viver na dinâmica da misericórdia consigo e para com os outros, assumindo as responsabilidades da vida. Converter-se é crer que existe um novo caminho. Afinal, não se pode tocar a vida, nos caminhos do mundo, ficando olhando unicamente no retrovisor.

PERGUNTAS PARA LEITURA
1)O que o texto narra?
2)Quem trouxe a adultera até Jesus? O que disseram dela?
3)Por que a levaram até Jesus?
4)Qual foi a atitude de Jesus diante da provocação? Por que Jesus se agacha para escrever na terra?
5)Como a mulher se sentiu? Como ela se via diante de tal situação
6)O que aconteceu com os doutores da lei e fariseus depois da resposta de Jesus?
7)Como foi o diálogo de Jesus com a mulher?
8)Como ela se sentiu depois do perdão?
9)O que pode ter acontecido depois da fala de Jesus... vamos imaginar a continuidade do Evangelho...
10) Qual o ensinamento dado para nós por meio desse texto hoje?

2. MEDITAÇÃO
 O que o Senhor me diz no texto?
A misericórdia de Deus precede nosso arrependimento. Sem saber se ela deseja isso, Jesus tem misericórdia da mulher. Contudo, para que haja reconciliação, é necessário que haja duas pessoas. Trata-se de uma experiência de ressurreição, de libertação da parte de um Deus que não abandona os seus. Cada amor/perdão é uma páscoa. Aprendamos do Senhor Jesus a não julgar e a não condenar o próximo. Aprendamos a ser intransigentes com o pecado – a partir do nosso! – e indulgentes com as pessoas. Ajude-nos nisto a santa Mãe de Deus que, preservada de qualquer culpa, é mediadora de graça para cada pecador arrependido.
  
1) Considero-me uma pessoa sem pecado? 
2) Como me comporto diante das falhas e fraquezas dos outros? 
3) Que atitudes Jesus pede que eu assuma? 
4) De que maneira concreta busco e recebo o perdão de meu Senhor? 
5)Valorizo o sacramento da confissão?

3. ORAÇÃO
 O que respondo ao Senhor me fala no texto?
  
Hoje Deus, por meio de sua Palavra, fala a partir de sua misericórdia para comigo como pecador, mas me pede que seja misericordioso com os demais. Que resposta lhe dou quanto a estes convites?

Concedei-me a graça da responsabilidade por meus atos, Senhor. Que eu não fique buscando culpados, projetando causas e sentindo-me vítima do que outros fizeram contra mim. Vós me conheceis melhor que a mim mesmo. Vós sabeis onde residem minhas limitações e meus medos, por isso, recorro à vossa misericórdia. Não peço somente por mim, mas por tantos irmãos e irmãs que vivem sem direção. Indicai-lhes caminhos de liberdade a quem vive sem encontrar uma saída. Abri caminhos novos a quem se sente prisioneiro da vida, tirai pedras das mãos em quem se sente no direito de julgar, agredir, matar. São tantos os caminhos que terminam no nada. Vinde em nosso auxílio, Senhor, para indicar-nos caminhos de liberdade e caminhos libertadores. Amém!

4. CONTEMPLAÇÃO
O Senhor apresenta-se a nós como um Deus que ama profundamente suas criaturas, mas que também exige delas uma vida nova; por isso, digamos:
“Quero, Senhor, ser uma pessoa nova, com tua graça”.

5. AÇÃO
Com que me comprometo para demonstrar mudança?

Nesta quaresma, aproximei-me do Sacramento da Reconciliação? O que me falta para sentir-me perdoado por Deus? Como posso ser misericordioso com os demais? Tenho rancores contra alguém ainda por sanar? Sou capaz de perdoar? Como é a vida nova que Jesus me pede?

sexta-feira, 8 de março de 2013

LEITURA ORANTE DO TEXTO DO FILHO PRÓDIGO (4 DOMINGO DA QUARESMA)

REFRÃO MEDITATIVO: Confiei no teu amor e voltei, sim aqui é meu lugar! Eu gastei teus bens ó pai e te dou, este pranto em minhas mãos.

INVOCAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO

TEXTO BÍBLICO: Lc 15,11-32

1. LEITURA: Que diz o texto?
PISTAS PARA LEITURA
O filho mais novo quer sair de casa, levar a sua própria vida e por isto pede ao pai que lhe dê a parte de sua herança. Em Israel o filho mais novo tinha direito a um terço da herança, e o filho mais velho por ter o direito da primogenitura recebia o dobro (Dt 21,17). O Pai reparte a herança e o jovem parte para um lugar distante. No novo estilo de vida aquele jovem não soube bem usar sua liberdade e acabou perdendo tudo, até chegar a fazer a experiência da penúria e da fome. Conseguiu um emprego para tratar de porcos, e nem podia comer o alimento daqueles animais.

Estamos agora diante da degradação profunda a que ele chegou. Diante de tanto sofrimento o rapaz caiu em si, percebeu a bondade de seu pai até para com os empregados, notou que tinha com sua conduta ofendido a Deus, e a seu próprio Pai. O arrependimento penetrou então em seu coração, e teve a coragem de empreender o caminho de volta. Tinha a consciência que não merecia ser mais “filho”, deste modo dispunha-se a ser um simples empregado! Diz o texto que ele partiu e voltou para seu pai, “voltar para o Pai” é o mesmo que se converter ao amor profundo de seu pai. Chegando foi acolhido e plenamente perdoado!

 O pai aparece como amor incondicional e misericórdia. Quando o filho mais novo pede para ir embora de casa, o pai o deixa livre para seguir os caminhos próprios de sua vida, para fazer sua experiência de vida.  Quando o jovem volta arrependido, encontramos o sinal grandioso do amor paterno que o acolhe sem lhe perguntar absolutamente nada. É lindo o texto ao afirmar que o pai quando viu de longe o filho sentiu compaixão, e correu ao seu encontro. Sabemos que “compaixão” é sentir com, e aí encontramos o pai que se colocou no lugar do filho, procurando sentir o que ele estava sentindo para o ajudar.

Segue-se então uma série de gestos concretos de amor: o filho foi abraçado e coberto de beijos! Ao receber o sincero pedido de perdão o pai manda que seja dada ao filho a melhor veste, símbolo da igualdade, lhe dá um anel, sinal de ser herdeiro do pai, manda que ele receba um calçado, o que distinguia o escravo do livre, e manda que se faça uma grande festa, sinal de amor e fraternidade.

Com relação ao filho mais velho que com ódio não quer entrar na festa, vemos ainda o amor profundo do pai que tenta convencê-lo a perdoar o seu irmão, e acolhê-lo. Com carinho o pai argumenta que tudo o que possui é também do filho mais velho, e o convida a aceitar novamente o filho mais novo que volta arrependido. É interessante notar que enquanto o filho mais velho chama seu irmão de “teu filho” se dirigindo ao pai, a resposta do pai é muito clara: “este teu irmão estava morto e voltou a viver”. Tudo isto indicava ao irmão mais velho que ele deveria também perdoar, e acolher com alegria o seu irmão que regressou ao seio da família.

A narrativa termina com uma precisão belíssima: “estava perdido e foi encontrado”. Certamente o filho que se perdera foi encontrado pelo amor do pai, que nunca o deixou de amar! Quantas vezes este pai não procurava no horizonte o retorno do filho que amava? É por isto mesmo que quando o filho estava ainda “ao longe”, o pai o viu e correu ao seu encontro. Este filho foi encontrado pelo amor do Pai, quando estava no meio do sofrimento mais profundo e percebeu quanto o pai o amava, o que lhe deu coragem de empreender a viagem de volta. Podemos dizer que o amor do pai encontrou o seu filho e o libertou da escravidão que havia se transformado sua vida.

