ANO DA FÉ – TEMPO PROPÍCIO
Dom Orani Tempesta, Arcebispo do
Rio de Janeiro

Todos nós, os católicos, devemos
participar desse ano com “todo seu coração, com toda sua alma e com todo seu
entendimento” (Mt 22,37). Mas qual é o
sentido do Ano da Fé? A fé ainda tem espaço em nossa cultura secularizada? Em
um mundo cheio de misérias, fome, guerras, onde Deus parece não ter lugar e nem
vez, não seria uma alienação proclamar um Ano da Fé? Para que serve a fé?
Esses e outros interrogantes são
propostos aos cristãos. Respondê-los se faz necessário para todos os que
desejam viver sua fé com consciência, e não apenas como uma herança de seus
pais e avós esquecida e guardada em um canto perdido da própria vida, e que não
possui nenhuma incidência concreta no modo de viver, pensar, ser e
relacionar-se.
O cristão diante dessa
problemática não se cala e nem deve se calar. Devemos descobrir na oração os desígnios
de Deus e dar respostas adequadas. Gostaria de convidá-los a percorrer comigo
um itinerário que nos leve a descobrir o significado, importância e necessidade
do Ano da Fé.
A. O Ano da Fé significa agradecer
O ser humano, em seu estado natural, possui
inteligência e vontade com potencialidades infinitas. A beleza que surge das
mãos dos homens é um reflexo da beleza que surge das mãos do Criador. No
entanto, não quis Deus que o homem permanecesse apenas em seu estado natural e
nos deu o dom da fé.O dom da fé e da graça eleva o homem ao estado
sobrenatural, somos filhos de Deus (1Jo 3,1). Neste estado podemos dizer com
São Paulo “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20). O
estado sobrenatural não está em conflito com o estado natural. A graça não
destrói a natureza, a supõe, eleva e aperfeiçoa.
A fé nos eleva a uma condição
superior, mas não de superioridade. É na vivência profunda da fé que o homem se
encontra completamente consigo mesmo e com o outro, e realiza plenamente a vocação
a que foi chamado.
Cristo é nosso Senhor e nos
convida a contemplar o mundo e seus irmãos com novos olhos. A fé, bem acolhida
e cultivada, nos oferece uma lente que permite perceber a realidade com o
coração de Deus. Por isto, o cristão não é indiferente aos assuntos do mundo. O
sofrimento e a dor que assolam a humanidade devem ser sentidos, sofridos e
compadecidos com maior intensidade por aqueles que se declaram apóstolos de
Cristo. É com o amor de Deus que amamos o mundo.
A fé não é alienação, ao contrário,
é trazer ao mundo um pouco do divino, é lapidar a beleza da criação muitas
vezes escondida pela nuvem do pecado. A verdadeira alienação é não acolher,
cultivar e promover o dom da fé. A busca de infinito que permeia o coração
humano encontra nela seu porto seguro, pois somente através desse magnífico dom
descobrimos quem realmente somos. Como dizia Santo Agostinho: “Fizeste-me para
Ti, Senhor, e o meu coração inquieto está enquanto não descansa em Ti”
(Confissões, l.1, n.1). Elevemos todos uma oração de agradecimento a Deus pelo
dom da Fé que nos enriquece, fazendo-nos mais humanos e filhos de Deus.
B. No Ano da Fé é necessário dar razões

Não basta celebrar. A verdadeira
ação de graças ao Senhor exige que desenvolvamos o dom recebido. A fé é a
resposta que o coração humano naturalmente anseia encontrar. No entanto, o dom
da fé não exclui a necessidade de utilizar o dom da razão para compreender
melhor os mistérios revelados por Deus, de fazê-los compreensíveis e acessíveis
ao homem em cada momento histórico. Existe a inteligência da Fé que deve ser,
unida à luz da graça, desenvolvida a fim de que cada cristão possa aderir com
maior liberdade às verdades reveladas.
Só a partir de uma livre,
consciente e renovada adesão à própria fé haverá plena responsabilidade na
vivência e testemunho desse dom. É aqui onde dom e resposta, graça divina e
liberdade humana devem se dar as mãos para que a fé possa cair em terra fértil,
semear e dar frutos em abundância.
Esforcemo-nos por conhecer
profundamente a fé que professamos. Criemos grupos de estudos e reflexão,
estudemos nossa história.
Possuímos um instrumento
maravilhosamente privilegiado para esta finalidade: o Catecismo da Igreja
Católica, que se apresenta também no formato de compêndio e no formato para
jovens, o YouCat, lançado na Jornada Mundial da Juventude em Madri. Todos são
fontes riquíssimas para alimentar nossa alma e nossa inteligência. Temos também
o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, os documentos do Concilio Vaticano
II, as encíclicas papais e, acima de tudo, a Sagrada Escritura.
Utilizemos as ferramentas que a
sociedade moderna nos oferece para nos atualizarmos, conhecermo-nos e
encontrarmo-nos. É louvável a iniciativa de diversos grupos de jovens que, na
impossibilidade de encontrar-se fisicamente com frequência, utilizam os
bate-papos, os grupos que as diversas mídias sociais oferecem. Desejo,
vivamente, que estes grupos se multipliquem. É importante que estejam guiados
por uma pessoa ou que tenham um moderador ou consultor com conhecimentos
filosóficos e teológicos, que iluminem e ajudem a entender melhor a própria fé.
