sexta-feira, 19 de outubro de 2012


Olá amigos e amigas catequistas! Proponho uma leitura o evento fundante de nossa fé: a morte e ressurreição de Jesus. reflitam esse ponto essencial de nossa Cristologia! Abraços!

MORTE E RESSURREIÇÃO DE JESUS
(Roberto Bocalete)

Da morte à ressurreição, elementos fundacionais da fé cristã, elaborados e compreendidos no processo de releitura pós-pascal, chamado hermenêutica da fé, utilizando da linguagem cristológica: esse é o caminho que vamos traçar para compreensão do grande mistério da fé cristã: “Deus ressuscitou a Cristo dos mortos”.

Antes de desenvolver a reflexão sobre a morte de Jesus, é preciso compreender o significado da cruz, entendendo seu sentido original, muito além da ideia “adocicada” de instrumento de salvação. A cruz era sinal de maldição, escândalo, sofrimento, dor, abandono, morte, conflito e rebeldia; realidade de injustiça, escândalo do poder; para os discípulos, sinônimo de trauma, dispersão e medo. A primeira reação diante do desfecho trágico da vida de Jesus foi o desconcerto e a perplexidade; a morte de Jesus provocou o medo, o abandono e a fuga.

A cruz entendida somente como salvação, sem o olhar inicial do sofrimento e do escândalo, pode acomodar e reduzir a morte de Jesus ao cumprimento de uma vontade mesquinha de Deus, nesse caso, afirmando que o Pai desejou e deseja fatalidades. É um erro tomar a cruz como aquela que sela a salvação, esquecendo-se de seu significado primeiro de confusão e dor, esquecendo-se que a salvação é projeto divino desde a criação, ou ainda reduzindo a economia da salvação ao simples fato de “Deus ter enviado seu Filho amado para morrer em meu lugar”.

A morte de Jesus foi um fato humano e histórico, registrada nos anais da história como o episódio de “Jesus de Nazaré morreu crucificado nas mãos de Pôncio Pilatos”; portanto, uma morte que não deve ser interpretada como determinação divina, mas consequência de uma ação libertadora, de um projeto de ressignificação da lei arbitrária e externa ao homem. A morte de Jesus de Nazaré se dá por inveja do poder, precisa ser compreendida como fato cristológico: Deus permite a morte, mas a responde com a ressurreição.

Por que mataram Jesus então? Qual o sentido dessa morte? Por que Jesus morreu? Dentre as causas já citadas, poderemos acrescentar ainda a insegurança política e religiosa (ameaça ao poder), já que Jesus era chamado algumas vezes de “Senhor”; a pregação escatológica incompreendida; as interpretações equivocadas de suas ações, as supostas acusações de blasfêmia (Filho de Deus); sua postura que o rotulava de rebelde causador de revoltas, um subversivo.

O anúncio do Reino feito por Jesus também foi um dos grandes motivos de sua morte, por isso, sua morte não foi resultado de um confronto final, mas da força de um projeto, a força do reino contrariando e combatendo as forças do antirreino.

 Sabendo da sorte dos profetas, as consequências de suas falas e denúncias, Jesus não somente percebe a morte iminente, como dá significado profundo a ela na ceia pascal, na celebração da doação: chama os convidados, toma a tradição judaica, partilha o pão. Fez o que já era feito, utilizou-se dos costumes da época para celebrar a memória pascal, no entanto, no contexto histórico da caminhada com seus discípulos, dá novo significado teológico ao banquete: é a entrega do corpo e sangue para a fundação e fundamentação da nova aliança.

E por que Deus permitiu? Para que Jesus, entrando na esteira dos profetas, fosse enfim entendido como profeta escatológico que um dia voltará, para ser “tudo em todos” (1Cor 15,28). Permitiu para cumprir o que estava escrito nas Escrituras sobre o messias (Lc 24,13-35). Permitiu para que o humano fosse chamado, justificado, predestinado à salvação e glorificado, e assim, tornar-se partícipe do desígnio de Deus, que deseja unir-se ao homem para que se torne definitivamente sua imagem e semelhança.

Para que Deus permitiu? Permitiu para que o sangue derramado marcasse a reconciliação de toda humanidade; em vista do pecado e do mal, demonstrando que o maior inimigo do homem, a morte, “está vencida pelo Senhor da Vida”; para que se cumprisse a profecia do Servo Sofredor de Isaias; para superação do modelo veterotestamentário de sacrifício de sangue para o modelo reconciliador da obediência, na categoria da aliança, nova e eterna, cumprida em Jesus.

A morte de Jesus significa a experiência fundante da fé em Cristo. O que salva é a obediência, a doação da vida e não a cruz em si mesma. O dom da obediência é acolhido por Deus e manifestado no Reino. O que nos reconcilia, portanto, não é a cruz em si mesma, mas sua síntese: a morte e a ressurreição.