PEGUNTAS PARA LEITURA
1) Quem são os personagens principais da narrativa?
2) O que o filho mais novo pediu ao pai?
3) Qual a reação do pai ao pedido do filho?
4) Como foi a experiência do filho mais novo fora de sua casa?
5) Como ele se sentiu quando não tinha nem o que comer? O que decidiu?
6) O pai o esperava. Como ele se sentia?
7) Como foi seu retorno à casa paterna?
8) Como o Pai o acolheu? Como foi o encontro do pai com o filho que tinha ido embora?
9) Qual o sentimento do filho mais velho? Por que agia daquela forma?
10) Qual a resposta do pai ao filho mais velho?

2 – MEDITAÇÃO: O que nos diz o texto? Diante do texto devemos nos perguntar:
1) Temos nos comportado como filho mais novo, mais velho ou como pai?
2) Como estamos agindo diante de nossos erros e limitações?
3) Nosso arrependimento tem sido sincero quando erramos?
4) Buscamos de fato a misericórdia de Deus? Confiamos no amor misericordioso do Pai?
5) Em que precisamos mudar nosso modo de conceber Deus?
6) Temos permitido que Deus nos encontre da maneira que somos?
7) Queremos entrar na festa do amor gratuito de Deus?
  
3 – ORAÇÃO: O que lhe dizemos? A oração é a resposta que damos a Deus que se nos manifesta por primeiro.
Senhor, desejo fazer a experiência do encontro pessoal contigo para saborear de sua infinita bondade, da gratuidade que tanto ensinaste em sua missão e abrir o coração para olhar o outro com ternura, com vigor, com amor sincero. Senhor, o amor do Pai se tornou claro em ti, que entregou sua vida para reconciliar-nos, na gratuidade e na doce alteridade. O Pai continua a amar e por meio de seu amor, conhecemos a nova vida. És tu que vem ao nosso encontro em sua misericórdia: nunca desiste de nos amar, e com seu amor divino nos conduz para o caminho da felicidade. Que nosso amor, Senhor, seja inspirado na lógica de tua bondade e nunca deixemos de investir na transformação da realidade e na possibilidade de conversão de nossos irmãos. Que sua bondade nos alcance para sermos sinal de bondade aos outros.

4 – CONTEMPLAÇÃO: Como interiorizamos a mensagem?
Chegamos no momento da contemplação onde procuramos colocar as palavras de Jesus em nosso interior. Busquemos fazer um exercício concreto de misericórdia para com nossos irmãos, sendo para eles, por meio de nossas atitudes, um sinal de que Deus sempre os acolhe e os ama muitíssimo.  Interiorizemos a mensagem de hoje. Digamos no silêncio de nosso coração:

Voltarei sempre à casa de meu pai.
Senhor, desejo fazer a experiência do encontro pessoal contigo.
Senhor, que eu posso ser acolhido com seu abraço.
Que sua misericórdia me ampare, Senhor.
Que sua ternura me acompanhe, Senhor.
Que sua bondade me alcance.

5 – AÇÃO: A que nos comprometemos?
Somos convidados a sermos bondosos e fraternos com alguém, mesmo que tenha pecado ou se afastado do nosso modo de pensar e de agir. O convite é feito cada vez que somos desafiados a perdoar e nos tornar acolhedores com quem partiu ou nos deixou. Como você reage quando é convidado a perdoar e acolher alguém que partiu? Refletir a parábola como um convite para não procurar desculpas e nem fazer julgamentos a quem partiu ou errou, mas agir com a mesma bondade acolhedora do Pai. É um grande convite, um grande desafio, uma grande proposta para viver como filhos e filhas do Pai e não como empregados da religião, com julgamentos e condenações aos irmãos e ao próprio Pai.

quinta-feira, 7 de março de 2013


                METODOLOGIA DE INSPIRAÇÃO CATECUMENAL
               Pe. Antônio José de Almeida

Quais as características principais da Iniciação Cristã de Adultos? Em que a pedagogia catecumenal pode contribuir para uma metodologia catequética de inspiração catecumenal? Que indicações práticas podemos oferecer às nossas comunidades em seu esforço por introduzir ou consolidar a Iniciação Cristã bem como uma catequese com estilo catecumenal?

