BÍBLIA E CATEQUESE
INSPIRAÇÃO BÍBLICA
Por
"inspiração" entendemos a ação particular de Deus sobre algumas
pessoas. Deus inspirou algumas pessoas para AGIR. Por ex. Abraão, Moisés e
muitos outros. Inspirou outras para FALAR, por exemplo, os profetas. E outras
foram inspiradas para ESCREVER; esses são os HAGIÓGRAFOS, ou autores sagrados,
que escreveram a Bíblia. Ao falar de Inspiração da Sagrada Escritura, entende-se a inspiração para escrever. A Igreja herdou dos Judeus a crença que seus livros sagrados foram escritos por inspiração divina.
Não
existem, no AT, textos explícitos que falem da inspiração divina. Porém, à
proporção que os livros do AT se formavam, crescia sempre mais, entre os
judeus, a crença na inspiração divina. Assim, o rei Josias fez uma grande
reforma religiosa em Judá, baseado no Livro da Aliança, encontrado no Templo de
Jerusalém (2Rs 23). Sabemos, hoje, que esse livro é o Deuteronômio.
Esdras
leu ao povo "o Livro da Lei de Moisés que o Senhor mandou a Israel"
(Ne 8). Esse Livro de Moisés, hoje, é identificado com todo o Pentateuco. Os
rabinos chegaram a afirmar que a Torá (o Pentateuco) tinha sido escrita pelo
próprio Deus, antes da criação do mundo. Por acreditar na origem divina de seus
livros sagrados, os judeus ficaram conhecidos como o "povo do Livro".
Tanto
Jesus como os apóstolos acreditavam que as Escrituras eram livros sagrados.
Várias vezes encontramos afirmações de que Deus ou o Espírito Santo falou
através de Moisés, de Davi ou dos profetas (Mt 19,4-5; Rm 9,17; GI3,8; Hb 3,7).
No NT, encontramos dois textos claros sobre a inspiração:
**2Tm 3,16-17: "Toda
Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir, para refutar, para
corrigir, para educar na justiça ... "
**2Pd 1,20-21: "Antes de
mais nada sabei disso: que nenhuma profecia da escritura resulta de uma
interpretação particular, pois que a profecia jamais veio por vontade humana,
mas homens impelidos pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus."
É
certo que, para Jesus e para a Igreja Primitiva, as Escrituras são livros
sagrados onde se encontra a palavra de Deus. O Concílio Vaticano II, na
Constituição Dogmática Dei Verbum 11, diz: "As verdades divinamente
reveladas que estão contidas e expressas nos livros das Sagradas Escrituras
foram escritas por inspiração do Espírito Santo. A Santa Mãe Igreja, por fé
apostólica, considera sagrados e canônicos todos os livros inteiros, seja do
Antigo como do Novo Testamento com todas as suas partes, porque escritos por
inspiração do Espírito Santo, têm Deus por autor e como tais foram dados à
Igreja. Para a composição dos Livros Sagrados, Deus escolheu homens, dos quais
se serviu fazendo-os usar suas próprias faculdades e capacidades, a fim de que,
Ele agindo neles e eles, escrevessem como verdadeiros autores, tudo e só aquilo
que Ele queria que fossem escritos."
Resumindo,
Deus é o autor da Bíblia. Mas, para redigir o texto, serviu-se de homens. Por
isso, a Bíblia é um livro divino e humano. Mas como entender a inspiração?
Alguns afirmam que a inspiração é
um dom natural, como a oratória, a pintura, a culinária... Para outros é um dom
sobrenatural, um carisma divino, concedido a quem Deus escolheu.
A
princípio entendeu-se a inspiração como sendo um DITADO. Deus teria ditado,
palavra por palavra, e o autor humano teria escrito tudo com fidelidade
(concepção já vencida, apenas válida para os fundamentalistas).
Para outros, Deus teria inspirado
apenas a MENSAGEM, as idéias, deixando ao homem a expressão verbal das mesmas.
Hoje, com base em vários documentos da Igreja, entendemos a inspiração com a
explicação da "CAUSA INSTRUMENTAL", isto é, Deus é a causa principal
e primeira na composição da Bíblia. Foi Ele quem moveu os homens a escrever. O
homem é a causa instrumental, isto é, o instrumento de Deus para escrever o
texto. Quando escrevemos, a ação é da caneta ou do lápis. Mas eles não escrevem
sem a nossa contribuição. Assim, o resultado de um texto é da pessoa e também
da caneta. Porém, o homem não pode ser comparado à caneta ou a qualquer outro
instrumento, porque ele possui vontade própria, imaginação, memória, fantasia,
etc. Não é um instrumento passivo e inerte nas mãos de Deus. É, sim, um
instrumento, mas um instrumento ativo, e por isso escreveu, como verdadeiro
autor, tudo o que o Autor Principal, Deus, queria.
