A MÍSTICA DOS GESTOS E AÇÕES SIMBÓLICAS
A expressão mais forte, mais central, mais profunda de nossa
relação com Deus, por Jesus Cristo, no Espírito Santo, é a ceia do Senhor, a
Eucaristia. Dando graças a Deus pela salvação, realizada na pessoa de Jesus
Cristo uma vez por todas, invocamos o Espírito Santo sobre o pão e o vinho,
partimos e partilhamos este pão e juntos bebemos este vinho. São para nós que
os recebemos na fé, o Corpo e o Sangue de Cristo, sua vida entregue para a salvação do mundo, sinal de comunhão
com o Pai e entre nós, sinal da unidade que desejamos e que Deus prometeu para
o mundo inteiro.
Celebrar a ceia do Senhor é anunciar sua morte, proclamar
sua ressurreição, aguardar esperançosamente a Vinda do Reino (Cf. 1Cor 11,26).
É estampar um sinal profético de uma sociedade renovada na qual se pratica a
economia solidária, na qual é eliminada a fome, a miséria, a guerra, a
dominação de uma nação sobre a outra. É sinal de que, um dia, todos os seres
humanos, todos os povos, todas as culturas reconhecerão uns nos outros, agradecidos, o rosto do Pai comum. Por isso,
é tão importante que se apresse o dia em que todas as Igrejas cristãs possam,
reconhecidamente, oficialmente, partilhar a mesa eucarística como testemunho de
unidade frente à sociedade, assim como partilhamos a mesa da Palavra e
reconhecemos um mesmo batismo realizado em várias Igrejas.
Num mundo marcado pela ganância, por um sistema que faz
crescer os ricos e empobrecer ainda mais os pobres, comungar na ceia
eucarística é um gesto político: “Receber a comunhão com este povo sofrido, é
fazer a aliança com a causa do oprimido...”. É um gesto de compromisso, de
mudança de vida: comer do pão e beber do vinho da eucaristia sem querer um
compromisso com a solidariedade, com o bem comum, é truncar o sentido da ceia
do Senhor ou, como diz São Paulo, é comer e beber sua própria condenação (Cf.
1Cor 11,29).
Na verdade, na ceia eucarística fica bem evidente que a
espiritualidade cristã passa necessariamente pela corporeidade, pela ação
ritual realizada em comum com gestos e palavras, para fazer memória de Jesus. O
Verbo que se manifestou ‘naquele tempo’, que ergueu seu barraco no meio dos
nossos, continua se manifestando hoje nas ações litúrgicas, colocando-se ao
alcance de nossas mãos, de nossos ouvidos, de nossos olhos..., para que possamos
- olhando, ouvindo e tocando - reconhecê-lo, sermos transformados pelo Espírito
dele e viver em comunhão com ele e com o Pai (Cf. 1Jo 1,1-4). Isto vale não
somente para a eucaristia, mas igualmente para o batismo, a celebração da
Palavra, o canto do ofício divino, os gestos, a dança, a organização do tempo e
do espaço... Para nós, cristãos, o corpo é templo do Espírito Santo. Por isso,
precisamos aprender a realizar cada ação ritual com o máximo de atenção, de
presença, de consciência do corpo em sua relação com a mente, o afeto, o
espírito e... o Espírito, com o mistério que habita cada ação ritual. Devemos
estar prontos para a experiência espiritual através da participação (ativa,
consciente, frutuosa, plena...) da ação ritual. Podemos chamar isso de
‘experiência litúrgica’, que deverá nos levar a uma participação cada vez mais
comprometida na missão dos discípulos e discípulas de Cristo na sociedade
atual.
A manifestação na liturgia não é a única forma de presença
do ressuscitado: ele está presente em sua Igreja, está presente no pobre, no
injustiçado, no faminto, no encarcerado, no estrangeiro... (Cf. Mt 25,31-46).
Na liturgia, no entanto, cultivamos a expressão ‘fundante’, a que o próprio
Jesus nos deixou: “Façam isto para celebrar a minha memória” e que se torna
ponto de referência para outras manifestações do Senhor.
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