sábado, 21 de julho de 2012


O PARADIGMA DA INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ: MOTIVAÇÕES, IMPORTÂNCIA E NATUREZA DO PROCESSO.

Já diziam os antigos padres: os cristãos não nascem, se fazem e para “tornar-se algo” é preciso seguir um caminho, passar por processos iniciáticos que se desenvolvem além de ideias ou conceitos, visando a resposta e acolhida de um projeto.
Iniciação provém do verbo latino in-ire que significa “ir bem para dentro”. O termo equivale ao processo progressivo, ou série de processos de maturação que uma pessoa vivencia para chegar à identificação com um grupo concreto ou uma determinada comunidade. A iniciação não transmite apenas normas, valores, símbolos e comportamentos, mas situa a pessoa num papel social inteiramente novo (Iniciação à vida cristã, CNBB, 2009, p.35).
          Iniciação não é invenção cristã; está na raiz de muitas religiões na antiguidade e, mais ainda, na raiz de quase todas as culturas: antes de ser uma realidade religiosa, é uma realidade antropológica (Semana Brasileira de Catequese, CNBB, 2010, p.104). Nas sociedades primitivas predominava a transmissão por meio da iniciação e as sociedades tribais mantêm, ainda hoje, esse processo com os diversos ritos de passagem. Para os cristãos, no entanto, iniciação significa um processo de formação, amadurecimento e adesão em que a pessoa vai, aos poucos, por um itinerário mistagógico-catequético-sacramental, identificando-se com Cristo e com seu mistério pascal, aderindo à fé, experimentando a graça divina por meio dos sacramentos em uma comunidade.
          O caminho da iniciação ficou evidente com a estruturação do catecumenato na Igreja dos primórdios, no século II, cujo objetivo era promover a introdução na fé dos novos convertidos (Iniciação à vida cristã, CNBB, 2009, p.23).
      Como síntese, pode-se afirmar que o catecumenato é um processo educativo cristão, dividido em tempos com características performativas (querigma, catequese, iluminação e mistagogia), demarcado por etapas celebrativas (acolhida no catecumenato, eleição e celebração dos sacramentos de iniciação cristã), dirigido a quem se propõe traçar um itinerário pedagógico iniciático, para ser discípulo em uma comunidade eclesial.
A iniciação cristã é, por um lado, iniciativa, graça e dom divino, pois é o próprio Deus quem age; por outro, resposta pessoal e comunitária. A originalidade essencial da iniciação cristã consiste no fato de que Deus tem a iniciativa e a primazia na transformação interior da pessoa e em sua integração na Igreja, fazendo-a partícipe da morte e ressurreição de Cristo.
           Por iniciação cristã, pois, deve-se entender a incorporação do candidato, mediante os três sacramentos de iniciação, no mistério de Cristo, morto e ressuscitado, e na comunidade da Igreja, sacramento de salvação; de tal modo que o iniciado, profundamente transformado e introduzido na nova condição de vida, morre ao pecado e começa nova existência para sua plena realização (DICIONÁRIO DE CATEQUÉTICA, 2004, p.605).
        A publicação do RICA , em 1973, foi ,sem dúvida, um marco no redescobrimento do catecumenato, mais exatamente da inspiração catecumenal como o caminho para a catequese hoje, que dentro do contexto de mudança de época, precisa tomar rumos menos conceituais ou somente doutrinal, para assumir uma dimensão celebrativa, comprometedora, que tenha como consequência o seguimento a Jesus. Esse redescobrimento não está centrado num retorno forçado à época áurea desta instituição, mas sim assumindo-a como referencial, ocupando-se da metodologia, que fazia do processo um caminho de identidade cristã, discipulado e missionariedade, modelo para estar a serviço da iniciação cristã hoje.
        Os documentos mais recentes produzidos para catequese têm acenado para a importância de resgatar o valor iniciático: “daí a necessidade das formas de catequese que estejam verdadeiramente a serviço da iniciação cristã” (A caminho de um novo paradigma para a catequese, CELAM, 2008, p.37).