Priorização dos adultos. A catequese tradicional supunha a fé dos adultos, transmitida pela família e pela sociedade, consideradas cristãs. As crianças, em preparação à primeira comunhão, recebiam uma catequese nocional, abstrata, desvinculada da vida e da liturgia. Esta catequese devia servir para toda a vida. A crise civilizacional pela qual estamos passando impõe aos indivíduos novos referenciais culturais e éticos; o pluralismo religioso expõe o sujeito a um leque enorme de propostas religiosas; a fé é radicalmente provada. Diante desta situação, é urgente ajudar os fiéis a passar de um cristianismo herdado para um cristianismo assumido mediante uma opção pessoal livre e consciente. Impõe-se, então, uma ação evangelizadora missionária, centrada no sujeito, que suscite uma resposta de fé inicial e processos de amadurecimento da fé graças aos quais o simpatizante vá aprofundando sua relação com Deus e a comunidade eclesial, adquirindo convicções e assumindo valores que orientem sua vida numa sociedade que não só prescinde da fé, mas a questiona radicalmente. A catequese precisa se deslocar da criança para o adulto, da religiosidade por tradição à fé por convicção, da aceitação passiva à apropriação ativa, do mero enquadramento sociológico ao compromisso teologal.

Necessidade do “primeiro anúncio”. Esta situação está a exigir o primeiro anúncio em todas as formas de catequese e em todas as atividades eclesiais. Não se pode supor que as pessoas já tenham vivido sua experiência de encontro com o Deus de Jesus, tenham dado sua primeira e global adesão a Jesus, partilhem os valores, tenham atitudes e comportamentos cristãos. A proclamação convicta, impactante e coerente de Jesus tem a finalidade de suscitar a fé nele como “pão da vida”, ou seja, resposta essencial às mais profundas fomes e às insaciáveis sedes do ser humano, dando sentido e rumo à sua existência, abrindo-lhe horizontes insuspeitáveis. Ouçamos Aparecida: “Em nossa Igreja devemos oferecer a todos os nossos fiéis um “encontro pessoal com Jesus Cristo”, uma experiência religiosa profunda e intensa, um anúncio querigmático e o testemunho pessoal dos evangelizadores, que leve a uma conversão pessoal e a uma mudança de vida integral” (DAp 226 a). “O querigma não é somente uma etapa, mas o fio condutor de um processo que culmina na maturidade do discípulo de Jesus Cristo; só a partir do querigma acontece a possibilidade de uma iniciação cristã verdadeira...” (DAp 278 a). “Sentimos a urgência de desenvolver em nossas comunidades um processo de iniciação na cristã que comece pelo querigma e que, guiado pela Palavra de Deus, conduza ao encontro pessoal, cada vez maior, com Jesus Cristo.” (DAP 289) Este encontro inicial deve se transformar em amizade com Cristo a ser cultivada “pela oração, no apreço pela celebração litúrgica, na experiência comunitária e no compromisso apostólico, mediante um permanente serviço aos demais.” (DAp 299)  

Caráter experiencial do catecumenato. O querigma e o processo iniciático como um todo visam suscitar e desenvolver uma experiência pessoal profunda de fé, com todas as suas consequências. A proposta cristã não é um amontoado de idéias, um emaranhado de doutrinas, um sem-fim de preceitos, uma lista interminável de regras disciplinares, mas um todo orgânico e dinâmico, muito mais, uma experiência de amor, o encontro da totalidade do ser humano com o Pai pelo Filho, no Espírito Santo, com o Deus-Amor-Trindade, mistério insondável de vida e comunhão. Embora a experiência seja, em última análise, intransferível, não é possível suscitá-la em outro sem ter passado por ela e sem ser sustentado por ela. Paulo não seria o maior evangelizador de todos os tempos sem a reviravolta provocada pela experiência de Damasco (cf. Gl 1,15-16; At 9,3-19). “Anunciar o querigma implica em comunicar a experiência de fé daquele que anuncia, em posicionar-se como pessoa de fé numa sociedade que duvida, questiona, põe à prova as convicções do missionário. Não se trata só de falar a verdade da fé, antes, trata-se de apresentar um estilo de vida, uma postura, um modo de ser no mundo, em que se demonstra a fé na qual se crê, se celebra e se estabelecem relações com o próximo.”   Sem a experiência pessoal e comunitária, a revelação seria letra morta, a fé da Igreja mera aceitação de um conjunto de verdades, a interpretação do Magistério um peso insuportável.

