ATOS DOS APÓSTOLOS 8,26-40:
FILIPE E O EUNUCO ETÍOPE
UMA REFERÊNCIA DE INICIAÇÃO À
VIDA CRISTÃ
Nos
Atos dos apóstolos, é possível perceber que Lucas está interessado em frisar
que o Espírito dirige a vida da Igreja, cuja tarefa é levar o Evangelho até os
confins do mundo. É ele que determina os tempos e sugere os modos da
evangelização. O Espírito Santo abrange a história dos Atos, iniciando com a
página programática do Pentecostes cristão (Atos 2), a manifestação do Espírito
que visa produzir efeitos nos apóstolos, cria uma nova possibilidade de
comunicar e entender e afirma que a experiência no Espírito Santo conduz ao
anúncio e ao convite a conversão, trilhando-se um itinerário na comunidade
cristã, mediante o rito do batismo e o dom do Espírito Santo (FABRIS, p.74-5).
A
experiência do Espírito em Pentecostes é o início programático da Igreja e tal
experiência é seguida de outras mais, baseadas na ação do mesmo Espírito que
universaliza o anúncio e alcança os povos (dentre eles o eunuco, ministro da
rainha da Etiópia) como força livre que liberta e unifica, manifestada no
dinamismo do amor e da acolhida.
A função do Espírito Santo, nos
Atos, é de atualizar e propagar a salvação adquirida por e em Cristo, através
do testemunho. O Espírito, experimentado pelos discípulos, anima-os para
anunciar a Cristo; ele guia o testemunho deles e intervém a cada momento na
realização do desígnio salvador de Deus
(CONGAR, p.68-9).
O episódio da conversão do eunuco
demonstra a experiência pneumatológica de Filipe, que assume a atividade
missionária e evangelizadora, e também o nascimento do etíope para a fé por meio
do próprio Espírito, que conduz Filipe e ainda permite ao eunuco conhecer
verdadeiramente a pessoa de Jesus Cristo, tendo como ponto culminante do
processo a profissão de fé do etíope, seu batismo e a adesão. O Espírito em
Atos intervém espontaneamente nos momentos salientes da história da
evangelização, agindo de forma eficaz para a revelação da Igreja e das
Escrituras.
No início da perícope, o
Espírito, que tem papel importante no texto, sugere a Filipe aproximar-se do
carro em que viaja o ministro etíope; estimula-o, pois, a dar o primeiro passo
com que se inicia o processo de conversão. No fim do episódio é ainda o
Espírito que arrebata Filipe e o transfere para Azot em vista da continuação da
sua atividade.
Num primeiro olhar, esses elementos referentes ao
Espírito parecem pobres; no entanto, se considerados à luz de todo o relato e
da obra de Lucas como totalidade, permitem salientar, com maior ou menor
evidência, elementos importantes da teologia lucana do Espírito. Em cada
perícope duma obra literária refletem-se, pois, sempre as grandes perspectivas
teológicas de seu autor (CASALEGNO, p.1).
O eunuco era um pagão castrado
que possivelmente não poderia ser membro do povo hebraico. Sem ser circunciso,
simpatizava-se, porém, pelo judaísmo: por isso, abraçou a fé monoteísta e
nutria-se da sabedoria contida nas Escrituras. No relato, o Espírito toma a
iniciativa dos eventos, fazendo com que a Igreja, representada em Filipe, pudesse alcançar uma nova meta na sua missão
evangelizadora. Atua, irrompe e ordena. Filipe parece ser um típico missionário
itinerante totalmente à sua disposição. “Não é ele, pois, o iniciador da
missão, mas simples instrumento de uma força superior que, de fora, manifesta
seu poder, dirige os acontecimentos e dá diretivas concretas às quais não é
possível se opor” (CASALEGNO, p.2).
A maneira da apresentação do
Espírito na perícope é muito significativa para salientar que, nos
Atos, o Espírito é o ator principal que, juntamente com a Palavra, dirige a
atividade da Igreja. Os personagens humanos engajados no trabalho eclesial
sempre estão à escuta, se interrogam e
obedecem às escolhas do Espírito a fim de que os planos de Deus possam se
realizar. Fazem-no também quando o Espírito sugere, no interior de seu coração,
as linhas de atuação, como Filipe.
O relato manifesta assim a grande
habilidade narrativa de Lucas: utilizando, com arte, os vários atores, mostra
de maneira característica a realização da vontade salvífica de Deus que,
superando todo obstáculo, abre as portas da salvação para os pagãos.
No relato, nota-se que o Espírito
que intervém com poder para orientar a missão de Filipe. O silêncio em relação ao Espírito na hora do
batismo não é casual, mas revela uma perspectiva característica da teologia
lucana, que nos Atos distingue constantemente entre o ato do batismo e a efusão
do dom do Espírito. Esses dois momentos não são equivalentes e não coincidem
entre si. O uso desta linguagem lucana referente ao batismo é significativa,
confirmando que para o evangelista o papel básico do Espírito é animar a missão
da igreja e fortalecer seu testemunho.
Na perícope da conversão do
eunuco, encontram-se as perspectivas básicas da Pneumatologia: o Espírito é
aquele que inicia e sustenta a missão da igreja, é a força que anima a evangelização, que
impulsiona a comunidade para uma contínua experiência de fé, permitindo-lhes
realizar sua vocação de testemunha da Palavra perante as nações (CASALEGNO, p.
18).
À luz da estreita relação entre o
Espírito e a pessoa de Jesus, a perícope de At 8,26-40 contribui para a
compreensão de que o Espírito “ajuda o cristão a descobrir a identidade de
Jesus”, por meio da experiência pessoal e existencial, sob a ação do Espírito,
que favorece sua total adesão a Cristo. Para uma Igreja que nasce do Espírito,
é fundamental, inspirados na perícope de Filipe e o eunuco, a abertura para que
o mesmo Espírito permaneça presente, propondo experiências de conversão e
alicerçando o projeto salvífico.
** Roberto Bocalete, especialista em Pedagogia Catequética
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