terça-feira, 25 de setembro de 2012

BÍBLIA E CATEQUESE
INSPIRAÇÃO BÍBLICA
       
   Por "inspiração" entendemos a ação particular de Deus sobre algumas pessoas. Deus inspirou algumas pessoas para AGIR. Por ex. Abraão, Moisés e muitos outros. Inspirou outras para FALAR, por exemplo, os profetas. E outras foram inspiradas para ESCREVER; esses são os HAGIÓGRAFOS, ou autores sagrados, que escreveram a Bíblia. Ao falar de Inspiração da Sagrada Escritura, entende-se a inspiração para escrever. A Igreja herdou dos Judeus a crença que seus livros sagrados foram escritos por inspiração divina.
   Não existem, no AT, textos explícitos que falem da inspiração divina. Porém, à proporção que os livros do AT se formavam, crescia sempre mais, entre os judeus, a crença na inspiração divina. Assim, o rei Josias fez uma grande reforma religiosa em Judá, baseado no Livro da Aliança, encontrado no Templo de Jerusalém (2Rs 23). Sabemos, hoje, que esse livro é o Deuteronômio.
   Esdras leu ao povo "o Livro da Lei de Moisés que o Senhor mandou a Israel" (Ne 8). Esse Livro de Moisés, hoje, é identificado com todo o Pentateuco. Os rabinos chegaram a afirmar que a Torá (o Pentateuco) tinha sido escrita pelo próprio Deus, antes da criação do mundo. Por acreditar na origem divina de seus livros sagrados, os judeus ficaram conhecidos como o "povo do Livro".
   Tanto Jesus como os apóstolos acreditavam que as Escrituras eram livros sagrados. Várias vezes encontramos afirmações de que Deus ou o Espírito Santo falou através de Moisés, de Davi ou dos profetas (Mt 19,4-5; Rm 9,17; GI3,8; Hb 3,7). No NT, encontramos dois textos claros sobre a inspiração:
**2Tm 3,16-17: "Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça ... "
**2Pd 1,20-21: "Antes de mais nada sabei disso: que nenhuma profecia da escritura resulta de uma interpretação particular, pois que a profecia jamais veio por vontade humana, mas homens impelidos pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus."

  É certo que, para Jesus e para a Igreja Primitiva, as Escrituras são livros sagrados onde se encontra a palavra de Deus. O Concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática Dei Verbum 11, diz: "As verdades divinamente reveladas que estão contidas e expressas nos livros das Sagradas Escrituras foram escritas por inspiração do Espírito Santo. A Santa Mãe Igreja, por fé apostólica, considera sagrados e canônicos todos os livros inteiros, seja do Antigo como do Novo Testamento com todas as suas partes, porque escritos por inspiração do Espírito Santo, têm Deus por autor e como tais foram dados à Igreja. Para a composição dos Livros Sagrados, Deus escolheu homens, dos quais se serviu fazendo-os usar suas próprias faculdades e capacidades, a fim de que, Ele agindo neles e eles, escrevessem como verdadeiros autores, tudo e só aquilo que Ele queria que fossem escritos."

