Ola amados e amadas catequistas: proponho uma reflexão sobre a catequese e a cultura, o humano e seu desafio de manter-se pessoa diante da realidade que desintegra. Ser catequistas é também contribuir para o sentido da vida! Um pouco de antropologia também ajuda. Abraços e boa leitura!
CATEQUESE E CULTURA
(Roberto Bocalete - PUC-GOIAS)
Ser
humano é entender-se como ser de relações, contingência, necessidades e
possibilidades; é perceber-se como pessoa, síntese de uma vida social,
política, econômica, permeada pela cultura, linguagem, trabalho, lazer,
educação, arte, e também de uma vida espiritual, racional, presente em um
determinado tempo, que tem como instrumento de relação a comunicação com o
divino por meio da religião. O homem é aquele que, tendo consciência de sua
racionalidade, estrutura valores éticos, tem sede da verdade, busca a
“salvação” apesar de suas limitações e anseia pela felicidade.
A
cultura, em específico, pode ser definida como a atividade essencialmente
humana de “ir além” de um determinismo genético ou geográfico para a
assimilação do progresso e renovação do mesmo por meio da história e do projeto
para o futuro. Sendo uma das principais características da pessoa humana, a
cultura é o seu habitat, local onde se apreende uma maneira de ver a realidade,
onde se estabelece relações, onde se convive, aperfeiçoa, enriquece, enfim,
humaniza-se. Tratar de cultura é apresentar a ponte para a construção da
existência humana, é aprofundar-se nos valores, teorias, instituições,
contratos humanos, situações das quais, o homem não pode ser “apartado” para
tornar-se homem.
A cultura é apreendida nas
relações sociais e transformada pelo homem por meio da linguagem, que o faz
comunicar-se com o mundo, interpretar, compreender a realidade e agir sobre
ela, e também, é fortalecida pelo trabalho, maneira que o homem encontrou para
a produção qualitativa do mundo e de si mesmo. Esmiuçar o termo cultura é
explorar o agente homem e seu conjunto de símbolos, relações essenciais,
lugares, tempos, momentos, também religião; é apontar o dinamismo e a
diversidade que essa maneira de ser pessoa assume no decorrer da evolução e nas
diversas formas de organizações sociais.
Após
uma definição de homem, do conceito de cultura, no qual a catequese está
inserida, é interessante também definir o que seria esse processo de educação
na fé e quais seus objetivos para, conforme esse texto, propor um modelo de
catequese humanizadora. A catequese é um processo evangelizador que se
desenvolve em comunidade, é dinâmica, sistemática e permanente. É um anúncio e
um serviço para provocar um vivo contato com Jesus, levando ao compromisso e ao engajamento na comunidade cristã.
A
ação catequética procura dedicar-se a uma educação para a fé que fortaleça a
responsabilidade cristã por meio conhecimento, fruto de uma experiência celebrada, compreendida, sentida e assumida, respeitando sempre a dignidade e
os direitos humanos. O objetivo desta ação, então, é catequizar as diversas
dimensões da vida cristã, a luz da Palavra de Deus, para construir comunidades
catequizadoras comprometidas com a verdade e a justiça, sinais do reino já
presentes entre nós.
É
evidente que a cultura influencia e cria uma maneira ideológica de ser, modos
de expressão, julgamentos, preconceitos, valores, regras, e sempre deixa como
herança o que já foi construído pelos antepassados. O homem, no entanto, não é
obrigado a seguir os padrões pré-estabelecidos quando estes não o trazem
felicidade. A criatividade e a produção racional humana são características de
sua pessoalidade, para tanto, a liberdade, que se dá por meio da consciência da
realidade e pressupõe a responsabilidade e atitudes morais particulares,
caracterizadas pelo respeito e o “sair-de-si”, independem da cultura onde
estiver e são escolhas humanas. Assim, a ação catequética nesse contexto, educa
para consciência do bem e opta pela ideologia do amor, que seria a mais
coerente.
Para
culturas mais humanas, e por consequência, uma catequese mais humanizadora, há
necessidade de homens mais éticos: daí a urgência de uma catequese que seja
resposta aos anseios humanos, que favoreça o encontro da criatura com o Criador
que a ama, e ainda, que conduza para um encontro urgente com o bem e a felicidade, que são
frutos das decisões tomadas pelo próprio homem. Na existência humana,
procura-se o sentido da vida: a fé cristã, quando bem vivenciada e compreendida
em sua mística do amor, faz o homem reconhecer um propósito na existência - não
somos frutos do acaso, fazemos parte de uma história que se desenrola sob o
olhar amoroso de Deus.
Conforme
o Documento de Aparecida, as mudanças culturais dificultam a transmissão da fé
por parte da família e da sociedade: são grandes as trevas da realidade - o
egoísmo, a indiferença, hedonismo, injustiça social, corrupção, cultura de
morte, relativismo, desumanização... e diante disso, faz-se importante uma
catequese iniciática, conforme a proposta da Catequese Renovada, do Diretório Nacional de Catequese, da 3 Semana Brasileira de Catequese, que seja transformadora e
libertadora, com a mensagem de fé que ilumine a existência humana, eduque para
consciência crítica diante das estruturas injustas e leve a uma ação
transformadora da realidade social. A catequese tem por tarefa introduzir o
cristão nestas ações, inspiradas pela experiência de Deus na caminhada da
comunidade.