A Bíblia é, pois, um livro divino
porque Deus é seu autor principal, mas é também um livro humano, pois é fruto
da ação de homens. A inspiração incide sobre todas as faculdades do escritor:
conhecimento, imaginação, memória, vontade e fa¬culdades executivas. Porém,
cada autor humano continuou filho do seu tempo, de sua cultura e escreveu com
os conhecimentos que possuía. O texto bíblico reflete o estilo e a cultura de
cada autor humano. Não existe livro mais inspirado que outro. Existem, sim,
autores humanos diferentes entre si, vivendo em épocas e lugares diferentes,
com graus de cultura diferentes. Os "erros" de história, geografia,
ciências e outros que encontramos na Bíblia se devem à limitação dos autores
humanos.
Sabemos
que a Sagrada Escritura é obra de muitas pessoas. Todas elas, desde que
influíram no texto sagrado, foram inspiradas, mesmo que a contribuição do autor
tenha sido uma frase, um retoque. Do mesmo modo, todos os livros inteiros são
inspirados. A inspiração atinge a totalidade da Bíblia e não só algumas partes
mais importantes.
Para
compreender a maneira como Deus está na origem das Escrituras, deve-se ter
presente que os escritos da Bíblia são testemunhos de vivência ou de
experiências da presença ativa do Espírito de Deus, e não meros ditados ou
reportagens. A inspiração é essencialmente a presença e comunicação divina, e
esta se dá a pessoas, não a escritos. Os escritos podem qualificar-se como
inspirados, somente na medida em que seus autores a estiveram.
Uma
concepção de inspiração que considera o autor humano como instrumento ou
secretário de Deus, que esquece a liberdade humana e o sentido da comunicação,
que o isola de sua comunidade histórica e ignora os múltiplos condicionamentos
e influências situacionais e que faz se parecer como se fosse inconsistente e
que se contradiz, é míope quanto à natureza dos escritos bíblicos e quanto à
maneira de agir de Deus. E uma concepção de inspiração que esquece o processo
evolutivo das tradições e da Bíblia mesma, que põe sua atenção exclusivamente
no texto herdado, é cega quanto ao dinamismo histórico da Palavra de Deus.
Outro
dado importante, agora destacando o leitor da Bíblia, está no fato de que a
inspiração não pode limitar-se à produção do texto que lemos, mas inclui também
o processo de leitura crente do texto. Muitas pessoas sentiram a inspiração
divina em suas leituras bíblicas. Os escritos bíblicos são produtos de pessoas
inspiradas e, por isso mesmo, soa capazes de inspirar outras pessoas. Por isso
são reconhecidos como canônicos. Por isso tem um sentido sacramental. O texto
torna-se vida e vivifica. Certamente, isso supõe uma leitura feita em espírito
de discernimento, com o mesmo espírito em que foi escrito. Deus inspirou as
pessoas e não os textos.
A
inspiração bíblica caracteriza-se por ter como objeto primeiro o processo que
vai desde os acontecimentos reveladores até a colocação por escrito desses
acontecimentos e seu reconhecimento como normativo. Os acontecimentos e as
vivências atestadas na Bíblia são fundacionais. Mas pontualmente, o que é
próprio da inspiração bíblica? É a capacidade de reconhecer, compreender e
interpretar a Revelação como tal e de transmiti-la fielmente. Deus guiou
algumas pessoas, das que viveram as experiências às quais a Bíblia se refere a
reconhecê-las, compreendê-las e interpretá-las como manifestações da presença
orientadora de Deus, e a transmiti-las como tais.
Em
poucas palavras, a inspiração bíblica é um carisma ou dom de Deus aos autores
(desde a tradição oral até a fixação escrita), que os guiava de tal modo que
reconhecessem, compreendessem e interpretassem determinados acontecimentos e
vivências em sua dimensão reveladora, os transmitissem correta e adequadamente
ao seu auditório, para sua edificação e orientação na fé ao longo do tempo,
pelo caminho que conduz à salvação.
A
inspiração, no entanto, não eliminava as limitações naturais dos autores
humanos e, portanto, as de suas obras, que se dirigiam a momentos concretos com
conceitos próprios daquele tempo. O fato de trem sido inspirados não nos
dispensa a necessidade de reinterpretá-los e discernir a mensagem que possa
transmitir para hoje (Hermenêutica feita pelo Magistério).
A
inspiração deu-se muito antes que se escrevesse uma só letra, e é a inspiração
divina que move as pessoas e comunidades a compreenderem a mensagem salvífica
que a Bíblia comunica.
**Roberto Bocalete, inspirado na obra de Eduardo Arens, A Bíblia sem mitos.
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