Realização do ser humano
**Por Pe. Juvenal Arduini (fonte: Vida Pastoral)
1. Ánthropos
No momento, o que mais deve
preocupar é a situação da humanidade. O olhar há de
centrar-se em Ánthropos, e não em Khronos. A realização do ser humano é
fenômeno antropológico, e não expectativa milenarista. Realização é converter
em realidade o que não era ainda realidade. É ser-mais. Em geral, realização
expressa sentido positivo. Mas o virar realidade é ambíguo. Pois, ao tornar-se
realidade, o ser humano pode converter-se em realidade justa ou injusta,
solidária ou egocêntrica, emancipadora ou opressora. Quando o ser humano se faz
realidade plenificante, temos autêntica realização. Mas, quando o ser humano se
faz realidade degradante, não há realização. Há des-realização.
2. Tropeços
Temos tido um surto de
neopragmatismo. Tudo é avaliado pelo critério da utilidade. Também o ser humano
é medido pela sua utilidade ou inutilidade. Prevalece o utensilismo, a
“utilizibilidade”, no dizer de Heidegger. Nesse caso, o ser humano pode valer
menos que utensílio ou mercadoria. Por isso, idosos, enfermos, crianças e
pobres são considerados não úteis, e até onerosos à sociedade. Abandoná-los e
eliminá-los seria atitude pragmática.
O poder mundializado provocou
deslocamento de metas. O grande objetivo não é a realização do ser humano, mas
atingir resultados rentáveis. O ser humano está sendo substituído pela
competitividade, pela velocidade da informação, pela rotatividade do capital
financeiro, pelo dogma do mercado livre. O ser humano foi reduzido a personagem
descartável.
A banalização do ser humano é
motivo para desrespeitá-lo. Sempre que se pretende discriminar e explorar
determinadas categorias humanas, começa-se por inferiorizá-las. O escritor Aldo
Capitini disse: “Se os homens forem considerados como coisas, matá-los é um
ruído, um objeto caído”. Nesse contexto é compreensível que o ser humano seja
tratado com mórbida insensibilidade. Muitos já não se arrepiam com as chacinas
semanais, com a impunidade cínica, com o trabalho escravo, com a prostituição
de adolescentes, com a miséria indecorosa. A indiferença perante a demolição da
vida humana é crueldade. Desbanalizar o ser humano é exigência preliminar para
sua realização.
3. Des-realização
A realização do ser humano
desenrola-se em situações concretas. A humanidade está sendo forçada a
enquadrar-se na constelação neoliberal que tenta prevalecer no mundo. O
economista Friedrich Hayek escreveu, em 1944, O Caminho da Servidão, onde condena
a intervenção do Estado e reivindica liberdade total para o mercado. Hayek não
quer o Estado que gaste com o bem-estar social. Mas quer o “Estado do
liberalismo identificado com o livre mercado”, diz Hobsbawm. Estado que
fortaleça as empresas e refreie movimentos de trabalhadores. Hayek recomenda o
desemprego programado para que haja mão de obra excedente a disputar empregos.
Com o desemprego epidêmico, os trabalhadores terão de aceitar salários
achatados e suplicar aos generosos patrões que não os dispensem. É mesmo “O
Caminho da Servidão”.
“Globalização” poderia
significar sistema que contemplasse o universo e buscasse a realização de todos
os seres humanos. Mas a atual globalização representa a minoria mundial que
detém o poder econômico, político, científico, tecnológico, informático, e que
impõe sua dominação à humanidade toda. É colonização global. E quem resistir a
esse poderio mundializado, é sabotado, punido e excluído. A revista alemã
especializada “Wirtschaftswoche” define bem essa globalização: “Produzir onde
os salários são baixos, pesquisar onde as leis são generosas e auferir lucros
onde os impostos são menores”.
Alarmados com os efeitos
deletérios do neoliberalismo, muitos setores reclamam medidas que atalhem a
pirataria mundial desse sistema. Para o sociólogo Alain Touraine, é hora de
sair do “hiperliberalismo”, e não de ingressar nele. O sociólogo R. Kurz
condena a “barbárie do mercado global”. O filósofo Rorty considera “as atuais
desigualdades não compatíveis com a organização global”. O historiador Hobsbawm
diz que a economia global abandona países pobres e pobres dentro dos países[1].
O neoliberalismo des-realiza o ser humano.
