sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Ola catequistas! Postei mais uma parte do estudo do Gênesis para refletirmos juntos. Vale uma recomendação: é fundamental, juntamente com o texto, ler o texto da Sagrada Escritura! Qualquer estudo bíblico pressupõe contato com o texto! Boa reflexão! Abraços!

LIVRO DO GÊNESIS (II)

Para iniciar o estudo do “livro das gerações”, é fundamental dividi-lo, conforme os acontecimentos mais importantes, para uma compreensão mais clara da obra. A divisão abaixo, como também a direção da pesquisa está baseada no texto do professor Balancin (2009), considerando as demais obras referidas na bibliografia, porém respeitando a estrutura oferecida pelo autor.

A primeira grande divisão do Gênesis é a que faz distinção entre o universo antes e depois do dilúvio (Gn 1-11), denominada História da humanidade e do mundo, articulada em dois grandes momentos distintos: Da criação ao dilúvio (Gn1, 1 – 9,17) e Do dilúvio a Abraão (Gn 9, 18 – 11,32) com suas subdivisões. A segunda divisão, a História patriarcal e a história de José (Gn 12-50), destaca os antepassados de Israel, centralizando a reflexão não mais no universo, mas num povo e numa terra. A segunda parte será dividida em três grandes ciclos: o Ciclo de Abraão (Gn 12, 1 – 25,18), o Ciclo de Isaac e de Jacó (Gn 25,19 - 37-1), e a história de José (Gn 37,2 – 50,26); estes ciclos apresentam uma trama, uma atmosfera, o cenário geográfico diferente de um para o outro.

A) A ORIGEM DO MUNDO E DA HUMANIDADE (Gn 1-11)
 Os onze primeiros capítulos do Gênesis preocupam-se com a raiz dos mistérios da vida, um desdobrar-se sobre a situação da humanidade e do mundo, colocando perguntas, mais do que dando respostas de validez universal.

Para Rendtorff (2002, p. 89-99), Gênesis 1-11 é composto de duas tradições principais: a chamada Javista e a Sacerdotal. Aí aparecem tradições antigas populares, sapienciais e sacerdotais, que foram recolhidas, elaboradas e costuradas pelos redatores numa sequência mais ou menos lógica, conservando características de cada tradição. Há no texto, gêneros literários diferentes que precisam ser levados em conta para que os textos possam ser interpretados com exatidão.

1.A Criação (Gn 1, 1 – 2,25)
1.1. Primeira narrativa da Criação (Gn 1, 1 – 2, 4a ) – Tradição Sacerdotal
Para Schwantes (apud BALANCIN, 2009, p.17) este capítulo de Gênesis tem jeito de narração, mas é profundamente poético; é um texto litúrgico para animar a comunidade reunida. Não foi pensado para ser debatido em Academias de ciências.

A primeira narrativa da criação, de tradição sacerdotal, foi escrita durante o Exílio da Babilônia (597-538 a.C.) por um grupo de sacerdotes deportados que escreveram tal narrativa para preservar a identidade do povo, os costumes e os hábitos, destacando a grandiosidade de Deus e a necessidade de fidelidade ao seu projeto: é reação ao exílio e importante iniciativa para digerir a catástrofe em termos teológicos.

Algumas considerações sobre a estrutura do texto são importantes: “No princípio, criou Deus o céu e a terra” (1,1), marca uma conotação temporal relativa e não absoluta; o número 7 tem significado importante na narrativa (Deus que age seis dias e descansa no sétimo); há refrões no texto, que são repetições importantes (“Houve uma tarde e uma manhã”; “Deus viu que era bom”) e a conclusão deixa clara que esse é a história [genealogia, gerações] do céu e da terra.

O relato bíblico inicia-se assim: “no princípio Deus criou...”; mais do que criar, o texto destaca a ação de Deus que plasma, forma o universo, separa e põe ordem no caos. A estruturação em sete dias destaca o caráter divino do descanso no sábado.