           No DGC (1998, p.63-4), a catequese é colocada como elemento fundamental de serviço a iniciação cristã e da evangelização, pois a mesma corresponde ao período em que se estrutura a conversão a Jesus, e se oferecem as bases para a primeira adesão; os convertidos são iniciados no mistério da salvação e na vida testemunhada pela experiência do Evangelho. O DNC (CNBB, 2006, p.39) destaca que a catequese está a serviço da iniciação à vida cristã, é um processo exigente e um itinerário de compreensão vital, que deve articular-se como processo que visa introduzir os não iniciados nos diversos aspectos essenciais da fé cristã, não sendo uma supérflua introdução na fé, algo artificial, um verniz ou cursinho de admissão na Igreja.
          O Documento de Aparecida aponta a iniciação à vida cristã como urgência a ser desenvolvida nas comunidades, iniciando pelo querigma, guiado pela Palavra, conduzindo a um encontro pessoal com Cristo, que tem como resposta a conversão e a comunhão para o seguimento e a missão de evangelizar: “Impõe-se a tarefa irrenunciável de oferecer modalidade de iniciação cristã, que além de marcar o quê, também dê elementos para o quem, o como e o onde se realiza” (Documento de Aparecida, CELAM, 2008, p.135).
         O Estudo 97 da CNBB (fruto da 3ª Semana Brasileira de Catequese) é um instrumento de estudo importantíssimo porque esquematiza o processo de iniciação à vida cristã, refletindo tal processo por meio de questões fundamentais: por quê? O que é? Como se faz? Para quem se destina? Com quem contamos e onde realizaremos?
           Tal Estudo é um dos mais desafiadores para Igreja, no âmbito pastoral, pelo fato de não ser simples conduzir as pessoas a um contato vivo e pessoal com Cristo: isso implica o envolvimento de todos os organismos paroquiais, unindo forças em vistas de objetivos comuns, além da conversão pastoral e de uma animação bíblica eficaz; necessita de itinerários bem elaborados e de catequistas iniciados; precisa de tempo para vivência do processo e encontros de catequese para que o catecúmeno ou catequizando seja realmente iniciado na vida cristã.
         A instituição catecumenal é uma das mais acabadas realizações da Igreja nos séculos II e III; é o desenvolvimento estruturado do que estava, em germe, presente no Novo Testamento. O processo básico do tornar-se cristão, cujo livro dos Atos nos indica (evangelização-fé-metanóia-batismo) é garantido por um sólido quadro institucional. Várias são as causas que devem ter influído em sua criação: em primeiro lugar, a importante ação evangelizadora e a forte vontade de manter a “qualidade” dos novos convertidos e das jovens comunidades cristãs; mas também a ameaça crescente das seitas heréticas [...] (BORÓBIO, A celebração na Igreja 1,   1990, p. 58-9)
         O tema da iniciação cristã é consequência da caminhada da Igreja nesses últimos anos e é tão urgente que foi escolhido como tema prioritário da 47ª Assembleia Geral da CNBB de 2009. Logo ficou claro que não se trata só de iniciação cristã, mas sim de “iniciação à vida cristã”. Tal expressão procura traduzir a comunicação de uma fé que não se reduz à intimidade com Jesus Cristo, mas que tenha reflexos e influências vitais na própria existência, levando à participação da comunidade, que no seu conjunto, deve dar testemunho do Evangelho.
         A iniciação à vida cristã é também apontada como uma das urgências das Diretrizes Gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil (2011-15), que acentua a importância de processos permanentes de iniciação para as atividades pastorais das dioceses.
        O processo de iniciação vivenciado nos primórdios da vida da Igreja e sua metodologia como caminho progressivo é ainda hoje o que se tem de mais profundo para a iniciação à vida cristã. Caminho sempre marcado por tempos fortes de aprofundamento e celebrações comunitárias, por uma forma personalizada de evangelizar, que respeita o ritmo do iniciado e suas respostas.
                A iniciação cristã é desafio que deve ser encarado com decisão, coragem e criatividade (Documento de Aparecida, CELAM, 2008, p.134-5). Assim, os processos catequéticos precisam recuperar a metodologia catecumenal e assumir como objetivo essencial a formação de discípulos autênticos. Para isso, elaborar encontros de catequese iniciáticos e formar catequistas para a visão processual se faz urgente.

(Roberto Bocalete: parte do artigo científico - O encontro de catequese para o processo de Iniciação à vida cristã)

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