4. Antropofagia
O ser humano possui
tendências ambivalentes. Tende a acolher e a rejeitar, a amar e a hostilizar, a
cooperar e a competir. Importa encaminhar os impulsos ambivalentes a
finalidades construtivas. Alega-se que competir é “natural” ao ser humano. Mas
a competição é sobretudo desenvolvida por um tipo de cultura que exacerba a
rivalidade.
Autores estimularam a
competição individualista. Maquiavel ensinou astúcia para a perpetuação no
poder. Darwin usou a teoria da “seleção natural” para explicar o triunfo do
mais apto sobre os fracos. Nietzsche proclamou a vitória do Super-Homem. Adler
acentuou a psicologia da “Vontade de Poder”. B. F. Skinner é o pedagogo
behaviorista da competição. Skinner inovou treinamentos psicológicos para
padronizar o “comportamento humano”, no plano individual e no social.
“Achamo-nos membros de uma cultura na qual a ciência floresceu e na qual os
métodos da ciência vieram a ser aplicados ao comportamento humano”[2]. Os
processos utilizados por Skinner são culturais. Verifica-se, pois, que o
procedimento competitivo é produzido principalmente pelo tipo de cultura, e não
pela programação genética, como declaram os cientistas do “Manifesto de
Sevilha”, em 1986.
A competição racionalmente
conduzida pode ser benéfica à sociedade. Mas a competição desenfreada gera
grupos hegemônicos que controlam o Estado, a legislatura, a informação, e
ampliam as desigualdades. Robert Kurz diz que a competição pode aumentar a
produtividade, mas “desumaniza os homens, fazendo deles meras máscaras do
dinheiro”[3]. É Zaratustra quem encarna a competição cruel e discursa em nome
do Super-Homem: “Por que sois tão moles? Todos os criadores são duros. Ó
irmãos: Tornai-vos duros!”[4]. A competição selvagem procria o Super-Homem e
aniquila os fracos. É antropofágica.
5. Caos
A realização do ser humano
enraíza-se em latência inesgotável. Todo ser humano contém vasto potencial
energético. Paul Ricoeur pensa o ser humano como “Arché” e “Telos”, como matriz
e finalização. Arché é fonte que espuma vitalidade. É o universo das pulsões,
aptidões e inquietações. É a “Enérgueia” dos gregos, a “Evolução criadora” de
Bergson, a “Libido” de Freud, a “Efervescência utópica” de Bloch, a “Ação
comunicacional” de Habermas, a “Segunda, existência” de Lyotard. É Caos.
“Caos” fascina. Mitologicamente,
Caos é força inordenada, nebulosa energética. Caos é dinamismo subterrâneo que
turbilhona sem rumo. Caos é germinação fértil. Entre seus descendentes estão
Gaia e Eros, a Terra e o Amor. A fecundidade da terra e a ebulição do amor.
Segundo o Gênesis, a criação desdobra-se a partir do Caos. Deus vai
configurando os potenciais de Caos. Originalmente, o ser humano é Caos. E do
Caos informe irrompe a consciência, emerge a palavra, salta a liberdade. Aos
poucos, o ser humano adquire Sopro de vida e Rosto de gente. O nascimento
humano traz alegria porque criança é Caos. É novelo de apelos que brinca e rola
pelo chão. E nada mais caótico do que a tempestuosa adolescência dos jovens.
Sem Caos, a humanidade murcharia.
O ser humano carrega sempre
Caos dentro de si. Indefinição, dúvidas, aspirações. Ninguém consegue ser
totalmente lógico. O ser humano é Caos oscilante em busca de destinação
humanizante. Para os donos do sistema dominante, Caos é a “desordem”, é o
colapso da sociedade. Mas para a realização do ser humano, Caos é nascente
oculta, é cabeceira de rio. Então, aparece “Telos”, que encaminha o tumulto
caótico à estruturação dos grandes valores que vitalizam a humanidade. Dessa
forma, integram-se Arché e Telos, Arqueologia e Teleologia, Caos e Escatologia.
Caos adquire perfil através da cultura.
6. Tecido cultural
A realização do ser humano é
fenômeno predominantemente cultural. A ação cultural transforma Caos em tecido
sócio-histórico. Aqui, cultura é entendida em sentido antropológico. É tudo que
resulta da ação humana. A cultura abrange ideias, ciência, tecnologia,
filosofia, artes, linguagem, trabalho, costumes, crenças, valores,
procedimentos, leis, organizações, profissões, sistemas políticos e econômicos.
