Ola catequistas! Postei mais uma parte do estudo do Gênesis para refletirmos juntos. Vale uma recomendação: é fundamental, juntamente com o texto, ler o texto da Sagrada Escritura! Qualquer estudo bíblico pressupõe contato com o texto! Boa reflexão! Abraços!
LIVRO DO GÊNESIS (II)
Para iniciar o estudo do “livro das gerações”, é fundamental
dividi-lo, conforme os acontecimentos mais importantes, para uma compreensão
mais clara da obra. A divisão abaixo, como também a direção da pesquisa está
baseada no texto do professor Balancin (2009), considerando as demais obras
referidas na bibliografia, porém respeitando a estrutura oferecida pelo autor.
A primeira grande divisão do Gênesis é a que faz distinção
entre o universo antes e depois do dilúvio (Gn 1-11), denominada História da
humanidade e do mundo, articulada em dois grandes momentos distintos: Da
criação ao dilúvio (Gn1, 1 – 9,17) e Do dilúvio a Abraão (Gn 9, 18 – 11,32) com
suas subdivisões. A segunda divisão, a História patriarcal e a história de José
(Gn 12-50), destaca os antepassados de Israel, centralizando a reflexão não
mais no universo, mas num povo e numa terra. A segunda parte será dividida em
três grandes ciclos: o Ciclo de Abraão (Gn 12, 1 – 25,18), o Ciclo de Isaac e
de Jacó (Gn 25,19 - 37-1), e a história de José (Gn 37,2 – 50,26); estes ciclos
apresentam uma trama, uma atmosfera, o cenário geográfico diferente de um para
o outro.
A) A ORIGEM
DO MUNDO E DA HUMANIDADE (Gn 1-11)
Para Rendtorff (2002, p. 89-99), Gênesis 1-11 é composto de
duas tradições principais: a chamada Javista e a Sacerdotal. Aí aparecem
tradições antigas populares, sapienciais e sacerdotais, que foram recolhidas,
elaboradas e costuradas pelos redatores numa sequência mais ou menos lógica,
conservando características de cada tradição. Há no texto, gêneros literários
diferentes que precisam ser levados em conta para que os textos possam ser
interpretados com exatidão.
1.A Criação
(Gn 1, 1 – 2,25)
1.1. Primeira
narrativa da Criação (Gn 1, 1 – 2, 4a ) – Tradição Sacerdotal
Para Schwantes (apud BALANCIN, 2009, p.17) este capítulo de
Gênesis tem jeito de narração, mas é profundamente poético; é um texto
litúrgico para animar a comunidade reunida. Não foi pensado para ser debatido
em Academias de ciências.
A primeira narrativa da criação, de tradição sacerdotal, foi
escrita durante o Exílio da Babilônia (597-538 a.C.) por um grupo de sacerdotes
deportados que escreveram tal narrativa para preservar a identidade do povo, os
costumes e os hábitos, destacando a grandiosidade de Deus e a necessidade de
fidelidade ao seu projeto: é reação ao exílio e importante iniciativa para
digerir a catástrofe em termos teológicos.
Algumas considerações sobre a estrutura do texto são
importantes: “No princípio, criou Deus o céu e a terra” (1,1), marca uma
conotação temporal relativa e não absoluta; o número 7 tem significado
importante na narrativa (Deus que age seis dias e descansa no sétimo); há
refrões no texto, que são repetições importantes (“Houve uma tarde e uma
manhã”; “Deus viu que era bom”) e a conclusão deixa clara que esse é a história
[genealogia, gerações] do céu e da terra.
O relato bíblico inicia-se assim: “no princípio Deus
criou...”; mais do que criar, o texto destaca a ação de Deus que plasma, forma
o universo, separa e põe ordem no caos. A estruturação em sete dias destaca o
caráter divino do descanso no sábado.