Outro
fator interessante para a construção da catequese humanizadora está na proposta
de uma catequese inculturada, que deve valorizar e assumir os valores positivos
da cultura, a linguagem, os símbolos, a maneira de ser e de viver do povo nas
suas diversas expressões culturais. Expressar o evangelho de forma relevante para a cultura é uma exigência
metodológica da catequese. Não se trata só da cultura popular, ligada mais ao
ambiente rural e às vezes pré-moderno, mas também da cultura surgida da
modernidade e pós-modernidade, cujo lugar privilegiado são os grandes espaços
urbanos. Na interação fé e vida, o conteúdo da catequese compreende dois
elementos que se interagem: a experiência da vida e a formulação da fé. A
afirmação do princípio de interação é a recusa do excesso de teoria, desligada
da realidade e do dualismo, optando por uma catequese mais
celebrativa-vivencial, que resulte no compromisso comunitário com a realidade e
suas transformações.
Para
construção de uma catequese que humanize as relações e por conseqüência a
cultura, precisa-se de catequistas, catequetas, padres, bispos e religiosas conscientes e competentes. O catequista é o educador, o auto-falante da Igreja que anuncia
Jesus Cristo aos seus catequizandos; é ser chamado por Deus a uma vocação de
amor, enraizada na comunidade cristã. O
catequista para os novos desafios da atualidade precisa ser “humano”, afetivo,
acolhedor, dinâmico, que testemunhe com sua vida as verdades que proclama em
seu encontro; deve ser criativo, organizado, desenvolver uma espiritualidade
completa, promover a vivência do amor fraterno em grupo, ser comunicador,
amigo, que conhece o interlocutor do processo catequético e faz com que ele
seja o protagonista da fé. O catequista sempre estuda, cuida de sua formação, é
alegre, sabe trabalhar em equipe, tem grande motivação de fé, participa
efetivamente da comunidade cristã, enfim, é ser humano de coragem, seriedade,
determinado e em busca de aperfeiçoamento.
Conforme
o Diretório Nacional de Catequese, o Evangelho se destina em primeiro lugar à
pessoa humana concreta e histórica, radicada numa determinada situação. A
atenção ao indivíduo não deve levar a esquecer que a catequese tem como
interlocutor a comunidade cristã como tal e cada pessoa dentro dela. A
adaptação tem sua motivação teológica no mistério da encarnação e corresponde a
uma elementar exigência pedagógica. Vai ao encontro das pessoas e considera
seriamente a variedade de situações e culturas, mantendo a comunhão na
diversidade a partir da unidade que vem da Palavra de Deus. Assim, o Evangelho
será transmitido em sua riqueza e sempre adequado aos diversos ouvintes. A
criatividade e arte dos catequistas estão a serviço deste critério fundamental.
A pedagogia da fé precisa então atender às diversas necessidades e adaptar a
mensagem e a linguagem cristãs às diferentes situações dos interlocutores.
Sentimos
a urgência de desenvolver em nossas comunidades uma catequese que comece pelo querigma guiado pela Palavra de Deus, que conduza a um encontro pessoal, cada
vez maior, com Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito homem, experimentado como
plenitude da humanidade e que leve à conversão, ao discipulado, isto é, ao
seguimento em uma comunidade eclesial e a um amadurecimento de fé na prática
dos sacramentos, do serviço e da missão.
O caminho para uma catequese humana e humanizadora que dê sentido a vida está
traçado. O que se deve alimentar para a prática catequética é a possibilidade
de fazer crescer no cristão as virtudes humanas que influenciem a cultura para
a adesão à vida em abundância, sinal da graça do Reino de Deus. Todos são
convidados a ser pontes para esse processo de produção de uma realidade mais
coerente com o projeto de Cristo: formar discípulos a partir da realidade para
transformação eficaz dessa realidade.
BOFF, Leonardo. O destino do homem e do mundo. 8. ed.
Petrópolis: Editora Vozes, 1998.
CHAUÍ. Marilena. Convite à Filosofia. 13.ed. São Paulo:
Ática, 2003.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretório Nacional
de Catequese. Brasília, Edições CNBB, 2006.
____. Catequese Renovada. 25. ed. São Paulo: Paulinas, 1997.
CURY, Silvia de Melo Lemos. Filosofia da fidelidade ao ser.
Noções de humanismo. São Paulo: Loyola, 1986.
DOCUMENTO DE APARECIDA. Texto conclusivo da V Conferência do
Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Tradução de Luiz Alexandre Rossi.
5.ed. São Paulo: Paulus, 2008.
GALANTINO, Nunzio. Dizer “homem” hoje: novos caminhos da
antropologia filosófica. Tradução de Roque Frangiotti. São Paulo: Paulus, 2003.
JOÃO PAULO II. Catechesi Tradendae – Exortação Apostólica.
8.ed. São Paulo: Paulinas, 1983.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico.
Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
MAY, Rollo. O homem a procura de si mesmo. Tradução de Áurea
BritoWeissenberg. 31 ed., Petrópolis: Vozes, 2005.
Nenhum comentário:
Postar um comentário