METODOLOGIA DE INSPIRAÇÃO CATECUMENAL
Pe. Antônio José de Almeida
Quais as características principais da Iniciação Cristã de
Adultos? Em que a pedagogia catecumenal pode contribuir para uma metodologia
catequética de inspiração catecumenal? Que indicações práticas podemos oferecer
às nossas comunidades em seu esforço por introduzir ou consolidar a Iniciação
Cristã bem como uma catequese com estilo catecumenal?
Priorização dos adultos. A catequese tradicional supunha a
fé dos adultos, transmitida pela família e pela sociedade, consideradas
cristãs. As crianças, em preparação à primeira comunhão, recebiam uma catequese
nocional, abstrata, desvinculada da vida e da liturgia. Esta catequese devia
servir para toda a vida. A crise civilizacional pela qual estamos passando
impõe aos indivíduos novos referenciais culturais e éticos; o pluralismo
religioso expõe o sujeito a um leque enorme de propostas religiosas; a fé é
radicalmente provada. Diante desta situação, é urgente ajudar os fiéis a passar
de um cristianismo herdado para um cristianismo assumido mediante uma opção
pessoal livre e consciente. Impõe-se, então, uma ação evangelizadora
missionária, centrada no sujeito, que suscite uma resposta de fé inicial e
processos de amadurecimento da fé graças aos quais o simpatizante vá
aprofundando sua relação com Deus e a comunidade eclesial, adquirindo
convicções e assumindo valores que orientem sua vida numa sociedade que não só
prescinde da fé, mas a questiona radicalmente. A catequese precisa se deslocar
da criança para o adulto, da religiosidade por tradição à fé por convicção, da
aceitação passiva à apropriação ativa, do mero enquadramento sociológico ao
compromisso teologal.
Necessidade do “primeiro anúncio”. Esta situação está a
exigir o primeiro anúncio em todas as formas de catequese e em todas as
atividades eclesiais. Não se pode supor que as pessoas já tenham vivido sua
experiência de encontro com o Deus de Jesus, tenham dado sua primeira e global
adesão a Jesus, partilhem os valores, tenham atitudes e comportamentos
cristãos. A proclamação convicta, impactante e coerente de Jesus tem a
finalidade de suscitar a fé nele como “pão da vida”, ou seja, resposta
essencial às mais profundas fomes e às insaciáveis sedes do ser humano, dando
sentido e rumo à sua existência, abrindo-lhe horizontes insuspeitáveis. Ouçamos
Aparecida: “Em nossa Igreja devemos oferecer a todos os nossos fiéis um
“encontro pessoal com Jesus Cristo”, uma experiência religiosa profunda e
intensa, um anúncio querigmático e o testemunho pessoal dos evangelizadores,
que leve a uma conversão pessoal e a uma mudança de vida integral” (DAp 226 a).
“O querigma não é somente uma etapa, mas o fio condutor de um processo que
culmina na maturidade do discípulo de Jesus Cristo; só a partir do querigma acontece
a possibilidade de uma iniciação cristã verdadeira...” (DAp 278 a). “Sentimos a
urgência de desenvolver em nossas comunidades um processo de iniciação na
cristã que comece pelo querigma e que, guiado pela Palavra de Deus, conduza ao
encontro pessoal, cada vez maior, com Jesus Cristo.” (DAP 289) Este encontro
inicial deve se transformar em amizade com Cristo a ser cultivada “pela oração,
no apreço pela celebração litúrgica, na experiência comunitária e no
compromisso apostólico, mediante um permanente serviço aos demais.” (DAp
299)
Caráter experiencial do catecumenato. O querigma e o
processo iniciático como um todo visam suscitar e desenvolver uma experiência
pessoal profunda de fé, com todas as suas consequências. A proposta cristã não
é um amontoado de idéias, um emaranhado de doutrinas, um sem-fim de preceitos,
uma lista interminável de regras disciplinares, mas um todo orgânico e
dinâmico, muito mais, uma experiência de amor, o encontro da totalidade do ser
humano com o Pai pelo Filho, no Espírito Santo, com o Deus-Amor-Trindade,
mistério insondável de vida e comunhão. Embora a experiência seja, em última
análise, intransferível, não é possível suscitá-la em outro sem ter passado por
ela e sem ser sustentado por ela. Paulo não seria o maior evangelizador de
todos os tempos sem a reviravolta provocada pela experiência de Damasco (cf. Gl
1,15-16; At 9,3-19). “Anunciar o querigma implica em comunicar a experiência de
fé daquele que anuncia, em posicionar-se como pessoa de fé numa sociedade que
duvida, questiona, põe à prova as convicções do missionário. Não se trata só de
falar a verdade da fé, antes, trata-se de apresentar um estilo de vida, uma
postura, um modo de ser no mundo, em que se demonstra a fé na qual se crê, se
celebra e se estabelecem relações com o próximo.” Sem a experiência pessoal e comunitária, a
revelação seria letra morta, a fé da Igreja mera aceitação de um conjunto de
verdades, a interpretação do Magistério um peso insuportável.