Integralidade. O catecumenato é um processo de iniciação, cujo ponto de partida é o encontro pessoal com Jesus Cristo e cujo ponto de chegada é a inserção, como discípulo e missionário, no mistério pascal de Cristo – liturgicamente celebrado – e na comunidade cristã, enriquecida por uma rica variedade de carismas, toda ela a serviço da missão. Está como que emblematicamente compendiado no “caminho” descrito em Mc 3,13-15! O método catecumenal oferece uma formação integral (encontro com Jesus Cristo, conversão, discipulado, comunhão, missão)   a partir da interação catequese↔liturgia↔conversão da vida, ou seja, o aprofundamento do encontro com o Cristo vivo, mediante a acolhida e o encontro com os irmãos e irmãs de fé, a meditação da Palavra, a celebração do mistério ao longo do ano litúrgico, buscando responder, pela graça, aos apelos à permanente conversão.

Conectividade. A catequese tradicional era fragmentária, dissociada da liturgia e indiferente às estruturas e necessidades do sujeito e ao seu contexto. A metodologia catecumenal, ao invés, articula três componentes básicos: uma catequese apropriada, em etapas, ritmada pelo ano litúrgico, apoiada em celebrações da Palavra, de modo que os candidatos cheguem à íntima percepção do mistério da salvação e à adesão pessoal e plena ao mesmo; uma articulação entre anúncio do mistério, ação celebrativa e vida, de modo que a graça, presente e atuante na Palavra anunciada, na celebração e na vida, vá edificando o cristão; as disposições interiores, em que se debatem forças contraditórias, em meio às quais o candidato vai adquirindo maturidade espiritual: processo de conversão, que, de um lado, significa luta contra o pecado e, do outro, crescimento na fé, na esperança e na caridade. 

A formação do cristão, discípulo e missionário. A estrutura do RICA é disposta de modo a propiciar este itinerário e proporcionar – pressuposto o difícil diálogo entre graça e liberdade – o caminho de formação integral do cristão. Sincronicamente, são três tempos de preparação: pré-catecumenato, catecumenato e purificação; duas celebrações de passagem: entrada no catecumenato e inscrição do nome; celebração unitária dos sacramentos de iniciação; mistagogia. Diacronicamente: o pré-catecumenato, o catecumenato, a purificação e a mistagogia. O RICA tem o mérito de recolocar, num conjunto abrangente e orgânico, os elementos que dão coerência ao processo de iniciação de modo que este possa alcançar a sua finalidade de formar o cristão, discípulo missionário.

Processualidade e progressividade. A Iniciação é um processo complexo, lento e progressivo. A totalidade do ser humano – coração e inteligência, consciência e vontade, vida pessoal, comunitária e social – é interpelada neste processo. O princípio da progressividade “orienta e organiza as orações e os ritos preparatórios, bem como fundamenta a qualidade do processo educativo. Durante esse tempo, a iniciativa humana será transformada pela graça de Deus e, pouco a pouco, o candidato é introduzido na Igreja, corpo de Cristo. Segue a direção do menor compromisso ao maior empenho, da escuta da Palavra e da mudança de costumes e prática de boas obras.” 

