terça-feira, 31 de julho de 2012


AS PERSPECTIVAS SÓCIO-TRANSFORMADORA, INCULTURADA, 
ECUMÊNICA E COMUNITÁRIO- PARTICIPATIVA DA CATEQUESE

     A catequese, mediante seu objetivo e consciência pedagógica que determinam sua prática, precisa trabalhar perspectivas fundamentais que contribuam para a formação global do discípulo, dimensões que não podem ser deixadas de lado se a proposta é de uma catequese que responda aos desafios da realidade. O objetivo agora é favorecer um cuidado adequado ao estudo das perspectivas sócio-transformadora, inculturada, comunitário-participativa e ecumênica na catequese.
     A catequese não pode ficar fora da realidade. Ou ela transforma as pessoas e a sociedade, ou não é fiel a mensagem e ao projeto de Jesus Cristo. Quando ela não atinge as raízes do ser humano, não o direciona para uma consciência de si e da realidade, se torna um verniz superficial. Como fazer para que a catequese não seja puramente doutrinal, mas atinja os sentimentos e as atitudes das pessoas? Desafio que progressivamente pode ser sanado a partir de uma ação catequética sócio-transformadora e inculturada.
     Alicerçada na Palavra, a catequese precisa educar, iluminar e orientar o comportamento humano, humanizar a vida e os relacionamentos, voltar-se para as necessidades da realidade. A interação fé-vida ajuda muitos cristãos na formação da consciência crítica diante da realidade, porém, existem ainda muitos que se dizem cristãos cuja prática socio-política não é influenciada pelos valores do Evangelho. “Uma catequese mal feita ou insuficiente levou a uma dicotomia entre fé professada e a prática do dia-a-dia. Por isso ela não pode ser reduzida simplesmente a um conjunto de conhecimentos, mas precisa atingir o ser profundo” (Catequese sócio-transformadora. RIXEN,).  Afirma o DNC que “Essa confrontação entre a formulação da fé e as experiências de vida possibilita uma formação cristã mais consciente, coerente e generosa” (DNC, p. 104).
     A catequese, como sinal de caridade e serviço, deve abrir-se ao horizonte da promoção integral do ser humano e da transformação da sociedade nos diversos níveis. Além de fazer parte da missão da Igreja, da evangelização, é compromisso fundamental da catequese e do agir eclesial a transformação da realidade social, tendo em vista a construção do Reino e a salvação dos homens (ALBERICH, 2004, p. 243-4). O agir na justiça e na verdade, a acolhida das propostas quaresmais da Campanha da Fraternidade, a consciência política (combate a corrupção, cidadania e prudência eleitoral), a quebra de preconceitos (idoso, mulher, raças, portadores de deficiências) a opção preferencial pelos pobres e marginalizados, a luta pela libertação da escravidão dos vícios do século XXI (drogas, bebidas, egoísmo, hedonismo, mentira), são práticas que devem estar presentes na catequese.
    Como processo de formação, a catequese deve desenvolver no educando sentimentos intrínsecos à escolha por Jesus. Assim, a catequese deve educar para o exercício do serviço sociocaritativo: deve assumir as angústias e as esperanças do homem e da mulher de hoje para dar-lhes a possibilidade de uma libertação mais plena, deve realizar obras de libertação e promoção humana, deve promover a vida em meio a cultura de morte e chamar atenção ao grito dos agonizantes. A catequese profundamente renovada constitui um verdadeiro celeiro de defesa da dignidade da pessoa humana (Catequese Evangelizadora, ALBERICH, p. 248-9).
     A práxis catequética concreta orienta para ação, promove solidariedade, compromisso e participação, testemunha o Evangelho por meio de ações como a fraternidade, a paz, a responsabilidade, a denúncia, a caridade. A mensagem final do Documento de Aparecida é um chamado muito forte para a catequese: As agudas diferenças entre ricos e pobres convidam a trabalhar com maior empenho para ser discípulos que sabem partilhar a mesa da vida, mesa de todos os filhos e filhas do Pai, mesa aberta, inclusiva, na qual não falta ninguém. Por isso reafirmamos nossa opção preferencial e evangélica pelos pobres. Comprometendo-nos a defender os mais fracos [...].