Toda origem do universo é estruturada no esquema da semana:
a criação procede gradativamente e em clima crescente, até chegar ao homem no
sexto dia. O principal de tudo é o sétimo dia ou sábado, quando terminada toda
a criação, Deus descansou de todo o seu trabalho. Dessa forma, a observância do
sábado como lei divina se torna o aspecto que distingue os judeus dos outros
povos: o sábado é o dia divino, porque ele marca o término da criação e o
descanso de Deus, que é cultuado pelo homem. (STORNIOLO, 1990, p.13)
A afirmação central de que Deus criou todos os seres tem
consequências interessantes: a concepção de Deus é ampliada e ele assume o
senhorio do universo, acima dos outros deuses das demais nações; Deus como
criador universal des-diviniza a natureza com seus seres e forças, dessa forma,
toda a natureza é apresentada como criatura de Deus, libertando o homem de uma
submissão religiosa diante das coisas.
Gn 1, 26-27: “Então Deus disse: ‘façamos o homem a nossa imagem e semelhança. Que ele domine
os peixes do mar...’”. O termo homem indica ser humano, é um coletivo; “imagem
e semelhança” quer destacar que o ser humano é livre, com vontade própria,
inteligência. A imagem e semelhança é especificada em dois trechos: “criou-os
homem e mulher” e “que ele domine”, que demonstra o ser humano como obra prima
de Deus, acima de todas as criaturas, para dominá-las, não fazendo aquilo que
bem entende, mas como “cuidador” da obra divina, como continuador do processo.
“Criou-os homem e mulher”: este pequeno texto é a marca da
capacidade humana de gerar, de fazer descendência, de manter-se na historia:
“sejam fecundos, multipliquem-se, encham e submetam a terra, dominem...”.
A tradição Sacerdotal ainda destaca o caráter da benção,
palavra ousada e poderosa, que afirma a ação contínua de Deus, mesmo na
alienação do exílio. A benção assume uma característica de esperança para
aquele momento e os verbos sejam fecundos, multipliquem-se, encham a terra,
dominem, destacam a não esterilidade, a não mais falta de descendência, ao não
mais despovoamento, a não mais escravidão. A benção esta ligada aos temas da
descendência, da fertilidade, da libertação, da prosperidade e da promessa de
uma terra: era tudo o que os exilados esperavam.
1.2. Segunda
Narrativa da Criação (Gn 2, 4b – 25) -
Tradição Javista
Embora colocada depois, esta segunda narrativa da criação é
anterior à primeira: foi redigida provavelmente no tempo de Salomão (971-931
a.C.), pela tradição javista, e reflete outra concepção de criação: o centro da
criação é a humanidade (“Javé Deus não tinha feito chover sobre a terra e não
havia homem que cultivasse o solo”) e o foco de interesse é a fertilidade do
solo, uma preocupação do agricultor já instalado numa porção de terra ou do
seminômade, aquele que procura terra fértil para cultivar e aí se instalar.
De acordo com Storniolo o homem tem a função de colaborador
de Deus na “tarefa de fazer a terra produzir e alimentar a vida. Deus criou a
terra e a água que fertiliza; mas o homem que deve criar as condições para que
o solo se torne fértil e produza o que é necessário” (1990, p. 16).
A criação do homem está ligada a fecundidade da terra, pois
ele surge da argila para cultivar o solo, estabelecendo relação com a terra. A
relação com Deus se dá no sopro da vida insuflado nas narinas do homem,
deixando claro que só a Deus compete o poder da vida, e não a governantes
ditadores, como acontecia na época. Na relação com os animais, o homem é
responsável por dar nomes, expressão de superioridade acompanhada de zelo e
cuidado. Na relação com a mulher, sua auxiliar, conforme o Talmud, o homem
estabelece relação de companheirismo, já que a mulher foi tirada de seu lado
(costela), não de poder ou submissão.
Outro relato dentro do trecho da criação é o do Jardim do
Édem (vers. 8-17). O paraíso é o jardim do rei, onde havia plantas, animais e
abundância de água; um jardim fechado, símbolo de uma condição existencial
marcada por sentimentos contrapostos de inclusão/exclusão, proteção/ exposição,
repouso/fadiga. No jardim é tudo fácil e espontâneo, fora dele, tudo é difícil
e cansativo, o espaço aberto se torna produtivo somente depois de muito
trabalho.