Toda origem do universo é estruturada no esquema da semana: a criação procede gradativamente e em clima crescente, até chegar ao homem no sexto dia. O principal de tudo é o sétimo dia ou sábado, quando terminada toda a criação, Deus descansou de todo o seu trabalho. Dessa forma, a observância do sábado como lei divina se torna o aspecto que distingue os judeus dos outros povos: o sábado é o dia divino, porque ele marca o término da criação e o descanso de Deus, que é cultuado pelo homem. (STORNIOLO, 1990, p.13)

A afirmação central de que Deus criou todos os seres tem consequências interessantes: a concepção de Deus é ampliada e ele assume o senhorio do universo, acima dos outros deuses das demais nações; Deus como criador universal des-diviniza a natureza com seus seres e forças, dessa forma, toda a natureza é apresentada como criatura de Deus, libertando o homem de uma submissão religiosa diante das coisas.

Gn 1, 26-27: “Então Deus disse: ‘façamos o homem  a nossa imagem e semelhança. Que ele domine os peixes do mar...’”. O termo homem indica ser humano, é um coletivo; “imagem e semelhança” quer destacar que o ser humano é livre, com vontade própria, inteligência. A imagem e semelhança é especificada em dois trechos: “criou-os homem e mulher” e “que ele domine”, que demonstra o ser humano como obra prima de Deus, acima de todas as criaturas, para dominá-las, não fazendo aquilo que bem entende, mas como “cuidador” da obra divina, como continuador do processo.

“Criou-os homem e mulher”: este pequeno texto é a marca da capacidade humana de gerar, de fazer descendência, de manter-se na historia: “sejam fecundos, multipliquem-se, encham e submetam a terra, dominem...”.

A tradição Sacerdotal ainda destaca o caráter da benção, palavra ousada e poderosa, que afirma a ação contínua de Deus, mesmo na alienação do exílio. A benção assume uma característica de esperança para aquele momento e os verbos sejam fecundos, multipliquem-se, encham a terra, dominem, destacam a não esterilidade, a não mais falta de descendência, ao não mais despovoamento, a não mais escravidão. A benção esta ligada aos temas da descendência, da fertilidade, da libertação, da prosperidade e da promessa de uma terra: era tudo o que os exilados esperavam.

1.2. Segunda Narrativa da Criação (Gn 2, 4b – 25)  - Tradição Javista
Embora colocada depois, esta segunda narrativa da criação é anterior à primeira: foi redigida provavelmente no tempo de Salomão (971-931 a.C.), pela tradição javista, e reflete outra concepção de criação: o centro da criação é a humanidade (“Javé Deus não tinha feito chover sobre a terra e não havia homem que cultivasse o solo”) e o foco de interesse é a fertilidade do solo, uma preocupação do agricultor já instalado numa porção de terra ou do seminômade, aquele que procura terra fértil para cultivar e aí se instalar.

De acordo com Storniolo o homem tem a função de colaborador de Deus na “tarefa de fazer a terra produzir e alimentar a vida. Deus criou a terra e a água que fertiliza; mas o homem que deve criar as condições para que o solo se torne fértil e produza o que é necessário” (1990, p. 16).

A criação do homem está ligada a fecundidade da terra, pois ele surge da argila para cultivar o solo, estabelecendo relação com a terra. A relação com Deus se dá no sopro da vida insuflado nas narinas do homem, deixando claro que só a Deus compete o poder da vida, e não a governantes ditadores, como acontecia na época. Na relação com os animais, o homem é responsável por dar nomes, expressão de superioridade acompanhada de zelo e cuidado. Na relação com a mulher, sua auxiliar, conforme o Talmud, o homem estabelece relação de companheirismo, já que a mulher foi tirada de seu lado (costela), não de poder ou submissão.

