quinta-feira, 7 de março de 2013


                METODOLOGIA DE INSPIRAÇÃO CATECUMENAL
               Pe. Antônio José de Almeida

Quais as características principais da Iniciação Cristã de Adultos? Em que a pedagogia catecumenal pode contribuir para uma metodologia catequética de inspiração catecumenal? Que indicações práticas podemos oferecer às nossas comunidades em seu esforço por introduzir ou consolidar a Iniciação Cristã bem como uma catequese com estilo catecumenal?

Priorização dos adultos. A catequese tradicional supunha a fé dos adultos, transmitida pela família e pela sociedade, consideradas cristãs. As crianças, em preparação à primeira comunhão, recebiam uma catequese nocional, abstrata, desvinculada da vida e da liturgia. Esta catequese devia servir para toda a vida. A crise civilizacional pela qual estamos passando impõe aos indivíduos novos referenciais culturais e éticos; o pluralismo religioso expõe o sujeito a um leque enorme de propostas religiosas; a fé é radicalmente provada. Diante desta situação, é urgente ajudar os fiéis a passar de um cristianismo herdado para um cristianismo assumido mediante uma opção pessoal livre e consciente. Impõe-se, então, uma ação evangelizadora missionária, centrada no sujeito, que suscite uma resposta de fé inicial e processos de amadurecimento da fé graças aos quais o simpatizante vá aprofundando sua relação com Deus e a comunidade eclesial, adquirindo convicções e assumindo valores que orientem sua vida numa sociedade que não só prescinde da fé, mas a questiona radicalmente. A catequese precisa se deslocar da criança para o adulto, da religiosidade por tradição à fé por convicção, da aceitação passiva à apropriação ativa, do mero enquadramento sociológico ao compromisso teologal.

Necessidade do “primeiro anúncio”. Esta situação está a exigir o primeiro anúncio em todas as formas de catequese e em todas as atividades eclesiais. Não se pode supor que as pessoas já tenham vivido sua experiência de encontro com o Deus de Jesus, tenham dado sua primeira e global adesão a Jesus, partilhem os valores, tenham atitudes e comportamentos cristãos. A proclamação convicta, impactante e coerente de Jesus tem a finalidade de suscitar a fé nele como “pão da vida”, ou seja, resposta essencial às mais profundas fomes e às insaciáveis sedes do ser humano, dando sentido e rumo à sua existência, abrindo-lhe horizontes insuspeitáveis. Ouçamos Aparecida: “Em nossa Igreja devemos oferecer a todos os nossos fiéis um “encontro pessoal com Jesus Cristo”, uma experiência religiosa profunda e intensa, um anúncio querigmático e o testemunho pessoal dos evangelizadores, que leve a uma conversão pessoal e a uma mudança de vida integral” (DAp 226 a). “O querigma não é somente uma etapa, mas o fio condutor de um processo que culmina na maturidade do discípulo de Jesus Cristo; só a partir do querigma acontece a possibilidade de uma iniciação cristã verdadeira...” (DAp 278 a). “Sentimos a urgência de desenvolver em nossas comunidades um processo de iniciação na cristã que comece pelo querigma e que, guiado pela Palavra de Deus, conduza ao encontro pessoal, cada vez maior, com Jesus Cristo.” (DAP 289) Este encontro inicial deve se transformar em amizade com Cristo a ser cultivada “pela oração, no apreço pela celebração litúrgica, na experiência comunitária e no compromisso apostólico, mediante um permanente serviço aos demais.” (DAp 299)  

