CATEQUESE E BÍBLIA
COMUNICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO
Interpretar é perguntar-se pelo significado de tal coisa, pelo seu valor ou importância. Tudo o que se vê e se ouve, adentra o mundo da pessoa e é interpretado conforma a lente com que vê, com os “óculos de sua realidade cultural”.
A
Bíblia já é uma interpretação do autor que a recebeu como tradição oral e
depois a escreveu. Toda interpretação é apreciação ou valoração sobre alguém ou
algum acontecimento. A morte de Jesus, por exemplo, foi interpretada como
absurda, salvífica, trágica, redentora, sacrifical, justa. Um mesmo discurso
pode ser interpretado por diversas frentes analíticas: política, filosofia,
religião, sociologia, etc. A Bíblia, porém, apresenta interpretações
primordialmente (não exclusivamente) religiosas.
As
interpretações que se oferecem a Bíblia sobre os diversos acontecimentos estão
diretamente relacionadas ao nível de conhecimento e ao grau de cultura dos
diversos intérpretes. Enfermidades neurológicas eram interpretadas como
resultado de possessão demoníaca. Em Mc 9, 14-29, narra-se a cura de um jovem
que conforme seu pai está possuído por um espírito imundo, porque ele baba e
tem violentas convulsões: trata-se agora, de acordo com o avanço da ciência, de
uma epilepsia. Tudo isto explica o porquê aquilo que se encontra na Bíblia não
pode ser absolutizado e considerado indefectivelmente correto e válido para
todos os tempos. A interpretação é relativa à medida que depende do nível
cultural e cognitivo tanto do autor-emissor quanto do destinatário-receptor.
Ainda
é importante destacar a dimensão estrutural, simbólica e ornamental da Bíblia:
se a leio ao “pé da letra”, sem considerar o texto em seu contexto
(sócio-político-econômico-geográfico-cultural) e toda construção simbólica e
existencial do autor (de cultura oriental), empobreço a leitura com “achismos”
e pouco compreendo da mensagem salvífica que ela traz. A Bíblia precisa ser
sinal de libertação na vida do povo: se escraviza numa leitura fundamentalista
e pouco madura, precisa ser revista e estudada com maior intensidade em nossas
comunidades.
Para
entender um texto é necessário compreender o significado dos termos no
contexto. Seu berço e lar é o Oriente Médio, a Palestina de, pelo menos, dois
milênios. Os conhecimentos, os costumes, as idéias e conceitos, o significado
de mundo é bem diferente do grego ocidental. A mentalidade semita é percebida e
sentida, prática e relacional; é uma mentalidade movida pela ação, por isso,
muitas vezes tende a ser exagerada (Abraão que viveu cento e setenta e cinco
anos/ Enquanto você tira o cisco do olho do outro no seu tem uma trave...).
Considerando
o autor bíblico, deve-se compreender que ele é filho de seu tempo, está
condicionado e influenciado pela situação e pela cultura em que vive. Há de se
destacar que a importância está na mensagem e não em quem a escreve, por isso
que na maioria das vezes é difícil saber com exatidão o autor. No processo de
transmissão do livro há diversos co-autores: o autor intelectual concebe, cria
o texto, e o autor literário escreve. Visto que os autores dos escritos
bíblicos viveram em comunidades que tinham preocupações, inquietudes e
problemas concretos, e visto que seus escritos tinham por destinatários essas
comunidades, é de se supor que as preocupações, inquietudes e problemas que
compartilhavam se refletem nesses escritos. Observa-se então uma interação
entre a comunidade, o autor e sua obra: ele reflete as inquietudes de sua
comunidade, ao mesmo tempo em que se dirige a ela; a comunidade influencia o
autor e este por sua vez a influencia por seus escritos.
Os
escritos da Bíblia são produtos de vida de comunidades, além de serem produtos
de vida do autor: de suas buscas, vivências e reflexões, de tradições que lhe
foram dando identidade. As tradições nasceram na comunidade, foram
interpretadas e reinterpretadas, preservadas e escritas como parte de uma
história e como expressões de sua identidade. Comunidade e tradição são
inseparáveis. Quer dizer, comunidade e Bíblia nasceram juntas. Por isso, muitos
escritos são anônimos: seu redator é a própria comunidade. Por isso, foi a
comunidade que decidiu a respeito do valor canônico ou normativo de
determinados escritos para constituir o conjunto chamado Bíblia.
Os
escritos da Bíblia são, então, TESTEMUNHOS DA VIDA DA COMUNIDADE (judaica e
cristã) em seu processo de formação, em sua afirmação de identidade – que
distingue essa comunidade de outros povos – e na expressão de sua fé – que a
distingue de outras religiões.
A
BÍBLIA É UM CONJUNTO DE TESTEMUNHOS DE VIDA E DE FÉ
1) A Bíblia é um conjunto, porque
nem é o único testemunho e nem inclui todos os testemunhos dados (a inspiração
divina não cessou com a eleição dos livros canônicos – terminou a inspiração
bíblica, porém, não a divina).
2) São testemunhos de vida,
porque revelam as vivências reais de determinados tempos, culturas,
vicissitudes vividas por seus autores, herdeiros de tradições vividas por
outros e pela comunidade.
3) São testemunhos de fé, porque
através destes escritos revela-se a fé de seus autores e também daqueles sobre
os quais se fala e de suas comunidades. São testemunhos de sua fé, por certo
como eles a entenderam e expressaram, com sua maneira de compreender a Deus e
seus desígnios. Entretecem-se, então, vida e fé testemunhadas pelo desejo de
compartilhá-las e de servir de guias para seus destinatários: sua comunidade.
Pode-se dizer que a Bíblia é o
livro de identidade para o judaísmo (AT) e o cristianismo (NT): inclui os
testemunhos de sua origem e de seu crescimento e formação. Por isso, tanto para
o judeu como para o cristão, a Bíblia é uma referência insubstituível. Por isso
a necessidade de conhecê-la e beber da grande fonte da experiência do povo com
Deus.
**Roberto Bocalete, baseado na obra "A Bíblia sem mitos" de Eduardo Arens
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