Outro relato dentro do trecho da criação é o do Jardim do Édem (vers. 8-17). O paraíso é o jardim do rei, onde havia plantas, animais e abundância de água; um jardim fechado, símbolo de uma condição existencial marcada por sentimentos contrapostos de inclusão/exclusão, proteção/ exposição, repouso/fadiga. No jardim é tudo fácil e espontâneo, fora dele, tudo é difícil e cansativo, o espaço aberto se torna produtivo somente depois de muito trabalho.

2. A serpente, o homem e a mulher (Gn 3, 1-24) -  Tradição Javista
O capítulo 3 tem forte ligação com o anterior (homem e mulher nus, a serpente estava no jardim, Deus passeando no jardim – antropomorfismo) e procura mostrar que na base do ser humano, tanto individual como social, existe uma ambiguidade que escapa a uma plena compreensão.

A serpente tornou-se símbolo de muitas coisas boas e ruins: pode ser associada a divindades da fertilidade (deusa cananeia da fertilidade tem a serpente enrolada em si), ser símbolo de saúde (símbolo da medicina), pode ser sinal de proteção (guardiã da Babilônia), ainda pode ser identificada com o mostro do caos, ser  símbolo maléfico ou demoníaco conforme a mitologia da Mesopotâmia, Pérsia, Grécia, Egito e Roma.  As interpretações são diversas: para Schwants o simbolismo de Gn 3 vem do mundo cultural e religioso egípcio e aqui representaria idolatria, principalmente no tempo de Salomão, quando outras divindades eram promovidas a fim de favorecer as relações políticas internacionais. Para Mesters houve um deslizamento do simbolismo inicial da serpente de ser figura da religião cananeia para ser símbolo do mal. Van Rad dá a entender que a serpente indica algo de fora, a tentação. Geshé é explicito sobre a exterioridade do mal. Storniolo e Balancin afirmam ser a serpente o resumo da pretensão de um discernimento que leva o homem a autossuficiência, pretendendo ocupar o lugar de Deus.

Da árvore do meio do jardim, do conhecimento do bem e do mal, há uma proibição para que não se coma seu fruto. Comer desse fruto causaria o discernimento absoluto, plenitude prerrogativa de Deus: a autossuficiência ética seria o grande problema humano, decidir por si mesmo o que é bom ou ruim para a humanidade. A tentação é grande e o fruto é bom para o apetite: aqui não é a serpente que é venenosa, mas o fruto sedutor que está cheio de veneno e mata. Ao querer ser dono absoluto da vida, o ser humano acaba correndo em direção à morte.

A queda deu-se no momento em que comeram do fruto e a consequência de tal ato foi percebida no olhar exterior do estar nu, somado a rupturas diversas; o mal já está introjetado dentro deles e ao invés de tornarem-se deuses, percebem-se nus. O homem precisa agora assumir a responsabilidade de seus próprios atos. As rupturas marcam todas as relações humanas: a primeira é com Deus e o homem quer fugir de sua responsabilidade “tive medo, porque estou nu e me escondi”; a ruptura com Deus desemboca na ruptura com os outros “a mulher que me deste por companheira deu-me o fruto e eu comi”: a relação homem-mulher é desmantelada pelo patriarcalismo “a paixão vai arrastar você para o marido, e ele a dominará”. Outra ruptura é a ecológica e o homem é expulso do jardim: a natureza se revolta e não se torna somente causa de doenças e fadigas, mas até mesmo destruição total. A maior ruptura é a produção da morte, o humano transformado em ser-para- morte.

O pecado, portanto, é ruptura. [...] A humanidade terá que aprender a superar a auto-suficiência para sanar essa ruptura, a fim de chegar novamente a vida em plenitude. Isso é mostrado na ultima página da Bíblia, onde vemos a Jerusalém celeste com as árvores da vida em sua praça, ao alcance de todos (Ap 21, 1 – 22,5). Até lá, porém, há um longo caminho histórico a fazer, reaprendendo a relacionar-se novamente com Deus, consigo mesmo e com o outro. (STORNIOLO, 1990, p. 23)

* Roberto Bocalete

Nenhum comentário:

Postar um comentário