Integralidade. O catecumenato é um processo de iniciação,
cujo ponto de partida é o encontro pessoal com Jesus Cristo e cujo ponto de
chegada é a inserção, como discípulo e missionário, no mistério pascal de
Cristo – liturgicamente celebrado – e na comunidade cristã, enriquecida por uma
rica variedade de carismas, toda ela a serviço da missão. Está como que
emblematicamente compendiado no “caminho” descrito em Mc 3,13-15! O método
catecumenal oferece uma formação integral (encontro com Jesus Cristo,
conversão, discipulado, comunhão, missão)
a partir da interação catequese↔liturgia↔conversão da vida, ou seja, o
aprofundamento do encontro com o Cristo vivo, mediante a acolhida e o encontro
com os irmãos e irmãs de fé, a meditação da Palavra, a celebração do mistério
ao longo do ano litúrgico, buscando responder, pela graça, aos apelos à
permanente conversão.
Conectividade. A catequese tradicional era fragmentária,
dissociada da liturgia e indiferente às estruturas e necessidades do sujeito e
ao seu contexto. A metodologia catecumenal, ao invés, articula três componentes
básicos: uma catequese apropriada, em etapas, ritmada pelo ano litúrgico,
apoiada em celebrações da Palavra, de modo que os candidatos cheguem à íntima
percepção do mistério da salvação e à adesão pessoal e plena ao mesmo; uma
articulação entre anúncio do mistério, ação celebrativa e vida, de modo que a
graça, presente e atuante na Palavra anunciada, na celebração e na vida, vá
edificando o cristão; as disposições interiores, em que se debatem forças
contraditórias, em meio às quais o candidato vai adquirindo maturidade
espiritual: processo de conversão, que, de um lado, significa luta contra o
pecado e, do outro, crescimento na fé, na esperança e na caridade.
A formação do cristão, discípulo e missionário. A estrutura
do RICA é disposta de modo a propiciar este itinerário e proporcionar –
pressuposto o difícil diálogo entre graça e liberdade – o caminho de formação
integral do cristão. Sincronicamente, são três tempos de preparação:
pré-catecumenato, catecumenato e purificação; duas celebrações de passagem:
entrada no catecumenato e inscrição do nome; celebração unitária dos
sacramentos de iniciação; mistagogia. Diacronicamente: o pré-catecumenato, o
catecumenato, a purificação e a mistagogia. O RICA tem o mérito de recolocar,
num conjunto abrangente e orgânico, os elementos que dão coerência ao processo
de iniciação de modo que este possa alcançar a sua finalidade de formar o
cristão, discípulo missionário.
Processualidade e progressividade. A Iniciação é um processo
complexo, lento e progressivo. A totalidade do ser humano – coração e
inteligência, consciência e vontade, vida pessoal, comunitária e social – é
interpelada neste processo. O princípio da progressividade “orienta e organiza
as orações e os ritos preparatórios, bem como fundamenta a qualidade do
processo educativo. Durante esse tempo, a iniciativa humana será transformada
pela graça de Deus e, pouco a pouco, o candidato é introduzido na Igreja, corpo
de Cristo. Segue a direção do menor compromisso ao maior empenho, da escuta da
Palavra e da mudança de costumes e prática de boas obras.”