    A catequese também necessita inculturar-se sempre, tornar a mensagem clara às diversas culturas, encarnar-se. O DGC ressalta a seriedade dessa tarefa: “A Inculturação da fé [...] é um processo profundo e global e um caminho lento. Não é uma simples adequação externa que, para tornar mais atraente a mensagem cristã” (DGC, p.111), mas trata-se da penetração do Evangelho no mais profundo das pessoas e dos povos, tocando-os profundamente chegando às suas raízes por meio da cultura.
      É na realidade cultural que acontece a obra evangelizadora. O entrelaçamento entre Palavra de Deus e cultura pode ser assumido por meio de uma eclesiologia de comunhão, da fé vivida e encarnada na cultura e de um diálogo sincero com as diversas manifestações, acolhendo os aspectos positivos, corrigindo e purificando os contra valores por meio da denúncia daquilo que fere a dignidade.
    A catequese é lugar e instrumento de inculturação e deve desenvolver, portanto, características importantes na sua prática, educando o futuro discípulo para promissora atitude de respeito e diálogo com a realidade. Dentre essas características pode-se destacar: a busca de uma linguagem adequada à comunicação da fé (esforço de encarnação e de sintonia cultural); valorização dos leigos locais, que pertencendo ao povo, conhecem formas eficazes de inculturação; elaboração de materiais locais, em sintonia com a sensibilidade e o modo de pensar do povo; atenção às culturas indígenas, aos migrantes e aos afro-descendentes; atenção aos riscos de reducionismo e de sincretismo, que comprometem a autenticidade da evangelização (Catequese Evangelizadora, ALBERICH, 2004, p.131-3).
      A terceira exigência está em promover a fé cristã acompanhando a razão crítica e a cultura científica: o universo dos interlocutores é de reflexão técnica e crítica e nessa cultura científica a catequese deverá respeitar a inteligência dos interlocutores, por meio da seriedade, de um projeto refletido e bem estruturado. A fé precisa apoiar-se na razão para amadurecer e, desse modo, a catequese deve formar para a reflexão crítica, confrontando os valores da fé com valores da própria ciência, deixando evidente que a fé contribui para uma interpretação da realidade com sabedoria e um enriquecimento para sentido da vida, sem ser dicotômica.
     Por fim, o quarto desafio está no diálogo inter-religioso, desafio que já introduz a perspectiva ecumênica na catequese, situação que não pode ser ignorada no Brasil. A catequese precisa proporcionar um método apropriado para se compreender e viver a fé, favorecendo o diálogo com outras religiões. Sem perder a convicção própria, a catequese deverá encontrar pontos comuns entre as comunidades de fé, formando assim cristãos seguros, abertos ao diálogo que permitam ser enriquecidos com a experiência do outro, visando uma humanidade mais fraterna (DICIONÁRIO DE CATEQUÉTICA, 2004, p.159-60).
     É fundamental para a catequese a sensibilidade ecumênica e dialogal, mesmo diante das dificuldades de aproximação ou da complexidade que a grande ação envolve. É certo que estamos situados num mundo plural, estamos relacionados com pessoas diferentes. A nossa catequese há de levar em conta as diferenças que existem e os intercâmbios que se possam propor. A abertura da catequese, em vista do diálogo ecumênico e do diálogo inter-religioso, torna-se uma exigência e merece ser motivo de nossa indagação e reflexão conjunta (Catequese e diálogo ecumênico e inter- religioso, CARDOSO, 2009, p.1).
     Dialogar implica em dialogantes, postura em que não é um só que fala, mas que há um outro, que precisa ser ouvido. Diálogo implica em alteridade e diferença: o diálogo é um modo de se relacionar, de enriquecimento interior das pessoas ou de consolidação dos laços interpessoais. Implica em relação de abertura, acolhimento, respeito, estima, comunicação, contribuição mútua. Dados os limites de um e outro, e dadas as diferenças, pode o diálogo implicar também algo de tenso, ou pode significar uma experiência de aprendizado e crescimento, claro, dependendo dos interlocutores. “A Igreja está aprendendo novos caminhos: o do ecumenismo, do diálogo religioso, do diálogo com a cultura e da promoção da liberdade” (DNC, p.67).
