terça-feira, 30 de outubro de 2012

Olá catequistas: os capítulos finais do livro do Gênesis é dedicado a saga de José! Bons estudos!

LIVRO DO GÊNESIS (VI)

3. A história de José: Deus age através dos acontecimentos (Gn 37,2 – 50,26)
A história de José tem uma coerência interna: Jacó aparece nela, mas é apresentado como um ancião fraco e preso às suas preferências afetivas. O núcleo do relato fala sobre o conflito e a venda de José (Gn 37), a subida de José ao poder (Gn 40 – 41) e as viagens dos irmãos ao Egito e a reconciliação (Gn 42 – 45).

Conforme Bonara, história de José é permeada por dois elementos essenciais: o homem responsável e livre na historicidade concreta e abertura ao pecado, que labuta pela própria auto-realização, mediante suas escolhas e decisões, e Deus que, com soberana e infinita liberdade, já escolheu o homem e fixou os rumos do relacionamento homem-Deus, desce do céu e mescla-se secretamente na história. A história de José se realiza e se desenrola entre a liberdade divina e a liberdade humana.

Nessa história, volta-se um olhar para a essência do homem, tratando de homens concretos, de uma família, exatamente da família de Jacó, que simboliza as realizações da comunidade humana.

3.1. Uma novela de um sábio
A história de José situa-se entre as narrativas dos patriarcas (aos quais é feita a promessa da terra) e a narrativa épica do Êxodo, desde a escravidão egípcia, que constitui o primeiro passo rumo ao ingresso à terra prometida.

No lugar onde se encontra na Bíblia, a história de José apresenta-se como ponte entre os patriarcas e o Êxodo, que é considerada a entrada dos hebreus no Egito.  

A saga de José pode ser considerada como um conto magistral: “Os irmãos de José chegaram a ele... José viu a seus irmãos e os reconheceu” (Gn 42,6-7). Mas “eles não o reconheceram” (Gn 42,8). A narrativa tem três momentos: uma condição inicial - a família está unida, os irmãos se reconhecem como irmãos; uma situação de crise – os irmãos se odeiam, não se falam, uns conspiram contra o outro até pensarem na matança; uma solução final - depois da reconciliação, o diálogo fraterno, a pacificação e a reunificação da família inteira. Essa estrutura é que se chama de princípio da transformação somada a descoberta de Deus que se faz presente às escondidas na história humana.

Para alguns estudiosos a história de José (inspirada no “Conto dos dois irmãos”, um interessante conto egípcio, escrito entre 1500 e 1000 a.C.) é um campo ideal, clássico, para “demonstrar” como e quando é importante e frutífero estudar a Bíblia com o método da distinção das “fontes”. Esse método de estudo é chamado de várias maneiras: mas comumente é chamado de “teoria documentária” ou “estudo da história das tradições”. A história de José não uma combinação de pedaços, de documentos, mas é a obra de um único autor que trabalha sobre as tradições anteriores.

A origem da narrativa sobre José pode ser assim definida: o rei Salomão, na sua corte em Jerusalém, promoveu um estudo literário, assim como o rei Mecenas, com intento de legitimar sua realeza. Um grupo de sábios ocuparam-se de coletar por escrito o patrimônio histórico-religioso do povo de Israel. O texto da história de José teve um profundo sentido religioso, mas também preocupação racional-filosófica. A história de José foi “retocada” e assimilou alguns acréscimos e fragmentos: Gn 41, 50-52 sobre os dois filhos de José, Manassés e Efraim, chefes da estirpe de duas tribos de Israel. (Gn 46,1-5, Gn 48, Gn, 23-25).  A história de José era vista pelo sacerdotes como “meio” para vincular os patriarcas com a Êxodo e para remarcar o tema da benção e da terra.
“Em atual configuração literária, a história de José tem grande importância teológica e tornou-se um esquema interpretativo concreto ou um modelo de compreensão da história e da existência humana à luz da fé javista”. (BONARA, 1987, p. 29). José não é, portanto, pura invenção poética da fantasia criadora do escritor Bíblico, mas encarna um dado histórico de grande realce para as origens das doze tribos de Israel.

3.2.  O homem como auto-realização
De acordo com G. Von Rad, a história de José distingue-se pelo seu mundanismo revolucionário, que descreve o inteiro âmbito da vida humana, todos os seus primores com profundo realismo. A história de José explica-se com o desenrolar das causas humanas: cada acontecimento tem uma exata e pontual justificativa nas circunstâncias, nas decisões, nas escolhas, nos pensamentos e nas paixões dos homens.