Terá a morte de Jesus posto um fim a todo projeto messiânico? Teria sido ele um messias fracassado? Depois da crucifixão, ocorreu a dispersão dos seguidores de Jesus, que regressaram para a Galileia e reassumiram as suas antigas profissões. Contudo, surpreendentemente, pouco tempo depois, eles estão de novo em Jerusalém pregando; pregam não os atos ou ensinamentos de Jesus, mas um acontecimento: “o Jesus que vós matastes, Deus o ressuscitou dos mortos” (At 2,22-24.32-36). Algo ocorreu para que os apóstolos estivessem novamente reunidos e anunciando corajosamente a ressurreição de Cristo; a mudança no comportamento sugere que houve uma inspiração de Deus para a compreensão do mistério da ressurreição.

A ressurreição não tem inscrição na história, mas inserção na história pelos frutos gerados a partir do movimento do ressuscitado e a influência nessa mesma história. O túmulo vazio e as aparições não são provas históricas da ressurreição, mas releituras pós-pascais marcadas pela experiência de caminhada comunitária; argumentos que não têm força histórica e nem teológica, no entanto, narram a ressurreição dos discípulos, a maneira como ressuscitam.

A ressurreição foi experimentada pelos apóstolos de forma lenta, como processo, como experiência morosa. Os evangelhos trazem presente a elaboração da ressurreição em vista dos processos vividos pelos apóstolos após a morte de Jesus. A comunidade agrega sentido salvífico mediante a ressurreição.

Para se chegar a saborear a ressurreição foi preciso a frustração e o escândalo da cruz. A dureza deste momento pode ter feito os discípulos dispersarem, mas após a construção do significado daquela decepção, saborearam a ressurreição; a cruz não permaneceu então como desgraça ou fim de tudo, mas na ressurreição recebe sentido de vida entregue e salvação do mundo.

A ressurreição propriamente dita tem caráter teológico e não biológico e diz da vida humana de Jesus: a morte, na humilhação, foi acolhida pelo Pai e a vida do justo injustiçado foi resgatada: Jesus foi ressuscitado; na obediência, portanto, Deus o exaltou, colocando-o no posto mais alto que podia existir. Seu título é Senhor do universo e da história e diante dele todos se prostram (Fl 2,6-11).

O processo de compreensão da ressurreição, que chamamos também de hermenêutica da fé, se dá a partir da releitura do primeiro testamento, observando as lacunas messiânicas e o cumprimento das promessas divinas em Jesus; os discípulos passam a compreender o tempo a partir da “plenitude dos tempos”, do kairós. O relato dos discípulos de Emaús condensa esse caminho de compreensão, a busca de sentido nas Sagradas Escrituras (arqueologia bíblica) até a celebração da identidade dos primeiros cristãos, momento em que se abriram os olhos dos discípulos e eles reconheceram que Jesus lhes falava no caminho.

A vida sem ressurreição é uma vida sem graça, sem esperança, sem saída. A recuperação dos textos bíblicos é importante para compreensão dos títulos messiânicos e identificação destes títulos com Jesus: Filho de Deus, Senhor, Messias, Cristo, Filho de Davi, Filho do homem, Servidor e Profeta, títulos da literatura de Israel que apontam para identidade de Jesus.
**“Senhor”, ou Kyrios, era título dado somente a Deus (Adonai), transferido para Jesus, entendido como vivente, exaltado. O que estava morto venceu a morte e vive. Tal título foi dado pela ressurreição: Jesus Cristo é o Senhor!
**“Filho de Deus” é o título de significado ontológico, que quer dizer sobre o ser de Jesus. Ele não é simplesmente o filho de José, mas de Deus e chama Deus de Pai, tem clara sua fidelidade ao projeto. Este título aparece no início Marcos e volta a aparecer na boca do centurião, diante da cruz. Só é possível confessar Jesus como Filho de Deus se paralelamente o confessamos a partir da cruz. Nos evangelhos Jesus faz uso do termo Abba! Esse título também é falado por Deus mesmo no batismo e na transfiguração. Na releitura pós–pascal é o título da compreensão divina.
**O termo “Messias/ Cristo” é título de origem palestina, presente nos profetas que esperavam o Messias: da descendência de Davi virá o ungido para governar o povo de Deus e esse messias reinará. O título messias (ungido) Jesus nunca atribui a si mesmo. Sempre são os outros que dizem que Jesus é o Messias, até mesmo de maneira confusa (Mc 8,27). Jesus não se reduz a concepção judaica de messias, mas com Jesus há um salto para uma concepção cristã, o messias passa pela cruz. É na cruz que coexiste a exaltação.
**“Filho de Davi” está presente em 2 Sm 7,12 - “estabelecerei seu trono real”- o anunciado por Natã é Jesus; 2 Sm 7,16 – “Bendito o reino que vem do nosso pai Davi”, depois confirmado em Lc 1,32 “Deus lhe dará o trono de Davi”.
 **"Filho do homem” está presente em Dn 7,13, é título apocalíptico e escatológico identificado a Jesus: ser humano, homem que ultrapassou a condição humana. Jesus se explicava como Filho do homem (Mt 8,20),  e João 3,13 deixa claro que ele virá para inaugurar um novo tempo. A particularidade deste titulo é que faz referência a humanidade de Jesus, isso mostra que tem consciência sobre a sua humanidade. Em primeiro lugar ele se confessa como filho do homem, e o filho do homem vai morrer. Ele tem consciência de sua humanidade, e sobre a divindade a consciência é progressiva. Reconhecer a humanidade – filho do homem – é condição de possibilidade para ser Filho de Deus.
**"O servidor” é resgate da figura do servo sofredor de Isaias (42,1-17; 49,1-6; 50,4-9.10-11; 52,13-53,12), servo animado pelo Espírito na missão profética; servo das humilhações; servo sábio e discípulo; servo do sofrimento, do escândalo, das expiações dos pecados.
 **“O Profeta” é resgatado por encontrarmos a morte de Jesus na esteira dos profetas, há uma identificação com a consequência do profetismo: a sorte da morte.

