Olá catequistas: os capítulos finais do livro do Gênesis é dedicado a saga de José! Bons estudos!
LIVRO DO GÊNESIS (VI)
3. A história de José: Deus age através dos acontecimentos (Gn 37,2 – 50,26)
A história de José tem uma coerência interna: Jacó aparece
nela, mas é apresentado como um ancião fraco e preso às suas preferências
afetivas. O núcleo do relato fala sobre o conflito e a venda de José (Gn 37), a
subida de José ao poder (Gn 40 – 41) e as viagens dos irmãos ao Egito e a
reconciliação (Gn 42 – 45).
Conforme Bonara, história de José é permeada por dois
elementos essenciais: o homem responsável e livre na historicidade concreta e
abertura ao pecado, que labuta pela própria auto-realização, mediante suas
escolhas e decisões, e Deus que, com soberana e infinita liberdade, já escolheu
o homem e fixou os rumos do relacionamento homem-Deus, desce do céu e mescla-se
secretamente na história. A história de José se realiza e se desenrola entre a
liberdade divina e a liberdade humana.
Nessa história, volta-se um olhar para a essência do homem,
tratando de homens concretos, de uma família, exatamente da família de Jacó,
que simboliza as realizações da comunidade humana.
3.1. Uma novela
de um sábio
A história de José
situa-se entre as narrativas dos patriarcas (aos quais é feita a promessa da
terra) e a narrativa épica do Êxodo, desde a escravidão egípcia, que constitui
o primeiro passo rumo ao ingresso à terra prometida.
No lugar onde se encontra na Bíblia, a história de José
apresenta-se como ponte entre os patriarcas e o Êxodo, que é considerada a
entrada dos hebreus no Egito.
A saga de José pode ser considerada como um conto magistral:
“Os irmãos de José chegaram a ele... José viu a seus irmãos e os reconheceu”
(Gn 42,6-7). Mas “eles não o reconheceram” (Gn 42,8). A narrativa tem três
momentos: uma condição inicial - a família está unida, os irmãos se reconhecem
como irmãos; uma situação de crise – os irmãos se odeiam, não se falam, uns
conspiram contra o outro até pensarem na matança; uma solução final - depois da
reconciliação, o diálogo fraterno, a pacificação e a reunificação da família
inteira. Essa estrutura é que se chama de princípio da transformação somada a
descoberta de Deus que se faz presente às escondidas na história humana.
Para alguns estudiosos a história de José (inspirada no
“Conto dos dois irmãos”, um interessante conto egípcio, escrito entre 1500 e
1000 a.C.) é um campo ideal, clássico, para “demonstrar” como e quando é
importante e frutífero estudar a Bíblia com o método da distinção das “fontes”.
Esse método de estudo é chamado de várias maneiras: mas comumente é chamado de
“teoria documentária” ou “estudo da história das tradições”. A história de José
não uma combinação de pedaços, de documentos, mas é a obra de um único autor
que trabalha sobre as tradições anteriores.
A origem da narrativa
sobre José pode ser assim definida: o rei Salomão, na sua corte em Jerusalém,
promoveu um estudo literário, assim como o rei Mecenas, com intento de
legitimar sua realeza. Um grupo de sábios ocuparam-se de coletar por escrito o
patrimônio histórico-religioso do povo de Israel. O texto da história de José
teve um profundo sentido religioso, mas também preocupação racional-filosófica.
A história de José foi “retocada” e assimilou alguns acréscimos e fragmentos:
Gn 41, 50-52 sobre os dois filhos de José, Manassés e Efraim, chefes da estirpe
de duas tribos de Israel. (Gn 46,1-5, Gn 48, Gn, 23-25). A história de José era vista pelo sacerdotes como
“meio” para vincular os patriarcas com a Êxodo e para remarcar o tema da benção
e da terra.
“Em atual configuração literária, a história de José tem
grande importância teológica e tornou-se um esquema interpretativo concreto ou
um modelo de compreensão da história e da existência humana à luz da fé
javista”. (BONARA, 1987, p. 29). José não é, portanto, pura invenção poética da
fantasia criadora do escritor Bíblico, mas encarna um dado histórico de grande
realce para as origens das doze tribos de Israel.
3.2. O homem como
auto-realização
De acordo com G. Von Rad, a história de José distingue-se
pelo seu mundanismo revolucionário, que descreve o inteiro âmbito da vida
humana, todos os seus primores com profundo realismo. A história de José
explica-se com o desenrolar das causas humanas: cada acontecimento tem uma
exata e pontual justificativa nas circunstâncias, nas decisões, nas escolhas,
nos pensamentos e nas paixões dos homens.