Pelo batismo, somos, desde já,
cidadãos do Céu, mas devemos ser conscientes dessa tão alta dignidade. Não
devemos nos acanhar diante dos desafios que o mundo apresenta. A Igreja não
possui apenas dois mil anos de história, mas ela e, consequentemente cada um de
nós que estamos em comunhão com a Igreja, possuímos a assistência do Logos
Divino, da sabedoria eterna, que nos é dada através dos dons do Espírito Santo.
Não devemos ter medo de dialogar com o mundo contemporâneo. É nossa missão
evangelizar a cultura. Como afirma Bento XVI, "a Igreja nunca teve medo de
mostrar que não é possível haver qualquer conflito entre fé e ciência
autêntica, porque ambas, embora por caminhos diferentes, tendem para a verdade."(Porta
Fidei, n. 12). Sejamos os promotores da Verdade na caridade, e da caridade na
Verdade.
C. No Ano da Fé é importante proclamar
Considero importantes todas as
iniciativas que visam promover nossa fé e incidir positivamente na sociedade e
que contenham o avanço do mal que se alastra em nossa cultura. Mas, o que
seriam dessas iniciativas de luta e de força, de combate e embate sem a fé? Não
vejo os primeiros cristãos se conjurando para dominar as instituições através
da força e do poder. A ação mais importante e fecunda de nossos primeiros
irmãos foi, a partir de experiência que nasce do encontro pessoal com Cristo,
testemunhar com a própria vida que Deus existe. Os pagãos se sentiam atraídos
pela beleza da fé católica e pela caridade com que viviam os primeiros
cristãos, e chegavam a exclamar: “Vede como se amam” (Tertuliano, Apol.,39).
É na caridade, na alegria, no
entusiasmo e na felicidade da vivência de nossa fé que iremos permear o mundo
da esperança e do amor cristão. É no respeito, no diálogo aberto, sincero e
inteligente que construiremos pontes entre a Fé e o mundo contemporâneo. Já
existem muitos muros!
Aprendamos a difícil arte de
escutar, entender, compreender e defender sem medo nossa fé, com serenidade e
respeito. A evangelização e nossas ações sociais só produzirão efeito a partir
do momento em que cada cristão tiver um encontro pessoal com Cristo.
Nossa fé não é fruto de uma
decisão, mas de um encontro, e só a partir desse encontro nossa evangelização
será uma luz que atrai por sua beleza divina. Onde se realiza esse encontro?
Não se é cristão sozinho. O ser humano é um ser social por natureza. É na
comunidade de fé e na Igreja, como custódia dos sacramentos de Cristo, que
encontraremos, renovaremos e promoveremos nossa fé. Só podemos nos dizer
plenamente cristãos se encontrarmos nossos irmãos na oração, na eucaristia e na
reconciliação.
Sem comunidade não há família
cristã. É através do mistério do Corpo Místico de Cristo onde toda a Igreja se
encontra. É na liturgia e nos sacramentos que toda ação tem sentido. "Sem
a liturgia e os sacramentos, a profissão de fé não seria eficaz, porque
faltaria a graça que sustenta o testemunho dos cristãos." (Porta Fidei,
n.11)
É na vivência comunitária de
nossa Fé que encontramos o amor de Cristo. «Caritas Christi urget nos – o amor
de Cristo nos impele» (2 Cor 5, 14). Sua Santidade afirma que “é o amor de
Cristo que enche os nossos corações e nos impele a evangelizar. Hoje, como
outrora, Ele envia-nos pelas estradas do mundo para proclamar o seu Evangelho a
todos os povos da terra (cf. Mt 28, 19).” (Porta Fidei, n.7)
O católico tocado pela fé é uma
das provas e evidências mais fortes da existência de Deus. Quando conheço um
cristão coerente, vejo um milagre da criação. Vejo Deus na Terra e percebo que
não há trevas que possam invadir um mundo dominado pela luz da fé, pelo sal do
testemunho e pelo bálsamo da caridade. Em cada um de nós, de certo modo, se
realizam de maneira plena as palavras de Cristo: “Eu estarei convosco todos os
dias, até o fim dos tempos (Mt 28,20).
Peçamos a Nosso Senhor Jesus
Cristo a graça de viver nossa fé com toda nossa alma, com todo nosso coração e
com todo nosso entendimento. Só assim seremos o que temos de ser e
transformaremos o mundo. Só em Cristo, por Cristo e com Cristo conseguiremos
transmitir os tesouros de nossa fé e incidir positiva e efetivamente na sociedade.
Não tenhamos medo de falar daquilo que preenche nosso coração; não tenhamos
medo de falar d'Aquele que dá um sentido último às nossas vidas. Subamos nos
telhados e nos preparemos para anunciar com amor que o Amor existe, se fez
carne e habita em nós e está entre nós.
Preparemo-nos, através da oração,
da adoração, da eucaristia, da reconciliação e da missão pessoal e comunitária
para o Ano da Fé, que coincidirá, para o nosso júbilo, com a preparação e a
realização da JMJ Rio 2013!
† Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
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