A atualidade da história da salvação. A catequese de
inspiração catecumenal é fundamentalmente bíblica, disposta em etapas,
articulada com diversas expressões litúrgicas. Tanto a catequese como a liturgia
estão, portanto, inseridas na economia histórico-salvífica, isto é, compreendem
o atual momento histórico dentro da dinâmica de salvação-libertação, que tem
seu início na Criação, culmina na pessoa e na obra de Jesus Cristo e antecipa a
plenitude do Reino, que só se dará quando Cristo entregar o Reino ao seu Pai. O
Cristo glorificado e o Espírito Criador agem em cada aqui e em cada agora da
história, que é sempre história da salvação, individual, comunitária, coletiva,
cósmica.
A centralidade do mistério pascal. O mistério pascal –
culminância da vida dada do Senhor – é o centro e o ambiente vital de todo o
processo. A iniciação cristã visa à nossa configuração com Cristo, o Filho de
Deus, morto e ressuscitado, fazendo-nos filhos e filhas do Pai, irmãos e irmãs
entre nós, através dos sacramentos pascais do batismo, da crisma e da
eucaristia. Daí por que o processo iniciático tem o seu cume na celebração do
Tríduo Pascal, preparado pela Quaresma e desdobrado no Tempo Pascal. O mistério
pascal, por sua vez, torna-se fonte incessante da vida cristã, vivida como
seguimento de Jesus e serviço aos irmãos nos dias e nas noites de nossa
história terrestre, à espera do repouso sabático, celebrado a cada domingo na
Eucaristia da comunidade.
A dimensão comunitária da Iniciação. A iniciação envolve
toda a comunidade. Os cristãos e as cristãs com quem se entra em contato no dia
a dia da vida familiar, do trabalho, dos negócios, da política...: pela
palavra, mas sobretudo pela vida, testemunham o Evangelho e anunciam Jesus,
tornando-o interessante, significativo, simpático. Os padrinhos e madrinhas,
que encaminham o simpatizante à comunidade e o acompanham vida afora. No seio
da comunidade, que, como mãe, gerará novos filhos e filhas de Deus, têm papel
decisivo os introdutores. Diversos ministérios ordenados e não ordenados
exprimem, assim, o serviço que a comunidade toda presta àqueles que se
aproximam dela para se tornarem um com ela e com Cristo. Os símbolos, os
gestos, os ritos, as celebrações litúrgicas – realizados pela comunidade toda,
dotada de diferentes ministérios – vão introduzindo o catecúmeno no mistério,
na vida e na missão da Igreja.
A unidade do mistério cristão e da vida cristã. A conjugação
entre palavra, liturgia e vida, de um lado, e a celebração conjunta dos
sacramentos da iniciação, do outro, exprimem a unidade do mistério cristão e a
unidade da vida cristã, cujas estruturas existenciais fundamentais são a fé, a
esperança e a caridade.
Em busca do “homem perfeito em Cristo”. A iniciação, assim,
cumpre sua finalidade de ajudar efetivamente a pessoa a se tornar cristã,
participante consciente do mistério pascal de Cristo e da comunidade eclesial;
de viver a união dinâmica com Cristo, numa constante busca de se assemelhar a
ele; de levar a uma experiência de fé que, tocando e brotando das estruturas
mais fundamentais da pessoa, se traduz em vida e serviço à vida e a liberdade
dos irmãos e irmãs, num processo contínuo e nunca acabado de conversão. A
iniciação oferece aos que a abraçam com fidelidade um projeto de vida, um modo
de ver o mundo com os olhos de Deus e de se colocar no mundo com os valores, as
atitudes e os comportamentos de Jesus, de quem a pessoa vai se tornando
discípulo e missionário a serviço do Reino.
CONCLUSÃO
Graças a estes elementos caracterizantes, o estilo
catecumental está apto a provocar um salto de qualidade não só em toda a
catequese, mas em todas as expressões da evangelização e da vida eclesial. Na prática, porém, é um desafio para nossas comunidades, para
os mais diversos agentes eclesiais, para quantos se acham diretamente
envolvidos com a catequese e a liturgia. Todos somos chamados a nos debruçar, animados e guiados pelo
Espírito, sobre esta rica e promissora proposta, dispostos a encontrar os
melhores caminhos para pô-la em prática.
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