Todos os grupos humanos
possuem sua cultura. As culturas variam muito. Na Oceania, os samoanos têm
maneira simples de viver. Os Manu são monogâmicos e competitivos. Os Arapesh
são poligâmicos e solidários. Os Mundugumore são violentos e deixam os
recém-nascidos sem mamar, por algumas horas, para que aprendam a reclamar e a
lutar[5]. Entre os índios Akawaio, na Guiana, o xamã exerce função medicinal. A
Métraux registra práticas antropofágicas entre os Tupinambá brasileiros. Mãe
tupinambá recolhe sangue do inimigo, que vai ser devorado, e banha o mamilo de
seu seio para que seu filhinho, ao mamar, deguste o sangue da vingança[6].
A diversidade de culturas
desmente o “naturismo” daqueles que pretendem justificar práticas sociais como
se fossem programadas rigorosamente pelas “leis da natureza”. A variedade de
formas culturais demonstra que procedimentos, competição, sistemas políticos
são criações humanas. São mutáveis e podem ser substituídas por outras formas
culturais que respondam melhor às necessidades das populações.
7. Consciência antropológica
A realização do ser humano
requer consciência antropológica. É a consciência que reconhece a densidade
ontológica constitutiva do existente humano. A visão holística, iniciada pela
filosofia grega, vê o ser humano integrado no universo. A integração da
humanidade no cosmo não cancela a especificidade antropológica. O ser humano é
saliência ontológica que interpreta o mundo, destina-se a si mesmo, planeja e
organiza a sociedade.
A consciência antropológica
preserva a identidade do ser humano e acentua o sentido da dignidade pessoal.
Dignidade não é mercadoria. No mundo, a prioridade é o ser humano, e não o
mercado, a globalização, a competição. Cabe à humanidade decidir o rumo e o
conteúdo de sua realização. Não pode submeter-se aos bilionários da riqueza, ao
Banco Mundial e FMI, que pretendem determinar o que a humanidade deve ou não
deve fazer. É a humanidade que tem o direito de dizer aos poderosos o que devem
respeitar e o que devem cumprir. Para isso, é preciso haver consciência
antropológica madura.
8. Maturação
O homem é projeto em seu
próprio ser. É ser iniciado, mas inacabado. Projeto é proposta arquitetural da
existência humana. O ser humano pode planejar sua vida, o que não acontece com
coisas, plantas e animais. E deve incorporar as conquistas científicas e
tecnológicas num projeto consistente que englobe a realização de todos os
povos. Por ser projeto, o homem não é saturado. “Não é compacto”, diz E. Bloch.
Pela inventividade, o ser humano pode até replanejar a vida. Não é obrigado a continuar
a ser o que era. E pode começar a ser o que não era.
A maturação concretiza o
projeto humano. Leva o ser humano a crescer, a participar e a buscar sentido
para a vida. O vazio angustia porque é ausência de sentido. Gebsattel
interpreta o vazio. “Não é que experimento o vazio. Eu sou o vazio”, diz a
personagem. “A realização da existência é o que me foi tirado”[7]. O
significado realiza o ser humano. O vazio desrealiza-o.
A maturação do projeto humano
abrange a totalidade da vida. Amadurece as dimensões somática, psíquica,
intelectual, sexual, dialogal, ecológica, econômica, política, estética,
lúdica, ética, social e religiosa. Maturação é processo interminável. Quem
desiste de realizar-se, desiste de viver. Por esse motivo, o ser humano lúcido
sente-se “insatisfeito”. Jamais inteiramente feito. É sinal de maturidade.
9. “Tessitura carcerária”
Michel Foucault aponta três
símbolos de inclusão na exclusão: o leproso, o louco e o preso. Em Caminho do
Calvário, o pintor Brueghel mostra o leproso acompanhando Jesus, de longe. O
louco é colocado “no interior do exterior”. O preso representa o internamento
que elimina os “associais” e nocivos. “A exclusão tranca-os”[8].
Foucault analisa, com
argúcia, a “tessitura carcerária da sociedade” que fabrica o “indivíduo
disciplinado”. A rede carcerária aprisiona por meio de normas, tradições,
instituições, isolamento, coação, pelo poder econômico, político, científico,
industrial, pedagógico, informático, parlamentar, policial, e pela ortodoxia
religiosa. A prisão de “delinquentes” é apenas um ponto no sistema de
aprisionamento. A “tessitura carcerária” regulamenta a sociedade através de
mecanismos sutis e invisíveis. Foucault fala na “cidade carcerária” constituída
por dispositivos que exercem o poder de “normalização”[9]. É a cidade regida
por um centro de observação, que vigia sem ser vigiado. É a cidade “Panóptica”,
que vê a todos e por todos os lados. Mas a população não consegue descobrir a
fonte de controle “carcerário” que a mantém aprisionada.