A atualidade da história da salvação. A catequese de inspiração catecumenal é fundamentalmente bíblica, disposta em etapas, articulada com diversas expressões litúrgicas. Tanto a catequese como a liturgia estão, portanto, inseridas na economia histórico-salvífica, isto é, compreendem o atual momento histórico dentro da dinâmica de salvação-libertação, que tem seu início na Criação, culmina na pessoa e na obra de Jesus Cristo e antecipa a plenitude do Reino, que só se dará quando Cristo entregar o Reino ao seu Pai. O Cristo glorificado e o Espírito Criador agem em cada aqui e em cada agora da história, que é sempre história da salvação, individual, comunitária, coletiva, cósmica.

A centralidade do mistério pascal. O mistério pascal – culminância da vida dada do Senhor – é o centro e o ambiente vital de todo o processo. A iniciação cristã visa à nossa configuração com Cristo, o Filho de Deus, morto e ressuscitado, fazendo-nos filhos e filhas do Pai, irmãos e irmãs entre nós, através dos sacramentos pascais do batismo, da crisma e da eucaristia. Daí por que o processo iniciático tem o seu cume na celebração do Tríduo Pascal, preparado pela Quaresma e desdobrado no Tempo Pascal. O mistério pascal, por sua vez, torna-se fonte incessante da vida cristã, vivida como seguimento de Jesus e serviço aos irmãos nos dias e nas noites de nossa história terrestre, à espera do repouso sabático, celebrado a cada domingo na Eucaristia da comunidade.

A dimensão comunitária da Iniciação. A iniciação envolve toda a comunidade. Os cristãos e as cristãs com quem se entra em contato no dia a dia da vida familiar, do trabalho, dos negócios, da política...: pela palavra, mas sobretudo pela vida, testemunham o Evangelho e anunciam Jesus, tornando-o interessante, significativo, simpático. Os padrinhos e madrinhas, que encaminham o simpatizante à comunidade e o acompanham vida afora. No seio da comunidade, que, como mãe, gerará novos filhos e filhas de Deus, têm papel decisivo os introdutores. Diversos ministérios ordenados e não ordenados exprimem, assim, o serviço que a comunidade toda presta àqueles que se aproximam dela para se tornarem um com ela e com Cristo. Os símbolos, os gestos, os ritos, as celebrações litúrgicas – realizados pela comunidade toda, dotada de diferentes ministérios – vão introduzindo o catecúmeno no mistério, na vida e na missão da Igreja.

A unidade do mistério cristão e da vida cristã. A conjugação entre palavra, liturgia e vida, de um lado, e a celebração conjunta dos sacramentos da iniciação, do outro, exprimem a unidade do mistério cristão e a unidade da vida cristã, cujas estruturas existenciais fundamentais são a fé, a esperança e a caridade.

Em busca do “homem perfeito em Cristo”. A iniciação, assim, cumpre sua finalidade de ajudar efetivamente a pessoa a se tornar cristã, participante consciente do mistério pascal de Cristo e da comunidade eclesial; de viver a união dinâmica com Cristo, numa constante busca de se assemelhar a ele; de levar a uma experiência de fé que, tocando e brotando das estruturas mais fundamentais da pessoa, se traduz em vida e serviço à vida e a liberdade dos irmãos e irmãs, num processo contínuo e nunca acabado de conversão. A iniciação oferece aos que a abraçam com fidelidade um projeto de vida, um modo de ver o mundo com os olhos de Deus e de se colocar no mundo com os valores, as atitudes e os comportamentos de Jesus, de quem a pessoa vai se tornando discípulo e missionário a serviço do Reino.

CONCLUSÃO
Graças a estes elementos caracterizantes, o estilo catecumental está apto a provocar um salto de qualidade não só em toda a catequese, mas em todas as expressões da evangelização e da vida eclesial. Na prática, porém, é um desafio para nossas comunidades, para os mais diversos agentes eclesiais, para quantos se acham diretamente envolvidos com a catequese e a liturgia. Todos somos chamados a nos debruçar, animados e guiados pelo Espírito, sobre esta rica e promissora proposta, dispostos a encontrar os melhores caminhos para pô-la em prática.