  Resumindo, Deus é o autor da Bíblia. Mas, para redigir o texto, serviu-se de homens. Por isso, a Bíblia é um livro divino e humano. Mas como entender a inspiração?
Alguns afirmam que a inspiração é um dom natural, como a oratória, a pintura, a culinária... Para outros é um dom sobrenatural, um carisma divino, concedido a quem Deus escolheu.
   A princípio entendeu-se a inspiração como sendo um DITADO. Deus teria ditado, palavra por palavra, e o autor humano teria escrito tudo com fidelidade (concepção já vencida, apenas válida para os fundamentalistas).
Para outros, Deus teria inspirado apenas a MENSAGEM, as idéias, deixando ao homem a expressão verbal das mesmas. Hoje, com base em vários documentos da Igreja, entendemos a inspiração com a explicação da "CAUSA INSTRUMENTAL", isto é, Deus é a causa principal e primeira na composição da Bíblia. Foi Ele quem moveu os homens a escrever. O homem é a causa instrumental, isto é, o instrumento de Deus para escrever o texto. Quando escrevemos, a ação é da caneta ou do lápis. Mas eles não escrevem sem a nossa contribuição. Assim, o resultado de um texto é da pessoa e também da caneta. Porém, o homem não pode ser comparado à caneta ou a qualquer outro instrumento, porque ele possui vontade própria, imaginação, memória, fantasia, etc. Não é um instrumento passivo e inerte nas mãos de Deus. É, sim, um instrumento, mas um instrumento ativo, e por isso escreveu, como verdadeiro autor, tudo o que o Autor Principal, Deus, queria.
A Bíblia é, pois, um livro divino porque Deus é seu autor principal, mas é também um livro humano, pois é fruto da ação de homens. A inspiração incide sobre todas as faculdades do escritor: conhecimento, imaginação, memória, vontade e fa¬culdades executivas. Porém, cada autor humano continuou filho do seu tempo, de sua cultura e escreveu com os conhecimentos que possuía. O texto bíblico reflete o estilo e a cultura de cada autor humano. Não existe livro mais inspirado que outro. Existem, sim, autores humanos diferentes entre si, vivendo em épocas e lugares diferentes, com graus de cultura diferentes. Os "erros" de história, geografia, ciências e outros que encontramos na Bíblia se devem à limitação dos autores humanos.
   Sabemos que a Sagrada Escritura é obra de muitas pessoas. Todas elas, desde que influíram no texto sagrado, foram inspiradas, mesmo que a contribuição do autor tenha sido uma frase, um retoque. Do mesmo modo, todos os livros inteiros são inspirados. A inspiração atinge a totalidade da Bíblia e não só algumas partes mais importantes.
   Para compreender a maneira como Deus está na origem das Escrituras, deve-se ter presente que os escritos da Bíblia são testemunhos de vivência ou de experiências da presença ativa do Espírito de Deus, e não meros ditados ou reportagens. A inspiração é essencialmente a presença e comunicação divina, e esta se dá a pessoas, não a escritos. Os escritos podem qualificar-se como inspirados, somente na medida em que seus autores a estiveram.
   Uma concepção de inspiração que considera o autor humano como instrumento ou secretário de Deus, que esquece a liberdade humana e o sentido da comunicação, que o isola de sua comunidade histórica e ignora os múltiplos condicionamentos e influências situacionais e que faz se parecer como se fosse inconsistente e que se contradiz, é míope quanto à natureza dos escritos bíblicos e quanto à maneira de agir de Deus. E uma concepção de inspiração que esquece o processo evolutivo das tradições e da Bíblia mesma, que põe sua atenção exclusivamente no texto herdado, é cega quanto ao dinamismo histórico da Palavra de Deus.
   Outro dado importante, agora destacando o leitor da Bíblia, está no fato de que a inspiração não pode limitar-se à produção do texto que lemos, mas inclui também o processo de leitura crente do texto. Muitas pessoas sentiram a inspiração divina em suas leituras bíblicas. Os escritos bíblicos são produtos de pessoas inspiradas e, por isso mesmo, soa capazes de inspirar outras pessoas. Por isso são reconhecidos como canônicos. Por isso tem um sentido sacramental. O texto torna-se vida e vivifica. Certamente, isso supõe uma leitura feita em espírito de discernimento, com o mesmo espírito em que foi escrito. Deus inspirou as pessoas e não os textos.
   A inspiração bíblica caracteriza-se por ter como objeto primeiro o processo que vai desde os acontecimentos reveladores até a colocação por escrito desses acontecimentos e seu reconhecimento como normativo. Os acontecimentos e as vivências atestadas na Bíblia são fundacionais. Mas pontualmente, o que é próprio da inspiração bíblica? É a capacidade de reconhecer, compreender e interpretar a Revelação como tal e de transmiti-la fielmente. Deus guiou algumas pessoas, das que viveram as experiências às quais a Bíblia se refere a reconhecê-las, compreendê-las e interpretá-las como manifestações da presença orientadora de Deus, e a transmiti-las como tais.
   Em poucas palavras, a inspiração bíblica é um carisma ou dom de Deus aos autores (desde a tradição oral até a fixação escrita), que os guiava de tal modo que reconhecessem, compreendessem e interpretassem determinados acontecimentos e vivências em sua dimensão reveladora, os transmitissem correta e adequadamente ao seu auditório, para sua edificação e orientação na fé ao longo do tempo, pelo caminho que conduz à salvação.
   A inspiração, no entanto, não eliminava as limitações naturais dos autores humanos e, portanto, as de suas obras, que se dirigiam a momentos concretos com conceitos próprios daquele tempo. O fato de trem sido inspirados não nos dispensa a necessidade de reinterpretá-los e discernir a mensagem que possa transmitir para hoje (Hermenêutica feita pelo Magistério).
   A inspiração deu-se muito antes que se escrevesse uma só letra, e é a inspiração divina que move as pessoas e comunidades a compreenderem a mensagem salvífica que a Bíblia comunica.
   
**Roberto Bocalete, inspirado na obra de Eduardo Arens, A Bíblia sem mitos.

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