10. Des-aprisionar
Há setores que apregoam o
“consenso”, o “acordo”, o “pensamento único”, com o intuito de eliminar
resistências, aglutinar forças, casar interesses e conquistar adeptos. O
filósofo J. F. Lyotard escreve ironicamente: “Pelo consenso, somos rogados a
contribuir para a regulamentação das injustiças tão abundantes no mundo”[10].
Isto é forma de aprisionamento. Deve-se promover o “Dissenso”, de que fala
Bobbio, para esfiapar a “tessitura carcerária” do consenso. E promover o
“Desacordo” para quebrar o acordo. Discordar é forma de desaprisionar a
sociedade.
A globalização vigente
concentra riquezas, alastra desemprego e miséria. E pretende encaixar a
humanidade na prisão perpétua do modelo neoliberal. A consciência histórica há
de rebelar-se para desaprisionar o ser humano, “encarcerado” pela modernidade
do neoliberalismo.
Um dos piores encarceramentos
é a desigualdade criminosa que perpetua a estrutura escravista em estilo
moderno. A desigualdade mantém a “ordem social” em que os mais fracos são
prisioneiros dos mais fortes. A crueldade do chicote que sangrava a carne do
escravo foi substituída pela “tessitura carcerária” do desemprego, da fome, do
tráfico sexual, da demissão voluntária, da informação manipulada. Os escravos
gabões matavam-se engolindo a própria língua, como protesto[11]. Todos aqueles
que não podem fazer valer a palavra de seus direitos são obrigados a engolir a
língua. Apressemos o dia em que nosso povo desate a língua, entrelace as mãos,
erga a fronte, e exija que lhe que seja devolvida a humanidade expropriada. E o
ser humano se desaprisione para realizar-se.
11. Paradigma planetário
Realização é solidariedade. E
solidariedade é inclusão do “Outro”. O Outro instaura a alteridade, a
intersubjetividade. Diz Lévinas: “A presença do Outro é fonte de toda
significação”[12]. E escreve Gargani: “O Outro nos acompanha, mesmo sem marcar
encontro, à semelhança da lua e do sol, que acompanham nosso caminho”[13].
Solidariedade pode significar
compreensão, comiseração e até condolências. Mas significa, principalmente,
articulação de vidas e reciprocidade de esforços para a maturação de pessoas,
grupos e povos. A solidariedade madura inclui, em sua própria realização, a
realização do Outro.
A solidariedade entre
empobrecidos é insubstituível para que se emancipem da “tessitura carcerária”
que os mantêm submissos e indefesos. Os poderosos podem ser solidários com os
pobres. Mas o evangelho mostra que é raro. Deve-se ativar a solidariedade que soma
a criatividade e ajunta as possantes esperanças dos chamados “fracos”.
Solidariedade é compromisso
radical com a justiça. A justiça é urgência neste país rasgado pela injustiça
crônica. Ser solidário é arriscar-se pelos irmãos e carregar a cruz da justiça
nos ombros esfolados pela injustiça. Solidariedade não é estender o manto da
paz sobre a injustiça para tranquilizar a consciência nacional. Solidariedade,
hoje, é lutar obstinadamente para que a justiça garanta a realização de milhões
de brasileiros subumanizados.
A solidariedade autêntica
busca a realização de todos os seres humanos, em qualquer parte do mundo:
Richard Rorty propõe a solidariedade “etnocêntrica”[14]. É solidariedade
restrita a um grupo. Mas a verdadeira solidariedade é antropogenética. Esta
solidariedade é a genuína “Globalização” a ser promovida. É o paradigma
planetário para a realização da humanidade em nosso tempo.
12. Autogênese
Quando a espécie humana surge
no mundo, inaugura-se a auto-evolução. O ser humano realiza-se a si mesmo. E
autogenético porque tem capacidade para emancipar-se e criar-se. Diz Habermas:
“O ato de autorreflexão que ‘muda uma vida’ é movimento emancipatório”[15].
Milhões de seres humanos são autofágicos porque roídos pela fome entranhada em
suas vidas. É urgente realimentar a autogênese para barrar o avanço autofágico,
e garantir a realização humana.
