O PARADIGMA DA INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ: MOTIVAÇÕES,
IMPORTÂNCIA E NATUREZA DO PROCESSO.
Já diziam os antigos padres: os
cristãos não nascem, se fazem e para “tornar-se algo” é preciso seguir um
caminho, passar por processos iniciáticos que se desenvolvem além de ideias ou
conceitos, visando a resposta e acolhida de um projeto.
Iniciação provém do verbo latino in-ire que significa “ir
bem para dentro”. O termo equivale ao processo progressivo, ou série de
processos de maturação que uma pessoa vivencia para chegar à identificação com
um grupo concreto ou uma determinada comunidade. A iniciação não transmite
apenas normas, valores, símbolos e comportamentos, mas situa a pessoa num papel
social inteiramente novo (Iniciação à vida cristã, CNBB, 2009, p.35).
Iniciação não é invenção cristã; está na raiz de muitas
religiões na antiguidade e, mais ainda, na raiz de quase todas as culturas:
antes de ser uma realidade religiosa, é uma realidade antropológica (Semana Brasileira de Catequese, CNBB,
2010, p.104). Nas sociedades primitivas predominava a transmissão por meio da
iniciação e as sociedades tribais mantêm, ainda hoje, esse processo com os
diversos ritos de passagem. Para os cristãos, no entanto, iniciação significa
um processo de formação, amadurecimento e adesão em que a pessoa vai, aos
poucos, por um itinerário mistagógico-catequético-sacramental, identificando-se
com Cristo e com seu mistério pascal, aderindo à fé, experimentando a graça
divina por meio dos sacramentos em uma comunidade.
O caminho da iniciação ficou evidente com a estruturação do
catecumenato na Igreja dos primórdios, no século II, cujo objetivo era promover
a introdução na fé dos novos convertidos (Iniciação à vida cristã, CNBB, 2009, p.23).
Como síntese,
pode-se afirmar que o catecumenato é um processo educativo cristão, dividido em
tempos com características performativas (querigma, catequese, iluminação e
mistagogia), demarcado por etapas celebrativas (acolhida no catecumenato,
eleição e celebração dos sacramentos de iniciação cristã), dirigido a quem se
propõe traçar um itinerário pedagógico iniciático, para ser discípulo em uma
comunidade eclesial.
A iniciação cristã é, por um lado, iniciativa, graça e dom
divino, pois é o próprio Deus quem age; por outro, resposta pessoal e
comunitária. A originalidade essencial da iniciação cristã consiste no fato de
que Deus tem a iniciativa e a primazia na transformação interior da pessoa e em
sua integração na Igreja, fazendo-a partícipe da morte e ressurreição de
Cristo.
A publicação do RICA
, em 1973, foi ,sem dúvida, um marco no redescobrimento do catecumenato, mais
exatamente da inspiração catecumenal como o caminho para a catequese hoje, que
dentro do contexto de mudança de época, precisa tomar rumos menos conceituais
ou somente doutrinal, para assumir uma dimensão celebrativa, comprometedora,
que tenha como consequência o seguimento a Jesus. Esse redescobrimento não está
centrado num retorno forçado à época áurea desta instituição, mas sim
assumindo-a como referencial, ocupando-se da metodologia, que fazia do processo
um caminho de identidade cristã, discipulado e missionariedade, modelo para
estar a serviço da iniciação cristã hoje.
Os documentos mais recentes produzidos para catequese têm
acenado para a importância de resgatar o valor iniciático: “daí a necessidade
das formas de catequese que estejam verdadeiramente a serviço da iniciação
cristã” (A caminho de um novo paradigma para a catequese, CELAM, 2008, p.37).
No DGC (1998, p.63-4), a catequese é colocada como elemento
fundamental de serviço a iniciação cristã e da evangelização, pois a mesma
corresponde ao período em que se estrutura a conversão a Jesus, e se oferecem
as bases para a primeira adesão; os convertidos são iniciados no mistério da
salvação e na vida testemunhada pela experiência do Evangelho. O DNC (CNBB,
2006, p.39) destaca que a catequese está a serviço da iniciação à vida cristã,
é um processo exigente e um itinerário de compreensão vital, que deve
articular-se como processo que visa introduzir os não iniciados nos diversos
aspectos essenciais da fé cristã, não sendo uma supérflua introdução na fé,
algo artificial, um verniz ou cursinho de admissão na Igreja.
O Documento de Aparecida aponta a iniciação à vida cristã
como urgência a ser desenvolvida nas comunidades, iniciando pelo querigma,
guiado pela Palavra, conduzindo a um encontro pessoal com Cristo, que tem como
resposta a conversão e a comunhão para o seguimento e a missão de evangelizar:
“Impõe-se a tarefa irrenunciável de oferecer modalidade de iniciação cristã,
que além de marcar o quê, também dê elementos para o quem, o como e o onde se
realiza” (Documento de Aparecida, CELAM, 2008, p.135).
O
Estudo 97 da CNBB (fruto da 3ª Semana Brasileira de Catequese) é um instrumento
de estudo importantíssimo porque esquematiza o processo de iniciação à vida
cristã, refletindo tal processo por meio de questões fundamentais: por quê? O
que é? Como se faz? Para quem se destina? Com quem contamos e onde
realizaremos?
Tal
Estudo é um dos mais desafiadores para Igreja, no âmbito pastoral, pelo fato de
não ser simples conduzir as pessoas a um contato vivo e pessoal com Cristo:
isso implica o envolvimento de todos os organismos paroquiais, unindo forças em
vistas de objetivos comuns, além da conversão pastoral e de uma animação
bíblica eficaz; necessita de itinerários bem elaborados e de catequistas iniciados;
precisa de tempo para vivência do processo e encontros de catequese para que o
catecúmeno ou catequizando seja realmente iniciado na vida cristã.
A iniciação à vida cristã é também apontada como uma das
urgências das Diretrizes Gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil
(2011-15), que acentua a importância de processos permanentes de iniciação para
as atividades pastorais das dioceses.
O processo de iniciação vivenciado nos primórdios da vida da
Igreja e sua metodologia como caminho progressivo é ainda hoje o que se tem de
mais profundo para a iniciação à vida cristã. Caminho sempre marcado por tempos
fortes de aprofundamento e celebrações comunitárias, por uma forma
personalizada de evangelizar, que respeita o ritmo do iniciado e suas
respostas.
A
iniciação cristã é desafio que deve ser encarado com decisão, coragem e
criatividade (Documento de Aparecida, CELAM, 2008, p.134-5). Assim, os processos catequéticos precisam
recuperar a metodologia catecumenal e assumir como objetivo essencial a
formação de discípulos autênticos. Para isso, elaborar encontros de catequese
iniciáticos e formar catequistas para a visão processual se faz urgente.
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