quarta-feira, 27 de março de 2013

A MÍSTICA DOS GESTOS E AÇÕES SIMBÓLICAS
 Ione Buyst

A expressão mais forte, mais central, mais profunda de nossa relação com Deus, por Jesus Cristo, no Espírito Santo, é a ceia do Senhor, a Eucaristia. Dando graças a Deus pela salvação, realizada na pessoa de Jesus Cristo uma vez por todas, invocamos o Espírito Santo sobre o pão e o vinho, partimos e partilhamos este pão e juntos bebemos este vinho. São para nós que os recebemos na fé, o Corpo e o Sangue de Cristo, sua vida  entregue para a salvação do mundo, sinal de comunhão com o Pai e entre nós, sinal da unidade que desejamos e que Deus prometeu para o mundo inteiro.

Celebrar a ceia do Senhor é anunciar sua morte, proclamar sua ressurreição, aguardar esperançosamente a Vinda do Reino (Cf. 1Cor 11,26). É estampar um sinal profético de uma sociedade renovada na qual se pratica a economia solidária, na qual é eliminada a fome, a miséria, a guerra, a dominação de uma nação sobre a outra. É sinal de que, um dia, todos os seres humanos, todos os povos, todas as culturas reconhecerão uns nos outros,  agradecidos, o rosto do Pai comum. Por isso, é tão importante que se apresse o dia em que todas as Igrejas cristãs possam, reconhecidamente, oficialmente, partilhar a mesa eucarística como testemunho de unidade frente à sociedade, assim como partilhamos a mesa da Palavra e reconhecemos um mesmo batismo realizado em várias Igrejas.

Num mundo marcado pela ganância, por um sistema que faz crescer os ricos e empobrecer ainda mais os pobres, comungar na ceia eucarística é um gesto político: “Receber a comunhão com este povo sofrido, é fazer a aliança com a causa do oprimido...”. É um gesto de compromisso, de mudança de vida: comer do pão e beber do vinho da eucaristia sem querer um compromisso com a solidariedade, com o bem comum, é truncar o sentido da ceia do Senhor ou, como diz São Paulo, é comer e beber sua própria condenação (Cf. 1Cor 11,29).

Na verdade, na ceia eucarística fica bem evidente que a espiritualidade cristã passa necessariamente pela corporeidade, pela ação ritual realizada em comum com gestos e palavras, para fazer memória de Jesus. O Verbo que se manifestou ‘naquele tempo’, que ergueu seu barraco no meio dos nossos, continua se manifestando hoje nas ações litúrgicas, colocando-se ao alcance de nossas mãos, de nossos ouvidos, de nossos olhos..., para que possamos - olhando, ouvindo e tocando - reconhecê-lo, sermos transformados pelo Espírito dele e viver em comunhão com ele e com o Pai (Cf. 1Jo 1,1-4). Isto vale não somente para a eucaristia, mas igualmente para o batismo, a celebração da Palavra, o canto do ofício divino, os gestos, a dança, a organização do tempo e do espaço... Para nós, cristãos, o corpo é templo do Espírito Santo. Por isso, precisamos aprender a realizar cada ação ritual com o máximo de atenção, de presença, de consciência do corpo em sua relação com a mente, o afeto, o espírito e... o Espírito, com o mistério que habita cada ação ritual. Devemos estar prontos para a experiência espiritual através da participação (ativa, consciente, frutuosa, plena...) da ação ritual. Podemos chamar isso de ‘experiência litúrgica’, que deverá nos levar a uma participação cada vez mais comprometida na missão dos discípulos e discípulas de Cristo na sociedade atual.

A manifestação na liturgia não é a única forma de presença do ressuscitado: ele está presente em sua Igreja, está presente no pobre, no injustiçado, no faminto, no encarcerado, no estrangeiro... (Cf. Mt 25,31-46). Na liturgia, no entanto, cultivamos a expressão ‘fundante’, a que o próprio Jesus nos deixou: “Façam isto para celebrar a minha memória” e que se torna ponto de referência para outras manifestações do Senhor.       

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