A criatividade é inerente a
todo ser humano, e não apenas talento de alguns privilegiados. Também os
espoliados são criadores. Reprimir ou impedir a criatividade é “encarceramento”
ontológico. Segundo o Banco Mundial, no mundo há 1 bilhão e 300 milhões de
pobres que vivem apenas com 1 dólar por dia. Na consciência dessa imensa
humanidade encarcerada pela miséria, ressoa o testemunho de Bloch: “Mas eu fui feito
para criar”[16]. E Hobsbawm avisa: “Nosso mundo corre o risco de explosão e
implosão. Tem de mudar”[17]. No dia em que a criatividade autogenética de mais
de 1 bilhão de “fracos” se desaprisionar, o mundo mudará. Ou então estalará.
13. Têmpera indobrável
Realização não é produto
pré-fabricado. É criação dialética. Realizar-se exige a coragem de viver
conflitos. A coragem empenha vidas e não apenas palavras. Coragem tem o
espírito de vanguarda que desbrava trilhas e coloca a pessoa na linha de frente.
Ninguém se realiza escondendo-se na retaguarda. A coragem espanta o medo e
impulsiona a realização.
Coragem não é violência.
Coragem está na linha de Eros, da vida, da criatividade. A violência descende
de Tânatos. É aliada da morte, por isso, degrada, arruína, ensanguenta. O
corajoso suscita solidariedade, o violento impõe subserviência.
Coragem não se confunde com
poder. Coragem é o vigor da vida em favor do crescimento da humanidade. O poder
é a força do mando em favor da supremacia. O poder apoia-se na riqueza, na
política, nas armas. A coragem entronca-se na verdade, na justiça e na
dignidade. Por isso os corajosos arriscam-se e os poderosos protegem-se.
Paul Tillich diz que a
coragem é “ontológica”, porque é constitutiva do ser humano. Coragem é a fibra
de quem não perdeu a humanidade. Todos podem ter coragem. Mas são os pobres
que, de modo especial, precisam de coragem porque são a humanidade desnuda. A
coragem é a força que resta aos que perderam tudo ou quase tudo.
A coragem é têmpera indobrável.
Gera profetas e mártires. Quem tem coragem recusa-se a capitular e a fugir. E
reafirma-se com a palavra de Bloch: “Mas eu quero ser”. A coragem faz dos seres
humanos “paráclitos”, advogados, defensores dos aprisionados. E faz testemunhas
cristofânicas porque, sempre que se defende o Outro encarcerado, defende-se o
próprio Cristo.
Escreve Ernst Bloch: “A vida
está entre nossas mãos”[18]. Que faremos de nossa vida? A coragem não a deixe
cair no chão. Cristo nos ajude a amadurecer a vida, e a reparti-la solidariamente
para a plena realização
REFERÊNCIAS
[1] Hobsbawm, E., Era dos
Extremos. O Breve Século XX, 1996, p. 551.
[2] Skinner, B. F., Ciência
do Comportamento Humano, Edart, p. 250.
[3] Kurz, R., O Colapso da
Modernização, 1993, p. 80.
[4] Nietzsche, Zaratustra, III – 29.
[5] Mead, M., El Hombre Y La Mujer, trad. p. 50.
[6] Métraux, A., Religions et Magies Indiennes, Gallimard, 1967, p. 65.
[7] Gebsattel, F.,
Antropologia Medica, Rialp, trad., p. 59.
[8] Foucault, M., Histoire de
Ia Folie, Gallimard, 1972, pp. 22, 92.
[9] Foucault, M., Vigiar e
Punir, trad. 1991, pp. 268, 269.
[10] Lyotard, J. F.,
Moralités Posmodernes, Galilée, 1993, p. 182.
[11] Cunha Carneiro, M.,
Antropologia do Brasil, ed. bras. p. 132.
[12] Lévinas, E., Totalité et
Infini, Nijhoff, 1968, p. 273.
[13] Gargani, A. G., Que Peut
Faire Ia Phisosophie, Paris, 1989, p. 137.
[14] Rorty, R., Objectivisme,
Relativisme et Verité, Puf, 1994, p. 39.
[15] Habermas, J.,
Conaissance et Intérêt, trad. Gallimard, p. 245.
[16] Bloch, E., L’Esprit de L’ Utopie, trad. Gallimard, p. 204.
[17] Hobsbawm, E., op. cit., p. 562.
[18] Bloch, E., op. cit., p. 279
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