     Na catequese, há um chamado a desenvolver atitude de respeito, de estima com o outro. O Objetivo é mostrar o desejo de chegar não a um maior antagonismo, mas a uma maior concórdia e unidade. A catequese não é um curso de ecumenismo, mas aproveita de uma sensibilidade ecumênica. Uma catequese com sensibilidade ecumênica desenvolvida seria, sobretudo, uma catequese que atuasse com espírito de fraternidade, valorizando o mandamento do amor a todos. Não há lugar, pois, para uma catequese que mantenha palavras, juízos ou atos contra a dignidade dos irmãos de outras Igrejas, que não promova o diálogo, ou que não valorize em sua justa medida os tesouros cristãos e a obra do Espírito Santo que se encerra nas comunidades separadas de Roma (DICIONÁRIO DE CATEQUÉTICA, 2004, p.371).
     É interessante valorizar algumas práticas essenciais para uma catequese ecumênica: usar uma linguagem adequada ao referir-se aos não-católicos, sem que seja depreciativa; não julgar a pessoa do outro por ter convicções e práticas diferentes; procurar corrigir-se e pedir desculpas quando demonstrar preconceitos com as outras comunidades de fé; reconhecer os limites também dos católicos na história da Igreja e os limites de cada pessoa, que são imperfeitas; reconhecer os valores cristãos presentes nos cristãos não católicos, ou os valores religiosos e humanos presentes também nos não cristãos; respeitar a oração do outro e a ação caritativa do outro; valorizar o espírito de aproximação, de concórdia e de colaboração entre as pessoas. É importante, ainda, valorizar os momentos de oração comum, como a ocasião da Semana de Oração pela Unidade, as Campanhas da Fraternidade com temáticas ecumênicas, evitar o indiferentismo religioso e o proselitismo: dialogar não é impor nem receber imposição (CARDOSO, 2009, p. 6-9).
     A catequese é educação na fé para a pessoa que vive no pluralismo e necessita aprender a lidar com a diversidade. Que ela venha em auxílio de formar discípulos para viverem uma identidade na liberdade, também mostrando uma atitude de respeito, de diálogo e de colaboração.
   A catequese em todas as formas que é concebida ou sonhada, está ligada por laços estreitos à comunidade cristã. Por isso, outra perspectiva importante é a comunitário-participativa, entendendo a comunidade como lugar (onde se transmite a vida, alimento e os meios necessários para a vida cristã), origem da catequese (comunidade iniciadora por excelência) e também meta (objetivo), pois a catequese capacita o cristão a viver em comunidade e a participar ativamente da missão da Igreja (DGC p.83).  “É tarefa própria da catequese animar os catequizandos a se integrarem à comunidade, o que implica uma vinculação a ela, no duplo sentido de identificação e pertença” (Manual de Catequética, CELAM, 2007, p.182).
     A comunidade é condição necessária para catequese. A pedagogia catequética é eficaz na medida em que a comunidade cristã se torna referência concreta para a caminhada dos indivíduos (DGC p.164). Por essa razão, a catequese corre o risco de esterilizar-se se uma comunidade não acolhe o catequizando ou ainda não dá testemunho de fé para uma maturidade daquele que está em processo.
     A catequese se destina a comunidade e seu crescimento na fé, assim, catequizando é educado para dimensão participativa, para comprometer-se, sendo presença atuante na ação evangelizadora: “a ação catequética tem em mira a comunidade e seu amadurecimento na fé, e no interior dessa ação comunitária também faz crescer a vida religiosa dos indivíduos” (ALBERICH, 2004, p. 276).
     Os aspectos da opção comunitária convidam a uma revisão profunda da identidade da catequese em uma comunidade. Para tanto, é preciso educar a comunidade para encarar a catequese como âmbito eclesial, portanto, prioridade em qualquer plano pastoral, educar para o seu papel de lugar e meta da catequese; é necessário favorecer abertura e acolhida ao catequizando nas atividades pastorais, pois se exige participação, a comunidade precisa ser acolhedora, e também, desenvolver no interior de pequenos grupos (pequenas comunidades, círculos bíblicos, grupo de catequistas) a dinâmica do valor e da importância do outro como fundamental para o desenvolvimento e integração grupal. Não basta que a catequese seja feita em comunidade, ela precisa ser feita de comunidade, com fisionomia grupal e processo interativo.


**Roberto Bocalete - Especialista em Pedagogia Catequética

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