José no reino do faraó tem o cargo de ministro da agricultura e com poderes políticos, torna-se um personagem semelhante a vizir, de quem nos falam os antigos textos egípcios. Um sábio verdadeiro, um homem realizado: sábio, segundo a tradição da bíblia, não corresponde a “intelectual”, mas designa personalidade que tem dotes e recursos necessários para levar vida boa e feliz. Von Rad sublinha justamente que, mesmo tratando-se de formação humana, se reconhece que o temor de Deus é sempre a base. O ideal sapiencial é um humanismo religioso. Lembrando que a tradição sapiencial antiga, também bíblica, dá grande importância à arte de falar.

Na história de José tudo parece regulado segundo os interesses humanos das relações familiares, políticas etc. Temos uma história intensa e plenamente humana, profana, que não significa ,porém, uma história ateia e agnóstica.

3.3. Fraternidade e reconciliação: história da família de José
A história de José pode ser entendida a partir de dois grandes momentos:  Gn 37- 41: divisão da família e isolamento-exaltação do herói e Gn 42-50: submissão dos irmãos, reconciliação e restituição da unidade familiar.

Conforme Storniolo (1990, p. 52 – 61), o início da história de José é dramático e já aponta para o seu desenvolvimento posterior. José, filho de Jacó e Raquel, é o preferido do pai e se não bastasse isso, os sonhos que ele conta à família acabam suscitando ciúmes (Gn 37). José é repudiado por causa de seus sonhos proféticos.

A reação dos irmãos se faz logo a sentir e agora a narrativa se encaminha para o lugar onde tudo o mais acontecer: José é vendido para o Egito.
Além de estar longe do pai, José perde a liberdade, e de escravo torna-se prisioneiro. O autor do texto reforça por quatro vezes (Gn 39 – 41) que “Javé estava com José” e qualquer pessoa que possa ser instrumento de Deus recebe dele benção para todos que o cercam.

Para os antigos, o sonho era uma mensagem cifrada em que Deus se manifestava ao homem e a ele revelava o futuro. Mostrando que José é capaz de interpretar sonhos, o texto afirma que ele sabe discernir a ação de Deus na história.

Os sonhos do faraó tornam-se a ocasião concreta para a ascensão de José. Além de mostrar discernimento para interpretar os sonhos e perceber a ação de Deus, José demonstra também o tino administrativo que poderá salvar o país da fome (41, 33-36). Com isso, fica provado que José é sábio: é capaz de discernir a ação de Deus e agir de acordo. [...] Por seu discernimento e tino administrativo, José se torna vice-rei do Egito. (STORNIOLO, 1990, p. 54)
 
A família de Jacó passa por uma terrível crise e manda seus dois filhos mais velhos para o Egito. José reconheceu seus irmãos, mas eles não o reconheceram (Gn 42,8). José os coloca à prova , mantém Simeão de refém e pede para buscar seu irmão mais novo, Benjamim, filho de Raquel, também sua mãe (Gn 42,16): o que José quer de fato saber é se agora os irmãos são capazes de agir com fraternidade, quer saber como são capazes de tratar o irmão mais novo.

José age como juiz e como acusador para submeter os irmãos à prova para que eles reconheçam a culpa, se convertam e redescubram o amor fraterno. O segundo encontro é um encontro alegre (Gn 43): comem juntos, porém uma taça é colocada na saca de Benjamim, como marca do teste mais radical. O ponto alto da narrativa se dá com Judá, que confessa a venda de José ao Egito, contudo, não aceita que Benjamim fique como escravo, oferecendo-se em troca pelo irmão. Os irmãos estão dispostos a assumir a responsabilidade pelo irmão. O teste chega ao fim. O diálogo traz a reconciliação e o amor entre os irmãos. A verdadeira fraternidade é presente de Deus, que dirige os acontecimentos desta história invisivelmente.

Pode-se observar que a narrativa segue um esquema de transformação. A reconciliação fraterna é, portanto, o fruto e o símbolo do perdão e da misericórdia de Deus. Para Bonara:

Não existe em todo o Antigo Testamento uma tão plástica representação da reconciliação e uma tão sutil e profunda intuição do processo da reconciliação como há nesta novela maravilhosa que penetra tão profundamente dentro da realidade humana, com olhar claro e penetrante de fé. (1987, p. 64)

É nesta contraposição radical entre o plano ruim dos irmãos e o plano de salvação divina que a história de José alcança seu vértice teológico: Deus é essa presença de amor na humanidade. Deus e o homem são livres “criadores” da história.

“Deus age através dos homens: onde há o máximo desempenho do livre compromisso humano, aí há a presença de Deus, que projeta e dirige”. (BONARA, 1987, p. 71)

Na narrativa dos acontecimentos de José, Deus dá ao agir humano a sua direção e finalidade, que resulta no plano divino, liberdade do agir humano e liberdade de Deus operam em conjunto e ao mesmo tempo.

**Roberto Bocalete

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