2. A
serpente, o homem e a mulher (Gn 3, 1-24) -
Tradição Javista
O capítulo 3 tem forte ligação com o anterior (homem e
mulher nus, a serpente estava no jardim, Deus passeando no jardim –
antropomorfismo) e procura mostrar que na base do ser humano, tanto individual
como social, existe uma ambiguidade que escapa a uma plena compreensão.
A serpente tornou-se símbolo de muitas coisas boas e ruins:
pode ser associada a divindades da fertilidade (deusa cananeia da fertilidade
tem a serpente enrolada em si), ser símbolo de saúde (símbolo da medicina),
pode ser sinal de proteção (guardiã da Babilônia), ainda pode ser identificada
com o mostro do caos, ser símbolo
maléfico ou demoníaco conforme a mitologia da Mesopotâmia, Pérsia, Grécia,
Egito e Roma. As interpretações são
diversas: para Schwants o simbolismo de Gn 3 vem do mundo cultural e religioso
egípcio e aqui representaria idolatria, principalmente no tempo de Salomão,
quando outras divindades eram promovidas a fim de favorecer as relações
políticas internacionais. Para Mesters houve um deslizamento do simbolismo
inicial da serpente de ser figura da religião cananeia para ser símbolo do mal.
Van Rad dá a entender que a serpente indica algo de fora, a tentação. Geshé é
explicito sobre a exterioridade do mal. Storniolo e Balancin afirmam ser a
serpente o resumo da pretensão de um discernimento que leva o homem a
autossuficiência, pretendendo ocupar o lugar de Deus.
Da árvore do meio do jardim, do conhecimento do bem e do
mal, há uma proibição para que não se coma seu fruto. Comer desse fruto
causaria o discernimento absoluto, plenitude prerrogativa de Deus: a
autossuficiência ética seria o grande problema humano, decidir por si mesmo o
que é bom ou ruim para a humanidade. A tentação é grande e o fruto é bom para o
apetite: aqui não é a serpente que é venenosa, mas o fruto sedutor que está
cheio de veneno e mata. Ao querer ser dono absoluto da vida, o ser humano acaba
correndo em direção à morte.
A queda deu-se no momento em que comeram do fruto e a
consequência de tal ato foi percebida no olhar exterior do estar nu, somado a
rupturas diversas; o mal já está introjetado dentro deles e ao invés de tornarem-se
deuses, percebem-se nus. O homem precisa agora assumir a responsabilidade de
seus próprios atos. As rupturas marcam todas as relações humanas: a primeira é
com Deus e o homem quer fugir de sua responsabilidade “tive medo, porque estou
nu e me escondi”; a ruptura com Deus desemboca na ruptura com os outros “a
mulher que me deste por companheira deu-me o fruto e eu comi”: a relação
homem-mulher é desmantelada pelo patriarcalismo “a paixão vai arrastar você
para o marido, e ele a dominará”. Outra ruptura é a ecológica e o homem é
expulso do jardim: a natureza se revolta e não se torna somente causa de
doenças e fadigas, mas até mesmo destruição total. A maior ruptura é a produção
da morte, o humano transformado em ser-para- morte.
O pecado, portanto, é ruptura. [...] A humanidade terá que
aprender a superar a auto-suficiência para sanar essa ruptura, a fim de chegar
novamente a vida em plenitude. Isso é mostrado na ultima página da Bíblia, onde
vemos a Jerusalém celeste com as árvores da vida em sua praça, ao alcance de
todos (Ap 21, 1 – 22,5). Até lá, porém, há um longo caminho histórico a fazer,
reaprendendo a relacionar-se novamente com Deus, consigo mesmo e com o outro.
(STORNIOLO, 1990, p. 23)
* Roberto Bocalete
* Roberto Bocalete
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