Caráter experiencial do catecumenato. O querigma e o processo iniciático como um todo visam suscitar e desenvolver uma experiência pessoal profunda de fé, com todas as suas consequências. A proposta cristã não é um amontoado de idéias, um emaranhado de doutrinas, um sem-fim de preceitos, uma lista interminável de regras disciplinares, mas um todo orgânico e dinâmico, muito mais, uma experiência de amor, o encontro da totalidade do ser humano com o Pai pelo Filho, no Espírito Santo, com o Deus-Amor-Trindade, mistério insondável de vida e comunhão. Embora a experiência seja, em última análise, intransferível, não é possível suscitá-la em outro sem ter passado por ela e sem ser sustentado por ela. Paulo não seria o maior evangelizador de todos os tempos sem a reviravolta provocada pela experiência de Damasco (cf. Gl 1,15-16; At 9,3-19). “Anunciar o querigma implica em comunicar a experiência de fé daquele que anuncia, em posicionar-se como pessoa de fé numa sociedade que duvida, questiona, põe à prova as convicções do missionário. Não se trata só de falar a verdade da fé, antes, trata-se de apresentar um estilo de vida, uma postura, um modo de ser no mundo, em que se demonstra a fé na qual se crê, se celebra e se estabelecem relações com o próximo.”   Sem a experiência pessoal e comunitária, a revelação seria letra morta, a fé da Igreja mera aceitação de um conjunto de verdades, a interpretação do Magistério um peso insuportável.

Integralidade. O catecumenato é um processo de iniciação, cujo ponto de partida é o encontro pessoal com Jesus Cristo e cujo ponto de chegada é a inserção, como discípulo e missionário, no mistério pascal de Cristo – liturgicamente celebrado – e na comunidade cristã, enriquecida por uma rica variedade de carismas, toda ela a serviço da missão. Está como que emblematicamente compendiado no “caminho” descrito em Mc 3,13-15! O método catecumenal oferece uma formação integral (encontro com Jesus Cristo, conversão, discipulado, comunhão, missão)   a partir da interação catequese↔liturgia↔conversão da vida, ou seja, o aprofundamento do encontro com o Cristo vivo, mediante a acolhida e o encontro com os irmãos e irmãs de fé, a meditação da Palavra, a celebração do mistério ao longo do ano litúrgico, buscando responder, pela graça, aos apelos à permanente conversão.

Conectividade. A catequese tradicional era fragmentária, dissociada da liturgia e indiferente às estruturas e necessidades do sujeito e ao seu contexto. A metodologia catecumenal, ao invés, articula três componentes básicos: uma catequese apropriada, em etapas, ritmada pelo ano litúrgico, apoiada em celebrações da Palavra, de modo que os candidatos cheguem à íntima percepção do mistério da salvação e à adesão pessoal e plena ao mesmo; uma articulação entre anúncio do mistério, ação celebrativa e vida, de modo que a graça, presente e atuante na Palavra anunciada, na celebração e na vida, vá edificando o cristão; as disposições interiores, em que se debatem forças contraditórias, em meio às quais o candidato vai adquirindo maturidade espiritual: processo de conversão, que, de um lado, significa luta contra o pecado e, do outro, crescimento na fé, na esperança e na caridade. 

A formação do cristão, discípulo e missionário. A estrutura do RICA é disposta de modo a propiciar este itinerário e proporcionar – pressuposto o difícil diálogo entre graça e liberdade – o caminho de formação integral do cristão. Sincronicamente, são três tempos de preparação: pré-catecumenato, catecumenato e purificação; duas celebrações de passagem: entrada no catecumenato e inscrição do nome; celebração unitária dos sacramentos de iniciação; mistagogia. Diacronicamente: o pré-catecumenato, o catecumenato, a purificação e a mistagogia. O RICA tem o mérito de recolocar, num conjunto abrangente e orgânico, os elementos que dão coerência ao processo de iniciação de modo que este possa alcançar a sua finalidade de formar o cristão, discípulo missionário.

Processualidade e progressividade. A Iniciação é um processo complexo, lento e progressivo. A totalidade do ser humano – coração e inteligência, consciência e vontade, vida pessoal, comunitária e social – é interpelada neste processo. O princípio da progressividade “orienta e organiza as orações e os ritos preparatórios, bem como fundamenta a qualidade do processo educativo. Durante esse tempo, a iniciativa humana será transformada pela graça de Deus e, pouco a pouco, o candidato é introduzido na Igreja, corpo de Cristo. Segue a direção do menor compromisso ao maior empenho, da escuta da Palavra e da mudança de costumes e prática de boas obras.” 