No Novo Testamento, há diversas linguagens sobre a ressurreição de Jesus, diferentes formas literárias para se dizer do evento pascal: o querigma presente nas confissões de fé, nos discursos dos Atos dos Apóstolos, onde o acontecido não é descrito, mas qualificado: At 2,22-24.32-36; 4,10-12; etc e nos hinos litúrgicos cristológicos que destacam a exaltação de Cristo  como em Ef 4,7-10 e Fl 2,6-11; os relatos evangélicos das aparições e os relatos do túmulo vazio. Nesses diversos aspectos da linguagem cristológica, os discípulos utilizam palavras metafóricas para dizer da ressurreição: levantar-se, despertar, exaltar, elevar.

O querigma tem como ponto alto o anúncio da ressurreição: “Deus ressuscitou Jesus”(1Cor 15,15), “Aquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos” (Rm 8,11). Nos hinos querigmáticos destaca-se que Deus não permitiria que o justo permanecesse na mansão dos mortos, por isso o ressuscita na expectativa do povo de Israel diante do messianismo. Observamos no querigma presente em 1 Ts 1,10; Gl 1,1; 1 Cor 6,14; 1Cor 15,15; 2Cor 4,14; Rm 4,24 afirmações interessantes  quanto a ressurreição: verbo encontra-se no passado “ressuscitou”; sujeito da ação de ressuscitar é Deus; o objeto a ser ressuscitado é o crucificado (foi morto); o fato de ser tirado da morte é sinal da vitória, da exaltação.

Os relatos de aparição, como gênero literário, são narrados a partir de uma forma que destaca a experiência focada nos discípulos, seguindo uma estrutura, nos ajuda a entender a ressurreição desses discípulos:
1)Os discípulos aparecem desanimados, entristecidos, com medo;
2)Apresenta-se uma confusão, há dúvidas: Onde está o corpo?
3)Há uma incompreensão: fala-se com Jesus, porém não o reconhecem.
4)Vivencia a experiência com a ressurreição.
5)Após a experiência, há o reconhecimento dos atributos da ressurreição: anúncio, alegria e gozo.

Os relatos do túmulo vazio fazem referência ao obscuro acesso da fé, expressam um convite para crer – “Não está aqui, ressuscitou” (Mc 16,1-8); apresentam a vitória de Deus (Mt 28,1-8) e também a lentidão para compreensão do processo (Mc16,9-20); destacam a dificuldade em reconhecer e acreditar na ressurreição, por isso a necessidade de uma caminhada (Lc 24,1-11);  destacam a vitória da vida sobre a morte – “Por que procurais dentre os mortos aquele que está vivo?” (Jo 20,1-18). A ausência do corpo, conforme a antropologia judaica, é sinal de ressurreição, do justo acolhido por inteiro.

Assim, do medo à alegria, a ressurreição foi saboreada como processo e experiência de fé dos próprios discípulos, que fizeram profunda anamnese de todo projeto de Deus entendo em Jesus o pleno cumprimento, transmitiram essa experiência por meio de uma linguagem própria, apontando que o cerne do cristianismo está em ressuscitar com Cristo: “Ressuscitei, Senhor, contigo estou, Senhor, Teu grande amor, Senhor, de mim se recordou, Tua mão se levantou, me libertou!”(Reginaldo Veloso)

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