José no reino do faraó tem o cargo de ministro da
agricultura e com poderes políticos, torna-se um personagem semelhante a vizir,
de quem nos falam os antigos textos egípcios. Um sábio verdadeiro, um homem
realizado: sábio, segundo a tradição da bíblia, não corresponde a
“intelectual”, mas designa personalidade que tem dotes e recursos necessários
para levar vida boa e feliz. Von Rad sublinha justamente que, mesmo tratando-se
de formação humana, se reconhece que o temor de Deus é sempre a base. O ideal
sapiencial é um humanismo religioso. Lembrando que a tradição sapiencial antiga,
também bíblica, dá grande importância à arte de falar.
Na história de José tudo parece regulado segundo os
interesses humanos das relações familiares, políticas etc. Temos uma história
intensa e plenamente humana, profana, que não significa ,porém, uma história ateia
e agnóstica.
3.3. Fraternidade e reconciliação: história da família de
José
A história de José pode ser entendida a partir de dois
grandes momentos: Gn 37- 41: divisão da
família e isolamento-exaltação do herói e Gn 42-50: submissão dos irmãos,
reconciliação e restituição da unidade familiar.
Conforme Storniolo (1990, p. 52 – 61), o início da história
de José é dramático e já aponta para o seu desenvolvimento posterior. José,
filho de Jacó e Raquel, é o preferido do pai e se não bastasse isso, os sonhos
que ele conta à família acabam suscitando ciúmes (Gn 37). José é repudiado por
causa de seus sonhos proféticos.
A reação dos irmãos se faz logo a sentir e agora a narrativa
se encaminha para o lugar onde tudo o mais acontecer: José é vendido para o
Egito.
Além de estar longe do pai, José perde a liberdade, e de
escravo torna-se prisioneiro. O autor do texto reforça por quatro vezes (Gn 39
– 41) que “Javé estava com José” e qualquer pessoa que possa ser instrumento de
Deus recebe dele benção para todos que o cercam.
Para os antigos, o sonho era uma mensagem cifrada em que
Deus se manifestava ao homem e a ele revelava o futuro. Mostrando que José é
capaz de interpretar sonhos, o texto afirma que ele sabe discernir a ação de
Deus na história.
Os sonhos do faraó tornam-se a ocasião concreta para a
ascensão de José. Além de mostrar discernimento para interpretar os sonhos e
perceber a ação de Deus, José demonstra também o tino administrativo que poderá
salvar o país da fome (41, 33-36). Com isso, fica provado que José é sábio: é
capaz de discernir a ação de Deus e agir de acordo. [...] Por seu discernimento
e tino administrativo, José se torna vice-rei do Egito. (STORNIOLO, 1990, p.
54)
A família de Jacó passa por uma terrível crise e manda seus
dois filhos mais velhos para o Egito. José reconheceu seus irmãos, mas eles não
o reconheceram (Gn 42,8). José os coloca à prova , mantém Simeão de refém e
pede para buscar seu irmão mais novo, Benjamim, filho de Raquel, também sua mãe
(Gn 42,16): o que José quer de fato saber é se agora os irmãos são capazes de
agir com fraternidade, quer saber como são capazes de tratar o irmão mais novo.
José age como juiz e como acusador para submeter os irmãos à
prova para que eles reconheçam a culpa, se convertam e redescubram o amor
fraterno. O segundo encontro é um encontro alegre (Gn 43): comem juntos, porém
uma taça é colocada na saca de Benjamim, como marca do teste mais radical. O
ponto alto da narrativa se dá com Judá, que confessa a venda de José ao Egito,
contudo, não aceita que Benjamim fique como escravo, oferecendo-se em troca
pelo irmão. Os irmãos estão dispostos a assumir a responsabilidade pelo irmão.
O teste chega ao fim. O diálogo traz a reconciliação e o amor entre os irmãos.
A verdadeira fraternidade é presente de Deus, que dirige os acontecimentos
desta história invisivelmente.
Pode-se observar que a narrativa segue um esquema de
transformação. A reconciliação fraterna é, portanto, o fruto e o símbolo do
perdão e da misericórdia de Deus. Para Bonara:
Não existe em todo o Antigo Testamento uma tão plástica
representação da reconciliação e uma tão sutil e profunda intuição do processo
da reconciliação como há nesta novela maravilhosa que penetra tão profundamente
dentro da realidade humana, com olhar claro e penetrante de fé. (1987, p. 64)
É nesta contraposição radical entre o plano ruim dos irmãos
e o plano de salvação divina que a história de José alcança seu vértice
teológico: Deus é essa presença de amor na humanidade. Deus e o homem são
livres “criadores” da história.
“Deus age através dos homens: onde há o máximo desempenho do
livre compromisso humano, aí há a presença de Deus, que projeta e dirige”.
(BONARA, 1987, p. 71)
Na narrativa dos acontecimentos de José, Deus dá ao agir
humano a sua direção e finalidade, que resulta no plano divino, liberdade do
agir humano e liberdade de Deus operam em conjunto e ao mesmo tempo.
**Roberto Bocalete
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