A atualidade da história da salvação. A catequese de inspiração catecumenal é fundamentalmente bíblica, disposta em etapas, articulada com diversas expressões litúrgicas. Tanto a catequese como a liturgia estão, portanto, inseridas na economia histórico-salvífica, isto é, compreendem o atual momento histórico dentro da dinâmica de salvação-libertação, que tem seu início na Criação, culmina na pessoa e na obra de Jesus Cristo e antecipa a plenitude do Reino, que só se dará quando Cristo entregar o Reino ao seu Pai. O Cristo glorificado e o Espírito Criador agem em cada aqui e em cada agora da história, que é sempre história da salvação, individual, comunitária, coletiva, cósmica.

A centralidade do mistério pascal. O mistério pascal – culminância da vida dada do Senhor – é o centro e o ambiente vital de todo o processo. A iniciação cristã visa à nossa configuração com Cristo, o Filho de Deus, morto e ressuscitado, fazendo-nos filhos e filhas do Pai, irmãos e irmãs entre nós, através dos sacramentos pascais do batismo, da crisma e da eucaristia. Daí por que o processo iniciático tem o seu cume na celebração do Tríduo Pascal, preparado pela Quaresma e desdobrado no Tempo Pascal. O mistério pascal, por sua vez, torna-se fonte incessante da vida cristã, vivida como seguimento de Jesus e serviço aos irmãos nos dias e nas noites de nossa história terrestre, à espera do repouso sabático, celebrado a cada domingo na Eucaristia da comunidade.

A dimensão comunitária da Iniciação. A iniciação envolve toda a comunidade. Os cristãos e as cristãs com quem se entra em contato no dia a dia da vida familiar, do trabalho, dos negócios, da política...: pela palavra, mas sobretudo pela vida, testemunham o Evangelho e anunciam Jesus, tornando-o interessante, significativo, simpático. Os padrinhos e madrinhas, que encaminham o simpatizante à comunidade e o acompanham vida afora. No seio da comunidade, que, como mãe, gerará novos filhos e filhas de Deus, têm papel decisivo os introdutores. Diversos ministérios ordenados e não ordenados exprimem, assim, o serviço que a comunidade toda presta àqueles que se aproximam dela para se tornarem um com ela e com Cristo. Os símbolos, os gestos, os ritos, as celebrações litúrgicas – realizados pela comunidade toda, dotada de diferentes ministérios – vão introduzindo o catecúmeno no mistério, na vida e na missão da Igreja.

A unidade do mistério cristão e da vida cristã. A conjugação entre palavra, liturgia e vida, de um lado, e a celebração conjunta dos sacramentos da iniciação, do outro, exprimem a unidade do mistério cristão e a unidade da vida cristã, cujas estruturas existenciais fundamentais são a fé, a esperança e a caridade.

Em busca do “homem perfeito em Cristo”. A iniciação, assim, cumpre sua finalidade de ajudar efetivamente a pessoa a se tornar cristã, participante consciente do mistério pascal de Cristo e da comunidade eclesial; de viver a união dinâmica com Cristo, numa constante busca de se assemelhar a ele; de levar a uma experiência de fé que, tocando e brotando das estruturas mais fundamentais da pessoa, se traduz em vida e serviço à vida e a liberdade dos irmãos e irmãs, num processo contínuo e nunca acabado de conversão. A iniciação oferece aos que a abraçam com fidelidade um projeto de vida, um modo de ver o mundo com os olhos de Deus e de se colocar no mundo com os valores, as atitudes e os comportamentos de Jesus, de quem a pessoa vai se tornando discípulo e missionário a serviço do Reino.

CONCLUSÃO
Graças a estes elementos caracterizantes, o estilo catecumental está apto a provocar um salto de qualidade não só em toda a catequese, mas em todas as expressões da evangelização e da vida eclesial. Na prática, porém, é um desafio para nossas comunidades, para os mais diversos agentes eclesiais, para quantos se acham diretamente envolvidos com a catequese e a liturgia. Todos somos chamados a nos debruçar, animados e guiados pelo Espírito, sobre esta rica e promissora proposta, dispostos a encontrar os melhores caminhos para pô-la em prática.

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